Mediação empresarial: uma alternativa que deve ser considerada na resolução de conflitos

Gradativamente, as empresas brasileiras têm cogitado o uso da mediação para a resolução de conflitos. Trata-se de mecanismo conciliador fundamentado na cooperação entre as partes, propiciando um ambiente colaborativo em que os atores do problema podem dialogar de maneira produtiva, expondo seus interesses com o escopo de alcançar o desfecho da discussão da forma mais satisfatória possível para ambos.
O estudo “Mediação em Números”, realizado pela parceria entre o Canal Arbitragem e a FGV Direito SP, mostrou que, levando em conta os dados sobre mediações realizadas em sete câmaras ao longo dos últimos dez anos (2012-2022), o salto na utilização empresarial da mediação é considerável.
Segundo a pesquisa, enquanto no ano de 2012, as sete câmaras examinadas, juntas, receberam 26 requerimentos de mediação, ao revés, em 2020, foram 120 requerimentos. Os números representam um salto de mais de 400%.
Todavia, no contexto pandêmico, a realização da mediação de forma online ganhou prestígio, fato que se manteve mesmo com o desfecho da pandemia, levando em consideração a redução de custos e as facilidades que o mundo virtual é capaz de proporcionar.
Vale destacar que o estudo também levantou a informação de que a mediação vem sendo usada após a instauração da arbitragem, nas fases instrutória e após a sentença parcial. Segundo a pesquisa, as Câmaras têm refletido sobre formas de incentivar a mediação no curso da arbitragem, concedendo descontos nas taxas de administração quando seu uso é realizado de forma concomitante.
Não obstante, no que se refere aos temas que mais se insurgem na mediação, são eles os contratos empresariais, demandas societárias, construção civil e energia – e, mais recentemente, as recuperações judiciais.
Tanto é verdade que, recentemente, em sua 10ª Sessão Ordinária de 2023, o CNJ, sob a presidência da Ministra Rosa Weber, lançou o Manual Prático de Mediação Empresarial, idealizado no âmbito do Fonaref – Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências. A obra pretende servir de referência para mediadores, advogados, juízes, membros do Ministério Público, administradores judiciais e toda a comunidade jurídica na prática da mediação empresarial nos processos de insolvência.
Dividido em quatro partes estratégicas, o manual visa contribuir para a edificação de uma perspectiva de expansão de uma política pública judiciária de tratamento adequado dos conflitos, voltada às especificidades da recuperação e falência de empresas.
Além de representar uma provável solução mais razoável para os interesses de ambas as partes, a grande vantagem da mediação consiste no afastamento da discussão no âmbito do Poder Judiciário que, em razão do exacerbado volume de demandas, acaba por ensejar processos duradouros, que, quando complexos, frequentemente se arrastam por décadas. Enquanto isso, a pesquisa em comento aponta que a média de duração dos procedimentos de mediação fica entre um a 387 dias.
Desta forma, a mediação se mostra como uma ferramenta mais coerente e ágil para a resolução de conflitos, sendo imprescindível a atuação dinâmica e diligente dos advogados das empresas, de modo a oportunizar, não tão somente o menor prejuízo possível, mas também a maior vantagem factível – tudo isso, de forma célere. Afinal, nas palavras de Ruy Barbosa, justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.
Por Giovanna Semprini Ferreira, Advogada no Braga & Garbelotti – Consultores Jurídicos e Advogados.
Fonte: Migalhas – 19 de agosto de 2023.
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Acordo de sócios e a cláusula arbitral como instrumentos estratégicos essenciais

Tomada a decisão de desenvolver uma atividade empresarial em sociedade, os sócios, por acreditarem estar em completo alinhamento sobre suas ideias, objetivos e forma de desenvolvimento, e pelas boas expectativas geradas pela nova fase, não consideram, muitas vezes, as fragilidades e eventuais problemas decorrentes dessa decisão.
Contudo, uma das questões mais importantes a se considerar é que, no desenvolver do empreendimento, podem surgir controvérsias e conflitos entre os sócios, os quais costumam colocar em risco a própria sociedade, de modo que a resolução célere do impasse se demonstra essencial à manutenção da atividade empresarial.
Nesse contexto, ganham especial relevância o instrumento denominado acordo de sócios e o método extrajudicial de resolução de conflitos da arbitragem.
Inicialmente, no que se refere ao acordo de sócios, a Lei nº 6.404/1976, que “dispõe sobre as Sociedades por Ações”, conhecida como “Lei das S/A”, trouxe importante previsão em sua “Seção V”, delimitando os aspectos atinentes ao instrumento denominado “Acordo de Acionistas” e o estabelecendo como meio para que os acionistas estabeleçam previsões sobre “a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou poder de controle”, os quais “deverão ser observados pela companhia quando arquivados em na sua sede” (artigo 118, caput, Lei nº 6.404/1976) [1].
Em que pese a previsão específica do instrumento na legislação afeta às sociedades anônimas, a sua aplicabilidade às sociedades limitadas é amplamente aceita, desde que previsto no contrato social a aplicação subsidiária ou supletiva da Lei nº 6.404/1976 e feitas as devidas adaptações.
Ademais, apesar de, assim como o contrato social, estar inserido no contexto da organização societária, importante evidenciar que o instrumento materializado pelo acordo de sócios com esse não se confunde, funcionando como verdadeiro complemento às disposições constitutivas da sociedade.
Em verdade, o acordo de sócios surge para detalhar os direitos e obrigações dos integrantes da sociedade, enquanto o contrato social é o documento pelo qual se constitui a própria sociedade, trazendo delimitações voltadas especialmente para os aspectos da atividade a ser desenvolvida por aquela pessoa jurídica.
Nessa linha, enquanto o contrato social é documento obrigatório e indispensável ao registro e surgimento da sociedade, o acordo de sócios se apresenta como uma faculdade de seus integrantes, mas que lhes garante maior segurança no contexto societário e empresarial, possibilitando que sejam criadas previsões específicas sobre os eventuais impasses, conflitos e situações que possam surgir entre os sócios ou entre esses e a sociedade no curso do desenvolvimento da atividade.
É por esse motivo que o acordo de sócios é considerado instrumento acessório ao contrato social — que se afigura como instrumento principal — e é reconhecido como um pacto parassocial, conforme esclarece Eduardo Goulart Pimenta (2022, p. 345):
Trata-se o acordo de acionistas de um contrato pelo qual dois ou mais sócios de uma mesma companhia disciplinam, entre eles, a forma pela qual exercerão algum ou alguns de seus direitos de sócio.
É chamado de contrato parassocial, uma vez que envolve integrantes da sociedade e disciplina seus direitos em relação à pessoa jurídica sem, entretanto, se confundir com os atos constitutivos da companhia. É um instrumento extremamente importante para organizar as relações intrasocietárias e influencia diretamente a formação de maiorias e minorias nas deliberações e atos societários.
Nesse sentido, apesar de o contrato social se apresentar como essencial à criação da sociedade, pode ser que suas previsões não sejam suficientes para que sejam esclarecidas, delimitadas e pontuadas todas as particularidades do exercício de cada um dos sócios — seja entre eles próprios, seja em relação à própria pessoa jurídica. Dessa forma, em que pese ser faculdade conferida àqueles que desenvolvam atividade em pluralidade de sócios, o acordo de sócios surge como importante ferramenta para prevenção de eventuais problemas ou divergências surgidos.
Importante mencionar, ainda, que enquanto o contrato social é registrado perante a Junta Comercial, de modo publicizá-lo, o acordo de sócios pode trazer previsões que possuam caráter sigiloso e, assim, não sejam interessantes de delimitação no corpo do instrumento que constitui a sociedade e que será de conhecimento de terceiros. Nessa toada, caso os sócios desejem que as disposições do aludido instrumento sejam oponíveis a terceiros, se faz necessário que sejam “averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos” (artigo 118, §1º, Lei nº 6.404/1976 [2]).
Quanto aos efeitos produzidos entre os próprios sócios, todavia, o acordo passa a valer independente de seu registro, na medida em que as pessoas vinculadas às suas disposições já possuem conhecimento do teor do que restou delimitado no documento.
Somado a isso, evidenciando o caráter organizatório e estratégico do documento no contexto societário, existe a possibilidade de que exista mais de um acordo de sócios dentro de uma mesma sociedade e que esse seja celebrado por todos os sócios ou apenas por parte deles.
Justamente em razão das vantagens decorrentes da elaboração do documento, esse se apresenta como verdadeiro “instrumento de composição de grupos”, e, nas palavras de Sérgio Campinho (2018, p. 238),
Revela-se, pois, como um veículo para a estabilização das relações de poder no interior da companhia, permitindo, por ajustes paralelos ao ato constitutivo, a negociação de obrigações recíprocas entre os acionistas celebrantes, que assegurem certa permanência nas posições acionárias por eles ocupadas. Nasce do escopo dos acionistas de predefinir contratualmente certos comportamentos que garantam uma coexistência harmônica de seus interesses de sócio.
Por sua vez, no que se refere ao método da arbitragem, cujos aspectos são delimitados pela Lei nº 9.307/1996, surge a possibilidade de que os conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sejam dirimidos por meio do Juízo Arbitral, com atuação completamente desvinculada do Poder Judiciário (artigo 1º, caput, Lei 9.307/1996 [3]).
Assim, dispõe a aludida legislação que “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral” (artigo 3º [4]), sendo a cláusula compromissória “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (artigo 4º, caput [5]), que deve estar estabelecida por escrito no próprio corpo do contrato ou em documento em separado mas a ele vinculado (artigo 4º, §1º [6]).
No contexto empresarial, mais especificamente, a importância do método é brilhantemente evidenciada por Hurberto Theodoro Júnior, em seu artigo intitulado “A Arbitragem como Meio de Solução de Controvérsias” (1999, p. 4):
“[…] a arbitragem proporciona facilidades incomuns aos litigantes como segurança, tecnicidade, rapidez, sigilo e economia na eliminação de divergências, tanto no plano nacional como no internacional. Isto tem conduzido os empresários, principalmente os grandes, a optarem pela denominada ‘jurisdição privada’, mediante cláusulas introduzidas em seus contratos com o propósito de evitar a Justiça estatal e obter a composição dos litígios derivados das relações contratuais por uma via mais expedita, mais técnica e mais confiável.”
Em assim sendo, de forma breve, podemos apontar como vantagens na opção pela adoção do método em comento, principalmente, 1) a possibilidade de que os conflitos de ordem societária sejam solucionados de forma mais célere, quando em comparação com a utilização da via judicial, notadamente porque a sentença arbitral será proferida em prazo estipulado pelas partes ou, não sendo esse convencionado, em até seis meses (artigo 23 da Lei nº 9.307/119 [7]); 2) a possibilidade de escolha do rito que será aplicado, bem como do árbitro ou da Câmara Arbitral que julgará a controvérsia, de modo que a solução se amolde especificamente às peculiaridades do caso concreto [8]; e 3) o sigilo das informações constantes no processo arbitral, em contraposição à regra da publicidade que rege os processos judiciais, o que ganha especial relevância em situações estratégicas e organizacionais das sociedades que não devam chegar ao conhecimento de terceiros.
Nesse sentido, enquanto acordo de sócios se demonstra imprescindível para a prevenção dos possíveis impasses que podem surgir no desenvolver da sociedade, a cláusula arbitral surge como a figura para a solução de controvérsias já exteriorizadas na relação empresarial, ou que ainda venham a ocorrer.
Destarte, considerando todo o exposto, tanto a elaboração do acordo de sócios, quando a instituição da arbitragem como método de resolução de conflitos societários, se perfazem essenciais no universo empresarial, de modo que merecem especial atenção no momento de constituição de uma sociedade e se materializam como instrumentos estratégicos essenciais à prevenção ou resolução de conflitos.
Referências
BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União: Brasília, DF, dez. 1976.
BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial da União: Brasília, DF, set. 1996.
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Sociedade Anônima. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 238.
PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito Societário. 4. ed. Belo Horizonte: Expert Editora Digital, 2022. p. 345.
THEODORO JÚNIRO, Humberto. A Arbitragem como Meio de Solução de Controvérsias. Ministério Público do Estado de São Paulo, São Paulo, nº 2, nov./dez. 1999. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDC_02_05.pdf. Acesso em: 28 jul. 2023.
[1] Artigo 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.
[2] §1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.
[3] Artigo 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[4] Artigo 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
[5] Artigo 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
[6] §1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
[7] Artigo 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.
[8] Nesse aspecto, Huberto Theodoro Júnior (1999, p. 5 e p. 11), dispõe que: “Assim, embora o juízo arbitral se preste à solução de conflitos de diversas naturezas, seu prestígio e preferência, nos países onde já se acha mais difundido, se dá entre os empresários, em suas relações mercantis, de maneira mais notória nas internacionais, onde se exigem dos julgadores conhecimentos técnicos mais sofisticados e de que, como é óbvio, não dispõem os juízes nacionais comuns” e que “Uma grande e significativa parte dos litígios, principalmente, no âmbito dos negócios internacionais e até mesmo nas relações nacionais entre grandes empresários teve, inquestionavelmente, aberto o acesso a um novo caminho técnico e eficaz para sua melhor composição. Para essas grandes causas, onde a informalidade, a celeridade e o sigilo da solução das divergências e a complexidade dos próprios conflitos reclamam outras instituições diferentes do processo jurisdicional, a arbitragem se revela como expediente técnico, adequado e confiável, segundo a experiência dos povos mais avançados de nosso tempo”.
Por Julia Carneiro do Carmo, advogada no Bustamante Guaitolini Almada Advogados, especialista em Direito de Família e das Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito e em Direito Privado Contemporâneo pelo G7 Jurídico, extensão em Direito Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e associada ao Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2023, 7h06
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Da possibilidade de mediação em matéria tributária

A mediação, cada vez mais valorizada no sistema jurídico brasileiro, inclusive na área tributária, é um método autocompositivo de resolução de conflitos (uma espécie do gênero Alternative Dispute Resolution —ADR), no qual as partes resolvem por si mesmas a ameaça ou crise na realização do direito.
Tratando-se de autocomposição, as partes podem resolver a lide de forma espontânea, como ocorre na transação, no reconhecimento jurídico do pedido e renúncia do direito, ou de forma estimulada, cabendo aqui a conciliação e a mediação. Assim, em razão das múltiplas opções para a resolução da lide, cunhou a doutrina de chamá-lo de sistema de justiça multiportas, onde convivem algumas formas de solução dos conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem (esta, uma heterocomposição).
O termo multiportas deve-se a uma metáfora: “como se houvesse, no átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da arbitragem, ou da própria justiça estatal” [1].
A ministra Regina Helena Costa, ao abordar o instituto da transação previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN), consignou a necessidade de veículo legislativo para tratar da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, dada a indisponibilidade e a supremacia do interesse público sobre o particular [2].
O CPC de 2015 determinou a criação, pelos tribunais, de centros judiciários de solução de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mormente a Resolução nº 125/2010, que instituiu a Política Nacional de Conciliação e a Política Nacional de Mediação, aplicáveis ao Poder Judiciário.
Embora seja voltada para a mediação em geral, essa resolução tem aplicação na prática da mediação tributária realizada pelos tribunais brasileiros, estimulando a sua utilização como meio alternativo de resolução de conflitos.
A Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, instituiu normas gerais para a cobrança judicial e administrativa da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Embora não mencione diretamente a mediação, prevê a possibilidade de celebração de acordos de transação ou de parcelamento entre o devedor e a Fazenda Pública, o que pode incluir a utilização da mediação como meio de negociação.
A Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediação), traça as diretrizes gerais para a mediação aplicáveis a diversas áreas, incluindo a tributária. Embora não trate especificamente da mediação tributária, a lei estabelece, em substancial avanço, que a mediação pode versar sobre direitos disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação, devendo, no último caso, o consenso ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.
Menciona, outrossim, que nos casos em que a controvérsia jurídica seja relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal ou a créditos inscritos em dívida ativa da União, as câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, não poderão celebrar termo de ajustamento de conduta e as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços em regime de concorrência não poderão submeter seus litígios com órgãos ou entidades da administração pública federal à Advocacia-Geral da União, para fins de composição extrajudicial do conflito.
Quando as partes forem órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal, a submissão do conflito à composição extrajudicial pela AGU implicará renúncia do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a redução ou o cancelamento do crédito dependerá de manifestação conjunta do advogado-geral da União e do ministro da Fazenda.
Em 2021, sobreveio, em inovadora disposição, a Recomendação CNJ nº 120, de 28 de outubro de 2021, mencionando o tratamento adequado de conflitos de natureza tributária, quando possível, pela via da autocomposição. Destarte, indicou aos magistrados com atuação nas demandas que envolvem direito tributário que priorizem, sempre que possível, a solução consensual da controvérsia, estimulando a negociação, a conciliação, a mediação ou a transação tributária, extensível à seara extrajudicial, observados os princípios da Administração Pública e as condições, os critérios e os limites estabelecidos nas leis e demais atos normativos das unidades da Federação.
No ano de 2022, por ato conjunto do presidente do Senado e do Supremo Tribunal Federal, foi designada uma Comissão de Juristas, responsável pela reforma do processo administrativo e tributário nacional, objetivando apresentar proposições legislativas tendentes a conferir eficiência aos procedimentos e criar instrumentos para a desjudicialização do processo administrativo e tributário. Entre as medidas, foi apresentado o Projeto de Lei ordinária, PL nº 2.485/2022, instituindo a mediação tributária na União como meio de prevenção consensual de conflitos em matéria tributária administrativa e judicial entre a Fazenda Pública Federal e o sujeito passivo.
Nos termos da redação original do anteprojeto de lei, nas hipóteses admitidas pela legislação federal, serão priorizadas mediações entre a Fazenda Pública Federal e a coletividade de sujeitos passivos, representados por entidades de classe, associações ou grupos detentores de situações idênticas ou análogas, visando à solução conjunta ou coletiva de conflitos relacionados à matéria tributária.
Quanto ao procedimento, o projeto de lei determina que as hipóteses de cabimento da mediação tributária serão definidas em ato conjunto do advogado-geral da União e do ministro da Economia, visando à pacificação da relação tributária entre fisco e sujeito passivo, sendo que a definição dos conflitos administrativos e judiciais em matéria tributária que poderão ser objeto de mediação seguirá os juízos de conveniência e oportunidade da Fazenda Pública, visando à recuperação das receitas não recolhidas espontaneamente pelos sujeitos passivos ou ao reconhecimento de desoneração total ou parcial desses.
A mediação tributária tem como objetivo principal a busca de soluções consensuais e cooperativas para as disputas fiscais, oferecendo benefícios tanto para a Fazenda Pública quanto para os contribuintes, permitindo a busca de soluções individualizadas, a redução de litígios, a economia de recursos e a preservação das relações comerciais entre as partes. De tal modo, o estabelecimento de um diálogo construtivo e a busca por soluções cooperativas podem ser vantajosos para as partes.
Como parte envolvida em uma disputa tributária, a Fazenda, que também é a responsável pela administração e cobrança dos tributos federais, deve buscar proteger os interesses do Estado, garantindo a correta aplicação da legislação tributária e a arrecadação dos tributos devidos.
No ano de 2022, foi apresentado o Anteprojeto de Lei Ordinária de Mediação Tributária da União nº 2485/2022 (PL da Mediação), com a finalidade de estabelecer a possibilidade de utilização da mediação visando à pacificação da relação tributária entre o fisco e o sujeito passivo e garantir a possibilidade de uso da mediação a partir da confluência de interesses da Secretaria da Receita, dos procuradores da Fazenda Nacional e dos sujeitos passivos.
O projeto estipula que a mediação será exercida por pessoas internas e/ou externas à administração pública e ressalva que, eventuais responsabilizações dos mediadores internos (auditores fiscais da Receita e procuradores da Fazenda), somente responderão por dolo ou fraude perante seus órgãos correcionais ou disciplinares.
Um aspecto interessante diz respeito à possibilidade de a mediação ser requerida não apenas pelo sujeito passivo, mas, também, pela Fazenda. Nos dois casos, a autoridade indicará quem será o mediador, e o sujeito passivo poderá rejeitar tal indicação por até duas vezes. Caso ainda discorde das indicações, poderá desistir da mediação.
[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 894.
[2] COSTA, Regina Helena. Código Tributário Nacional Comentado: Em sua moldura constitucional. 3. ed.. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 390-391.
Por Ana Claudia Borges de Oliveira, conselheira titular da 2ª Seção do Carf, especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), foi professora voluntária de Direito Tributário na Universidade de Brasília (UnB) e é pesquisadora do Grupo de Pesquisa ProLaw-Lab – Precedentes, Democracia e Direitos Humanos (UnB) e do Grupo de Pesquisa Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP).
Fonte: Portal Contábil SC – 25/07/2023.
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Comitê de resolução de disputas na nova Lei de Licitações e Contratos

Sobretudo no campo dos contratos administrativos, é comum que surjam questões muito específicas e cuja solução dependa de conhecimentos técnicos extrajurídicos. Contratos públicos para edificação de obras, realização de serviços de engenharia ou desenvolvimento de projetos complexos, por exemplo, suscitam debates pormenorizados sobre tamanho de tubulações e fios, qualidade de materiais, técnicas de impermeabilização e pintura, qualidade do solo e estrutura geológica, entre outros temas distantes e estranhos ao direito.
Por isso, submeter a juristas conflitos sobre assuntos dessa natureza geraria nenhuma ou reduzidíssima utilidade. Para resolver essa questões, é indubitavelmente mais útil ouvir um ou um conjunto de especialistas com formação pertinente e capazes de oferecer respostas mais adequadas e aprofundadas.
É sob essas circunstâncias que entra em jogo o comitê de resolução de disputas (CRD). Esse instrumento de solução de conflitos técnicos foi trazido do direito norte-americano, em que aparece como “dispute resolution board” (DRB) ou “dispute adjudication board” (DAB).
Inicialmente, a menção ao instituto no direito nacional despontou em atos normativos locais. Exemplo disso é a Lei Paulistana nº 16.873/2018, de iniciativa do vereador Caio Miranda, e posteriormente regulamentada na gestão do prefeito Bruno Covas no Decreto nº 60.067/2021. Esses diplomas locais introduziram os “Comitês de Prevenção e Solução de Disputas em contratos de obras públicas e de execução continuada”.
Seguindo esse movimento, a nova Lei de Licitações (NLLC) consagrou de maneira expressa o comitê de resolução de disputas (artigo 151) e o submeteu a algumas regras gerais, igualmente aplicáveis à arbitragem. No tratamento extremamente sucinto do tema conferido pela NLLC, esses comitês estão limitados a resolver questões sobre direitos patrimoniais disponíveis, como as que tenham impacto sobre a equação de equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, inadimplemento de obrigações contratuais e cálculo de indenizações (artigo 151, parágrafo único). Para além dessas poucas regras gerais, a lei exige que se estipulem critérios isonômicos, técnicos e transparentes para a escolha dos membros dos comitês (artigo 154).
Afora esses parâmetros básicos, a NLLC nada mais indica, tornando essencial que se teçam algumas considerações sobre as várias possibilidades de organização desses comitês.
Em relação à composição, os CRD geralmente são formados por um grupo de especialistas em número ímpar com o objetivo de evitar empates decisórios. Esse grupo geralmente abrange três membros, mas pode envolver mais que isso. O importante é que a quantidade de membros não se eleve indevidamente a ponto de comprometer a decidibilidade, ou seja, a capacidade de decidir de maneira rápida e eficiente.
Em relação aos membros, é fundamental que se garanta a participação de profissionais com conhecimentos técnicos aprofundados sobre aspectos do objeto contratado, além de autonomia e isenção em relação às partes contratantes. Como os CRD são comuns para contratos de obras e projetos complexos, é frequente sua composição por engenheiros ou profissionais congêneres. Isso não obsta, porém, que juristas formem o comitê. Entendo que a participação de, ao menos, um profissional do direito é sempre recomendável, sobretudo porque contratos públicos são guiados pela legalidade e a autonomia das partes é fortemente limitada pelo legislador. Para além da adequação da formação profissional, a autonomia e isenção do CRD recomendam que cada membro seja indicado por uma das partes contratantes e os dois membros então apontam o terceiro, que atuará como presidente.
Em relação ao funcionamento, é possível diferenciar os comitês permanentes e os comitês pontuais, transitórios ou “ad hoc”. Os permanentes acompanham o contrato desde o seu início. Isso torna os membros mais familiares com a realidade das partes e as dificuldades da execução, de modo a permitir que tomem decisões aderentes, rápidas e coerentes umas com as outras. Porém, ao mesmo tempo, a atuação constante tende a elevar os custos, onerando as partes. Já os comitês pontuais são formados para lidar com problemas específicos ao longo da execução, razão pela qual se exaurem com o proferimento da decisão ou recomendação. Por isso, os custos que geram às partes tendem a ser menores.
Em relação à decisão, os CRD são dotados ora com mero poder recomendação, assemelhando-se à conciliação, ora com poder de expedir decisões vinculantes às partes, aproximando-se da arbitragem. Como dito, a NLLC não trata desses detalhes, nem consagra essa classificação, que, em verdade, provém do direito estrangeiro.
Em qualquer caso, a expedição de decisões ou recomendações somente ocorrerá após uma das partes submeter questões ao comitê, que as examinará, coletará provas e proferirá sua manifestação técnica. Dada a presença de controvérsia, apesar do silêncio da NLLC, entendo fundamental que esses comitês respeitem a ampla defesa e o contraditório ao atuarem sobre conflitos envolvendo a administração pública e particulares, sem prejuízo da flexibilidade das partes para estipular os procedimentos e os prazos dentro dos parâmetros definidos pela legislação. A inafastabilidade da ampla defesa e do contraditório é resultado expresso de norma constitucional, aplicável sempre que a administração utilizar qualquer procedimento para tratar de situação adversarial (artigo 5º, LV).
Em síntese, a grande vantagem dos comitês de resolução de disputas, consagrados na NLLC de 2021, é oferecer resolução rápida e eficiente de conflitos extremamente técnicos e extrajurídicos, frequentes em obras e projetos complexos. Ao agir com apoio de especialistas e solucionar questões especializadas, os comitês contribuem para a continuidade das atividades contratadas, para a boa relação entre as partes, assim como para evitar processos judiciais ou arbitrais, com as delongas e desgastes típicos desses meios de solução de controvérsias mais complexos.
Por Thiago Marrara, professor de Direito Administrativo da USP (FDRP), consultor, parecerista, árbitro e autor de manual de Direito Administrativo e coautor do manual de licitações e contratos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2023, 7h09
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TJ-SP não vê renúncia à cláusula de arbitragem por ré e valida procedimento

Na pendência da instauração do tribunal arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem.
Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, uma ação de rescisão contratual em razão da existência de cláusula arbitral.
A autora, um fundo de investimentos, alegou que a empresa ré teria descumprido uma cláusula de um contrato de investimento firmado entre as partes e, por isso, ajuizou a ação. A autora alegou que, antes da instauração da arbitragem, a ré acionou o Judiciário em busca de liminares, o que configuraria renúncia à cláusula arbitral.
Mas o relator, desembargador Franco de Godoi, afastou a alegação da autora de que houve renúncia tácita à cláusula de arbitragem por parte da ré, pois o CPP dispõe que “incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar convenção de arbitragem”. Neste caso, disse Godoi, a ré sustentou, sim, a existência da cláusula de arbitragem no momento oportuno.
“Não há como verificar qualquer renúncia à cláusula compromissória, mesmo porque o procedimento arbitral foi posteriormente instaurado, nos termos do acordo de acionista. Não se olvide que o esforço processual da autora-apelante em afastar a questão concretizada no litígio do juízo arbitral esboroa-se, também, ante o disposto no artigo 22-A da Lei 9.307/96”, afirmou o magistrado.
Conforme o artigo 22-A da Lei de Arbitragem, “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência”. Foi o que ocorreu na hipótese dos autos, na visão de Godoi, o que mantém a validade da cláusula arbitral.
“Inconcebível sob o aspecto jurídico processual interpretar a conduta de uma das partes como renúncia tácita à jurisdição arbitral, quando a própria lei que a impõe permite possa a parte agir sem a consequência alvitrada pela apelante-autora. Constata-se ainda, se assim não fosse, as decisões de primeira e segunda instâncias reconheceram o caráter de urgência das medidas ajuizadas pela ré apelada, concedendo-as.”
Além disso, o relator ressaltou que a cláusula arbitral só permite a sua discussão, primeiramente, em sede de arbitragem e, excepcionalmente, nos casos do artigo 32 da Lei de Arbitragem, em sede do juízo estatal. Para ele, o caso dos autos não se enquadra nas situações excepcionais.
Godoi ainda citou trecho do livro “Lei de Arbitragem comentada”, de Olavo A. V. Alves Ferreira, Matheus Lins Rocha e Débora Cristina Alves Ferreira: “O Judiciário pode, em situações excepcionais, declarar a nulidade de cláusula arbitral, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral, quando aposta em compromisso claramente ilegal, eis que conforme já decidiu o STJ, são situações extraordinárias, em que o vício é clarividente, ou seja, casos real e ostensivamente aberrantes, também denominados claramente ilegais.”
O desembargador não verificou ilegalidades no contrato em questão e, por fim, afirmou que o legislador brasileiro adotou o princípio da total autonomia da cláusula arbitral, impondo-se a extinção do processo sem resolução do mérito.
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Processo 0032551-29.2020.8.26.0100
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2023, 15h47
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Processo arbitral: início, meio e fim

Um dos temas mais instigantes na seara do direito processual, diz respeito às peculiaridades do processo arbitral. Mas se se está aqui a falar de processo puramente dito, por que dar algum destaque ao processo arbitral? Existe, realmente, alguma diferença entre o processo arbitral e o processo judicial?
Arbitragem, como se sabe, é processo. Em verdade, a arbitragem possui um sistema estrutural bastante semelhante ao do processo civil, com a diferença de que quem julgará o litígio serão árbitros indicados pelas partes, o quais, assim como o juiz estatal, devem ser imparciais e independentes. Processo civil e arbitragem constituem, assim, “instrumentos heterônimos de solução de conflitos”, gerando inquestionável “paralelismo” na visão de Donaldo Armelin1-2.
É nesse contexto que Carnelutti, ao ver a arbitragem como um dos equivalentes do processo civil contencioso de cognição, lecionava:
“[A] meu aviso, com a arbitragem já estamos no terreno do processo, onde não creio que – diferentemente da transação e do processo estrangeiro – seja no caso de compreendê-la entre os equivalentes processuais. A razão está em que, à diferença do processo estrangeiro, o processo arbitral é regulado pelo nosso ordenamento jurídico não apenas no sentido de controle dos requisitos da sentença arbitral e dos seus pressupostos, mas também e acima disto, pela ingerência do Estado no desenvolvimento do próprio processo”.3
A processualidade da arbitragem advém de duas características fundamentais: primeiramente, de sua jurisdicionalidade4 e, em segundo lugar, da aplicabilidade, a toda arbitragem, dos princípios fundamentais do processo5.
O caráter processual é um elemento inerente ao instituto da arbitragem, dado que esta visa a uma prestação. Ou seja, aquele que se sente lesado em um contrato, no qual resta inserida uma cláusula compromissória, possui um direito subjetivo a uma prestação. Possui uma pretensão arbitral.
Tal pretensão arbitral, idêntica em essência àquela travada no âmbito do processo judicial, possui uma peculiaridade: ela se sujeita à um processo que possui início, meio e fim. O mais importante em relação a esse ponto é o fim. A decisão final, revestida pela sentença arbitral, resolve, em caráter definitivo, a lide entre as partes. O referido caráter peremptório pode explicado de forma simples: a sentença arbitral não comporta recurso, ou mesmo rediscussão6. O mérito da demanda, insculpido na sentença, é intangível7.
Tal ponto, considerado elementar na arbitragem, poderia ser uma desvantagem do referido instituto? Certamente a resposta é negativa. A tão aclamada celeridade do processo arbitral advém, justamente, dessa característica estrutural, a qual se destaca por se concentrar em três etapas: início, meio e fim.
Diferentemente do processo judicial, que se encerra quando do trânsito em julgado da última decisão que julgar o mérito da demanda (o que pode levar anos, a depender da quantidade de recursos ofertados às instâncias superiores), o processo arbitral tem o seu fim com a sentença arbitral final, a qual obtém o seu trânsito em julgado de forma imediata8.
O caráter definitivo da sentença arbitral é certamente um elemento que deve ser considerado pelas partes ao eleger a arbitragem como método de resolução de disputas em suas avenças. As partes são responsáveis pelas melhores estratégias a serem adotadas em seus negócios, tanto aquelas de caráter comercial como as de natureza processual (i.e., escolha da cláusula de arbitragem). Escolher a arbitragem para resolver disputas tem inevitáveis consequências, dentre elas: (i) o imediato afastamento da competência do juízo estatal para a apreciação do mérito da demanda (efeito negativo da convenção de arbitragem9); (ii) a remessa do caso à jurisdição arbitral, a quem compete o processamento e resolução da disputa (efeito positivo da convenção de arbitragem10); e, (iii) diretamente relacionada à esse efeito positivo, o caráter definitivo da decisão que julgar o mérito da causa.
O risco inerente à escolha de um processo que gera uma decisão irrecorrível deve compor a matriz de risco das partes na escolha do método de resolução de disputas. Isso porque pouco ou nada ajuda as partes, insatisfeitas com o resultado de determinado processo arbitral recorrerem ao Poder Judiciário por meio da ação anulatória prevista no art. 32 da Lei de Arbitragem. Tal ação não é um recurso e não tem condão de rever o mérito da sentença arbitral, o qual, por força legal, é intangível.
Nesse sentido, a propositura de ações com o fito de rever o mérito da sentença arbitral, não apenas defrontam-se com a alta probabilidade do julgamento de improcedência da demanda (o que, aliás, já foi comprovado por uma série de análises quantitativas realizadas no Brasil11), mas, também, o elevado risco da condenação da parte perdedora nos ônus sucumbenciais, os quais variam entre 10 e 20 por cento do valor da causa12, sendo tais verbas percentuais consideradas taxativas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”13). Em verdade, esse tipo de conduta nutre a perniciosa instabilidade criada pelo chamado “mal perdedor”, para quem ganhar ou perder uma ação anulatória pouco importa, visto que o objetivo de sua propositura muitas vezes é apenas a protelar o cumprimento da sentença14.
Em suma: não visam as presentes linhas demonstrar que o processo arbitral, apenas, possui início, meio e fim. Mas é justamente ressaltar que, em razão dessa característica, em especial o seu fim, que as partes devem ter o absoluto cuidado na escolha do método de resolução de disputas em seus negócios. Deve-se atentar que, se escolhida a arbitragem, serve esta para resolver eventual imbróglio entre as partes e não fazer com que uma lide se eternize por meio de inventadas e infundadas ações anulatórias. Saber redigir uma cláusula arbitral completa, escolher estratégica e cuidadosamente os membros do tribunal arbitral, participar de forma ativa e coerente durante o procedimento, expor o seu caso com a devida minúcia, produzir provas capazes de suportar seus pleitos e aceitar a decisão final que advier, são elementos que devem estar na mente daquele que, conscientemente, escolhe a arbitragem como método de resolução de seus litígios.
__________
1 Nesse sentido, afirma Donaldo Armelin: “[…] apresenta, no seu conjunto, estrutura semelhante a do processo civil, até porque ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos, nos quais emerge a existência de terceiro desinteressado ao qual se atribui autoridade suficiente para o deslinde do litígio” (Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, nº 15, p. 69, out.-dez. 2007).
2 O paralelismo dos efeitos das vias judicial e arbitral é assim explicado por Donaldo Armelin: “[…] até porque a via arbitral serve, assim como o processo civil, de veículo legal e constitucional para o acesso à Justiça, observando os mesmos princípios garantidores do devido processo legal guardadas as peculiaridades desses dois institutos” (Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, nº 15, p. 79, out.-dez. 2007).
3 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Pádua: Cedam, 1936. v. 1, p. 179, citado por: CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 19.
4 A esse respeito, a lição de Eduardo Damião Gonçalves: “Nota-se que a arbitragem preenche todos os elementos que caracterizam a jurisdição. Nesse caso, a função dos agentes adequados – os árbitros – é exercida não diretamente pelo Estado, mas por vontade das partes. Mas a arbitragem também tem em si um fundamento legal, na medida em que a possibilidade de as partes submeterem-se à arbitragem deriva de uma decisão do Estado manifestada por um texto legislativo que autoriza as partes a recorrerem à arbitragem para a solução da lide embora não seja apropriado dizer que se trata de uma delegação estatal” (Arbitrabilidade objetiva. 2008. Tese (Doutoramento) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 24)
5 Bruno Oppetit, ao ponderar sobre as diferenças da justiça estatal e justiça arbitral, lembrando que o ideal de justiça de ambas as jurisdições é o mesmo, com peculiares diferenças, ressalva que os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da ampla defesa estão sempre presentes, em qualquer litígio, sob pena de não existir um processo justo, íntegro. Nesse sentido, dizia: “Il ne saurait en effet exister de procès équitable sans que soient scrupuleusement respectés le principe d’égalité entre les parties, le principe de la contradiction et celui, proche mais distinct, de la protection de la défense, ainsi que la nécessité d’un débat loyal, et ces exigences, quelles qu’en soient les modalités qui les traduisent, se manifestent à tous les stades de la procédure” (Justice étatique et justice arbitrale. Études offertes à Pierre Bellet. Paris: Litec, 1991. p. 422).
6 Ver, nesse sentido, o disposto no art. 18 da Lei de Arbitragem: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
7 O que se entende, aliás, ser, a verdadeira essência da arbitragem (NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 53.
8 Segundo Ricardo de Carvalho Aprigliano: “[A] natureza processual da arbitragem se extrai não apenas da presença de julgadores estranhos ao litígio e equidistantes em relação às partes, mas também do objetivo final de obtenção de uma decisão que aplique o direito ao caso concreto, proferida mediante sentença, à qual se atribuem os mesmos efeitos da sentença judicial. E porque esta sentença, em particular, não está sujeita à homologação ou revisão quanto ao mérito, daí resulta que ao ser proferida, ou quando muito após a decisão sobre os pedidos de esclarecimentos, a sentença arbitral transita imediatamente em julgado, produzindo efeitos de forma imediata”. (Nomas processuais aplicáveis à arbitragem. Parâmetros para a aplicação de normas processuais gerais ao processo arbitral. Tese de Livre Docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022, p. 55).
9 Segundo Fouchard, Gaillard e Goldman, para que seja assegurado o respeito ao cumprimento da convenção de arbitragem, é necessário que ao efeito positivo, que impõe às partes a atribuição aos árbitros de todos os litígios cobertos pela convenção de arbitragem, corresponda também um efeito negativo, o qual proíbe as jurisdições estatais de se manifestarem sobre qualquer litígio, objeto da convenção de arbitragem (FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Traité de l’arbitrage commercial international. Paris: Litec, 1996. p. 416).
10 A atribuição aos árbitros de jurisdição, em razão do efeito positivo da convenção de arbitragem, já era justificada por Roque Caivano da seguinte forma: “[…] atribuir jurisdicción a los árbitros, quienes obtienen de ella las facultades necesarias para intervenir en el litigio; y es por ello que la clausula compromisoria determina la medida de las facultades de los arbitros” (Arbitraje: su eficácia como sistema alternativo de resolución de conflictos. Buenos Aires: Ad Hoc, 1993. p. 116).
11 Ver, a esse respeito: Pesquisa CBAr-ABEArb 2016 « CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem. Acesso em 21 abr. 2023.
12 Art. 85, § 2º do Código de Processo Civil: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos (…)”.
13 Ver, a esse respeito: STJ, Corte Especial, Recurso Especial n. 1.850.512-SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. 16 de março de 2022, DJE de 31 de maio de 2022.
14 A esse respeito, pertinente a crítica tecida por Ricardo de Carvalho Aprigliano no que concerne às ações que visam anular sentenças arbitrais por eventual ausência de revelação do árbitro de determinado fato: “É preciso ter clareza quanto a dois aspectos, que, a um só tempo, representam as especificidades do processo arbitral e também demonstram a necessidade de interpretá-lo à luz dos conceitos e parâmetros processuais da teoria geral do processo. O primeiro aspecto é que a violação ao dever de revelação não é caraterizada, na Lei de Arbitragem, como causa única e exclusiva para a anulação de sentenças arbitrais. Não obstante ser claramente um dever dos árbitros, a sua violação não gera, ipso facto, alguma consequência direta. Será preciso sempre verificar se, da não revelação de algum fato, houve impactos na imparcialidade e independência do árbitro que violou o dever de revelar. É muito perigosa a tendência que se observa de criar uma associação automática entre tais figuras, porque o argumento passa a ser uma espécie de “bala de prata”, que todo litigante perdedor tentará se valer, para impugnar decisões arbitrais. Para certas finalidades estratégicas, ganhar ou perder a ação anulatória é o que menos importa, porque a instabilidade se fará presente, ao menos durante os longos anos de tramitação desta demanda”. (Nomas processuais aplicáveis à arbitragem. Parâmetros para a aplicação de normas processuais gerais ao processo arbitral. Tese de Livre Docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022, p. 222).
Por Thiago Marinho Nunes, FCIArb. Doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; vice-presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor do Núcleo de Pesquisa em Arbitragem do IBMEC-SP; árbitro independente.
Fonte: Migalhas – terça-feira, 25 de abril de 2023
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Métodos alternativos de soluções de conflitos em matéria ambiental

Construção de hidrelétricas, abertura de estradas interestaduais que atravessam parques florestais, contaminação do solo e de lençóis freáticos, depósito de resíduos sólidos, contaminação por substâncias químicas tóxicas na agricultura, atividades mineradoras — esses são alguns exemplos dentre os vários impactos causados ao meio ambiente decorrentes da ação do homem ao longo do tempo e que, geralmente, têm sido dirimidos com a intervenção do Poder Judiciário.
A crescente preocupação com a preservação ambiental tem levado cada vez mais pessoas a buscar outros meios para solucionar conflitos relacionados ao meio ambiente.
A busca por uma solução rápida, efetiva e consensual tem levado as partes a optarem por alternativas como mediação, conciliação, negociação e arbitragem, visando a preservação do meio ambiente e a busca de um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, tudo de forma sustentável.
Nesse sentido, os métodos alternativos de solução de conflitos, os Mascs, se mostram uma ferramenta eficaz para alcançar uma solução justa e satisfatória para todas as partes envolvidas, assim como já ocorre em outros países, seja na resolução de conflitos instalados ou na sua prevenção.
Os Mascs se baseiam, em geral, em técnicas de negociação, mediação, conciliação e arbitragem.
A negociação é uma técnica utilizada para a resolução de conflitos em que as próprias partes interessadas dialogam para alcançar um acordo, sem a necessidade de um terceiro como facilitador, mas podendo se fazer representadas, por exemplo, por seus advogados.
A mediação consiste em um processo no qual um terceiro imparcial, o mediador, auxilia as partes a elas mesmas chegarem a uma solução consensual para o conflito.
A conciliação, por sua vez, é um processo semelhante ao da mediação, porém a diferença é que um terceiro imparcial, o conciliador, tem uma participação mais ativa, podendo ele propor soluções, alternativas, para que as partes analisem individualmente se é vantajoso para si, de acordo com seus interesses, e para a resolução do conflito.
Já a arbitragem é um processo em que as próprias partes escolhem um terceiro imparcial, o árbitro, ou um tribunal arbitral, de acordo com sua experiência profissional e capacidade técnica, para decidir o conflito de forma definitiva e vinculante com base na legislação aplicável ao caso.
Em geral, os Mascs apresentam diversas vantagens em relação ao processo judicial, tais como a celeridade, a eficácia, a economia de tempo, de gastos e a possibilidade de as partes escolherem um profissional especializado no assunto. Além disso, todas elas permitem uma solução mais flexível e criativa para o conflito, uma vez que as partes têm mais liberdade para negociar e propor soluções que atendam aos seus interesses, destacando a prática colaborativa de todos, a redução dos custos, a preservação do relacionamento entre si, e em matéria ambiental, possibilita alcançar soluções mais sustentáveis para a redução e prevenção de danos ao meio ambiente.
Além disso, é importante lembrar que o Direito Ambiental demanda cooperação, interdisciplinaridade, ampla participação dos envolvidos e acesso à informação, o que pode ser efetivamente garantido pelos Mascs, pois eles favorecem o restabelecimento do diálogo entre os participantes, promovem a troca de informações para o alcance de soluções criativas voltadas à preservação, à proteção do equilíbrio do meio ambiente e ao desenvolvimento econômico e social, garantindo a sadia qualidade de vida pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, econômico e socialmente sustentável, que fica, assim, preservado para as presentes e futuras gerações.
De outro lado, não podemos deixar de lado que o uso dos Mascs em matéria ambiental obrigatoriamente deve enfrentar a discussão acerca da natureza jurídica dos interesses tutelados, que podem ser difusos, coletivos e individuais homogêneos, envolvendo direitos disponíveis ou não, o que implica refletir sobre a possibilidade de as partes envolvidas poderem transigir sobre os mesmos.
Para tanto, considerando que a legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais completas e avançadas do mundo, devemos utilizá-la em conjunto com as demais leis de nosso sistema jurídico, de forma teleológica, objetivando a melhor solução para aquele conflito ambiental.
Neste contexto, dependendo dos interesses discutidos, deve ser observado o que prevê nossa legislação acerca da legitimidade e interesse jurídico para ser “parte” neste processo, inclusive para preservação de eventuais direitos indisponíveis, concluindo, assim, não haver dúvida acerca da possibilidade de ser recorrer a tais métodos alternativos de soluções de conflitos em matéria ambiental relacionada a questões patrimoniais e disponíveis dos seus interessados.
Por exemplo, em se tratando de direitos difusos relacionados com algum conflito envolvendo uso da água, abastecimento, o Ministério Público tem quer ser parte necessariamente desta solução. Já na hipótese de direitos coletivos, em que uma associação de bairro pleiteia a conservação de um parque em razão de obras de construção civil em determinada localidade, os representantes legais desta associação precisam ser chamados para ser parte de uma mediação. Já no caso de direitos individuais homogêneos, podemos pensar na fase de liquidação de uma sentença judicial de uma indenização decorrente de um acidente ambiental que gerou danos à saúde de várias pessoas, resolvida mediante uma mediação ou conciliação entre as partes interessadas.
Há registros de diversos cases ambientais internacionais resolvidos, outros evitados, mediante o uso da arbitragem, da mediação e da negociação, como o da Mineradora BHP em Tintaya, no Peru, onde a mediação auxiliou a empresa no diálogo com os povos indígenas locais quanto à sua realocação da terra de seus ancestrais para dar lugar à mineração, além de minorar os impactos ambientais locais; aqui no Brasil, o projeto Minas-Rio, da mineradora inglesa Anglo American, que visa a exploração do minério de ferro, contou com técnicas de negociação para auxiliar na aquisição das terras necessárias para a passagem do gasoduto; nos Estados Unidos da América, o uso do rio Hudson para produção de energia; a disputa sobre a extensão da Interestadual 90 através do Lago Washington e em Seattle, e por onde ela seria construída; a disputa entre um desenvolvedor hidrelétrico de pequena escala, que queria extrair a água do lago em Swanville, Me. e a cidade de Swanville, que queria usar a água para outros fins; a cidade de Eau Claire, Wisconsin, estava envolvida em uma disputa com a cidade de Seymour, que Eau Claire havia escolhido como lixão; moradores de Port Townsend, Washington, solucionaram mediante um acordo sobre o novo local para a instalação de um terminal de balsas [1].
Considerando a finalidade e os princípios que regem a tutela do direito ambiental, podemos pensar que não somente direitos patrimoniais relacionados ao aspecto indenizatório decorrente de um problema ambiental podem ser resolvidos pelos Mascs.
Se imaginarmos uma situação anterior ao conflito ambiental, em que as partes interessadas possam ser previamente consultadas, audiências públicas realizadas, conversas entre os envolvidos, cada qual expondo seus interesses e preocupações acerca das vantagens e desvantagens das pretendidas intervenções que possam vir a gerar um impacto ou dano ambiental, seria possível e viável esta fase ser conduzida previamente por uma destas ferramentas de solução de conflitos, pois o resultado esperado de “ganha-ganha” atingiria seu potencial pleno, em que todos sairiam vitoriosos; mas o mais importante é que estaríamos, conscientemente, diminuindo o impacto ao ambiente de uma forma programada, sustentável e preservada para as futuras gerações.
Precisamos conferir aos Mascs a relevância necessária para que as soluções alcançadas por meio deles sejam definitivas, ou seja, sejam respeitadas por todos, principalmente pelos órgãos e instituições públicas, além do Poder Judiciário, pois somente assim a credibilidade que deles se espera será efetiva, além de ampliar sua utilização em larga escala nos mais diversos segmentos, o que certamente contribuirá para o desentrave da burocratização, fomentando mais investimentos e desenvolvimento econômico para nossa sociedade.
Diante do exposto, é possível concluir que os métodos alternativos de solução de conflitos em matéria ambiental apresentam vantagens em relação ao processo judicial, especialmente em termos de rapidez e efetividade na preservação do meio ambiente. A utilização desses métodos pode contribuir para o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, ao permitir que as partes cheguem a uma solução consensual, criativa e mais sustentável e protetiva para o conflito ambiental, trazendo, inclusive, para o processo todos os participantes e interessados, tais como, acionistas, stakeholders, comunidade local etc., o que faz com que o compromisso assumido vincule todos aos interesses ali discutidos. Além disso, trata-se de um ramo ainda inexplorado em nosso sistema jurídico, que, certamente, avançará cada vez mais, razão pela qual precisamos nos adequar a ele e preparar o “ambiente jurídico” e os novos profissionais para desenvolver as habilidades e as competências necessárias para utilizá-los.
[1] Settling Things — Six Case Studies in Environmental Mediation, matéria retirada do site do U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, https://www.ojp.gov/ncjrs/virtual-library/abstracts/settling-things-six-case-studies-environmental-mediation.
Por Juána Juliana Diniz Kashtan, advogada, mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direitos Difusos e Coletivos, pela PUC-SP, e especialista em Direito Constitucional Ambiental pela ESDC, além de mediadora e conciliadora pela ESA/OAB-SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2023, 7h07
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Extensão de competência: arbitragem e produção autônoma de provas

O direito autônomo à prova no CPC/2015
Antes da entrada em vigor do CPC/2015, a prova era uma importante etapa no exercício da função jurisdicional, como meio e não um fim em si mesma. Ou seja, a antecipação da prova no direito brasileiro era mero instrumento acautelatório, com o propósito de se resguardar e conservar a plena eficácia da prova a ser utilizada no processo principal.
Uma das grandes inovações do CPC/2015 diz respeito à “(…) admissão expressa do legislador de que a prova não se destina exclusivamente ao juiz, mas presta-se, igualmente, à formação do convencimento das partes quanto às chances de sucesso ou insucesso em uma eventual demanda, ou mesmo para viabilizar a solução extrajudicial dos conflitos” [1].
Ou seja, com o novo CPC, a prova deixou de ser uma simples etapa no exercício da função jurisdicional, para ser alçada à categoria de um direito autônomo, quando o conflito a ser solucionado se estabelece em torno da própria prova.
Neste sentido, o CPC/2015, no artigo 381, previu a produção antecipada de prova em duas novas hipóteses. No inciso II, a prova a ser produzida é suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. Já no inciso III, nas situações em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Em ambas estas hipóteses, o legislador dispensou o requisito de urgência, indispensável no regime do antigo Código de Processo Civil de 1973, para viabilizar a produção antecipada de prova, pois reconheceu que em algumas situações sua finalidade será meramente aclaratória.
E será nestas duas novas situações que o artigo irá focar, para trazer algumas considerações sobre a possibilidade de ajuizar ação probatória como exercício do direito autônomo à prova perante o Juízo estatal, em contrato que possui cláusula arbitral.
Arbitragem e produção autônoma de provas
Via de regra, a opção das partes pela solução de seus conflitos perante o Tribunal Arbitral afasta a competência do Poder Judiciário para sobre eles se pronunciar.
Entretanto, nos termos dos artigos 19 e 22-A da Lei 9.307/1996 – Lei de Arbitragem, nos casos de medidas urgentes, a escolha da arbitragem não é incompatível com a possibilidade das partes se socorrerem ao Poder Judiciário.
Desta forma, quando se está diante da produção antecipada de prova enquanto tutela de urgência, não há dúvidas da possibilidade do ajuizamento do pedido perante o judiciário, quando o tribunal arbitral ainda não estiver instaurado.
Ocorre que, como visto, não é sempre que a produção antecipada de provas se reveste do caráter de urgência. Nestes casos, estariam as partes autorizadas a pleitear a medida perante o Poder Judiciário?
Nos termos da Lei de Arbitragem e conforme o entendimento da maioria da doutrina, a regra é que as medidas probatórias não revestidas do caráter de urgência estão abrangidas pela convenção de arbitragem. Em outras palavras, se não há risco de que a obtenção da prova fique comprometida posteriormente, é necessário que primeiro seja instalado o Tribunal Arbitral para só então, se pleitear as medidas probatórias aos próprios árbitros.
Não obstante, uma vez que o CPC/2015 reconheceu que a função primordial do processo é solucionar conflitos e promover a pacificação social, alguns doutrinadores vêm entendendo que em determinadas situações excepcionais e enquanto não instalado o Tribunal Arbitral, é possível requerer a produção da prova em caráter antecipatório perante o Poder Judiciário, mesmo sem o requisito de urgência.
Eduardo Talamini[2] identifica três hipóteses em que se deve admitir a extensão da competência do Poder Judiciário às providências probatórias sem o caráter de urgência, enquanto não instalado o Tribunal Arbitral.
A primeira é verificada quando a produção probatória é que irá definir os contornos da pretensão da parte, permitindo até mesmo verificar se ela está abrangida pela convenção arbitral.
Também, nos casos em que já se sabe de antemão que haverá recusa da outra parte ao acesso à prova, sendo necessárias medidas coercitivas preliminares, cuja competência é exclusiva do juiz.
Como terceira hipótese, quando a produção da prova é de baixa complexidade e de curta duração, por exemplo, apresentação de documentos, de modo que exigir a instalação do Tribunal Arbitral, com todos os custos a ele inerentes se demonstra desarrazoado.
Apesar de ainda incipiente, a jurisprudência vem, em casos isolados e muito específicos, permitindo a produção antecipada de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo que as partes tenham optado pela solução dos conflitos perante a arbitragem.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do recurso de apelação nº 1093560-14.2016.8.26.0100, entendeu possível a produção antecipada de prova sem o requisito de urgência, como medida preparatória do procedimento arbitral perante o Poder Judiciário, por entender que a medida tinha por finalidade estabelecer um ambiente adequado para a instauração do juízo arbitral.
E apesar de aproximar a produção probatória autônoma das medidas cautelares, o fundamento relevante da decisão do Tribunal foi justamente permitir a delimitação pela parte dos contornos da pretensão e, com base na conclusão, decidir pelo início do procedimento arbitral.
Conclusão
O direito autônomo à prova é uma realidade no direito brasileiro moderno e é um importante elemento de pacificação social e de racionalização da prestação jurisdicional. A possibilidade da utilização da produção autônoma de provas enquanto fim, está adequada à otimização e eficiência processual.
Fundamentada nestas premissas, verifica-se hoje uma tendência, na doutrina e na jurisprudência, de se permitir a extensão da competência pré-arbitral às providências probatórias não urgentes, em situações excepcionais, quando a finalidade da prova seja delimitar os contornos da pretensão e verificar sua subsunção à arbitragem; quando houver dificuldade ou recusa concreta de acesso à prova; e quando a prova a ser produzida for de baixa complexidade e pequena duração.
Os defensores desta flexibilização da competência arbitral firmam seu entendimento no fato de que o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou inocorrência do fato e nem sobre suas consequências jurídicas, de modo que a competência do Juízo Arbitral estará preservada.
Por outro lado, aqueles que defendem a impossibilidade de produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, quando as partes optaram por submeter seus conflitos à arbitragem, sustentam seu entendimento no fato de que a Lei 9.307/96 prevê de forma restrita e taxativa as hipóteses de cooperação entre juízes e árbitros e a produção antecipada de provas perante o Poder Judiciário sem o perigo de dano não é uma delas.
No nosso entendimento, a evolução do direito à prova e do processo enquanto mecanismo de pacificação social, acabarão por consolidar a posição minoritária de se permitir a produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo existindo no contrato cláusula arbitral ou compromissória, em situações excepcionais como as já enumeradas.
Apesar disto, uma vez que inexistem critérios objetivos para definir as hipóteses em que a produção autônoma de prova perante o Poder Judiciário seria cabível, será necessário cautela dos Juízes e Tribunais na análise destas situações, sob pena de fazer da regra geral da Lei 9.307/96, letra morta.
Qualquer que seja a hipótese, contudo, uma vez instalado o tribunal arbitral, a competência para decidir sobre as provas é exclusiva dele.
Bibliografia
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Por Flávia de Faria Horta Pluchino, advogada, sócia do escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados e especialista em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-SP).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2023, 19h22
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A extensão da cláusula compromissória arbitral para não signatários do contrato

RESUMO
Este trabalho procura identificar os principais aspectos do fenômeno da extensão de efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros a partir da análise bibliográfica doutrinária e do estudo de casos jurisprudenciais. Inicialmente, reflete-se acerca do instituto arbitral em si e da presença obrigatória da cláusula compromissória como expressão da autonomia da vontade das partes. Em seguida, procura-se compreender os requisitos para uma possível extensão da cláusula arbitral para terceiros não signatários, com objetivo de avaliar o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto.
Palavras-chave: Arbitragem, Cláusula compromissória, Autonomia da vontade.
1. INTRODUÇÃO
A jurisdição arbitral é um método de solução de conflitos distintivamente privado, pautado na autonomia da vontade das partes, porém, tão vinculante quanto a via judicial, e que traz uma resolução de litígio célere e com grande eficiência técnica. Tem sua autoridade e legitimidade derivada de cláusula contratual expressa, de forma que essa expressão da vontade das partes em aderir à cláusula arbitral, por consequência, afasta a jurisdição estatal.
Por esse motivo, as controvérsias que envolvem terceiros tornaram-se polêmicas. São essas controvérsias o foco deste trabalho. Para cumprir a finalidade proposta, foi utilizado o método de pesquisa exploratória qualitativa, por meio de análise bibliográfica da doutrina principal sobre o tema, bem como a análise jurisprudencial, de onde foram extraídos, por dedução, os principais fundamentos utilizados pelos juristas para a extensão (ou não) dos efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros.
O trabalho foi estruturado da seguinte forma: no primeiro momento, serão analisados os pontos principais da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos, suas características basilares, bem como o princípio da autonomia da vontade das partes. Em seguida, será abordada a cláusula compromissória – o requisito formal trazido na legislação como expressão da vontade das partes.
Por fim, reflete-se, mediante estudo da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, sobre a possibilidade de realização de arbitragem entre partes não contratantes, com o objetivo de perceber se a propositura e a assinatura formal de cláusula compromissória arbitral são necessárias para a submissão de terceiros alheios ao contrato à via arbitral.
2. A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL
Conforme Didier Junior (2015, p. 165), “autocomposição” é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio.
O CPC/15 valorizou os institutos autocompositivos, trazendo, em diversos momentos, a necessidade de promover as soluções alternativas de conflitos, a exemplo do art. 359, o qual dispõe que, uma vez iniciada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem (BRASIL, 2015).
Nesse sentido opinou o Ministro Lewandowski, ao defender que a solução para desafogar o Judiciário é a fuga da cultura da litigiosidade em direção a uma cultura mais alternativa e pacifista, e que esse objetivo pode ser alcançado com os meios alternativos de solução de controvérsias (informação verbal)[2].
Diferentemente da mediação e da conciliação, formas autocompositivas de solução de conflitos, a arbitragem é heterocompositiva, mas também é alternativa ao judiciário, garantindo às partes um grau muito maior de autonomia.
Ressalta-se que a arbitragem ganhou novos traços com o advento da Lei nº 9.307/96, visto que, anteriormente, era apenas regulamentada pelo CPC. Com isso, veio o êxito da arbitragem como solução pacífica dos conflitos (DELGADO, 2003). Nessa seara, nota-se que a dinâmica do instituto arbitral é altamente diferenciada, principalmente se comparada ao processo civil jurisdicional. Ressalta Santos (1999, p. 20):
É de avivar-se que a arbitragem é processo bem menos formal do que o judicial (tenho afirmado que não se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil à arbitragem), razão pela qual, com mais liberdade, os árbitros, com a colaboração das partes, impulsionam o processo, até porque a arbitragem sempre tem prazo para findar, convencional ou legal […]. É preciso, entretanto, realçar que no procedimento, qualquer que seja, não podem ser maculados os princípios fundamentais do processo, […] a saber, o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e o seu livre convencimento […].
As diferenças são muitas, mas ambas as vias apresentam estruturas semelhantes, quando considerados os conjuntos, ainda mais tendo em vista que ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos. O paralelismo encontra-se no respeito aos princípios garantidores do devido processo legal, guardadas as peculiaridades de cada instituto. (ARMELIN, 2007).
Carmona (2009, p. 51) define a arbitragem como:
Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Assim, entende-se que a principal característica que diferencia a arbitragem de outros meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, é o fato de que a sentença proferida por terceiro imparcial escolhido pelas partes é tão vinculante quanto a sentença proferida pelo Poder Judiciário.
No que tange às características típicas da arbitragem, vale pontuar que o procedimento arbitral é muito mais célere, principalmente porque é realizado em instância única, o que concede à arbitragem uma nítida vantagem em relação ao Judiciário.
Outra característica arbitral é a especialidade – ou expertise – dos árbitros que julgarão a demanda. A arbitragem é famosa pela tecnicidade dos seus julgadores, tendo em vista que qualquer pessoa pode ser designada, não apenas operadores do direito, o que permite a escolha de peritos no assunto do litígio. Ainda, outra característica é a confidencialidade dos procedimentos. A regra é o sigilo, ao contrário do que acontece no Judiciário.
Passa-se, então, à análise do princípio da autonomia da vontade das partes – não só relevante para o instituto da arbitragem como um todo, podendo ser considerado seu princípio regulador, mas também ponto fulcral para a análise da extensão dos efeitos da cláusula compromissória.
No sistema jurídico brasileiro, a convenção pela arbitragem possui fundamento contratual, conforme prevê o artigo 3º da Lei 9.367/96, que reforça enormemente a autonomia da vontade. Cahali (2015, p. 136- 137) ensina que:
É prestigiada a vontade das partes na arbitragem em seu grau máximo: começa com a liberdade para a indicação da arbitragem como forma de solução do litígio; e, prossegue, com a faculdade de indicarem todas as questões que gravitam em torno desta opção. Assim, estabelecem quem e quantos será(ão) o(s) árbitro(s), (…) e como será desenvolvido o procedimento arbitral.
Há, ainda, o princípio do pacta sunt servanda: o que foi pactuado entre as partes é vinculante para estas. Brekoulakis (2009) afirma que a disputa arbitral, quando baseada em duas pessoas jurídicas, limita-se pelo compromisso arbitral, e, dessa forma, terá de ser resolvida entre essas duas pessoas, de forma que outras partes que não consentiram previamente não podem ser incluídas na demanda.
A Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, XXXV, que nenhum conflito seja privado de apreciação pelo Poder Judiciário. Em contraponto, ao firmarem a convenção arbitral, as partes renunciam à jurisdição pública, de forma que a arbitragem representa uma forma de renúncia à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. Em razão disso, na teoria, somente aqueles que claramente consentiram com a cláusula compromissória poderiam participar do procedimento arbitral.
Conforme previsto no art. 4º, caput e § 1º, da Lei 9.307/96, a mesma deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserida em um contrato que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis ou firmada em instrumento apartado, referindo-se ao contrato principal (BRASIL, 1996).
O Supremo Tribunal Federal, na voz do Ministro Néri da Silveira, quando do julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5206-7/EP, que travava sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, manifestou-se no sentido de que não seria possível a instauração do juízo arbitral sem o consentimento das partes em sujeitar a demanda a ele, tendo em vista que o instituto é baseado, fundamentalmente, na vontade das partes.[3]
A arbitragem é uma faculdade, porém, se as partes firmam a convenção arbitral, por meio da cláusula compromissória, se obrigam a ela e afastam a jurisdição estatal. Conforme Gagliardi (2016, p. 222): “se assim é, vinculam-se na exata medida do consentimento expressado. Sem muito esforço, pode-se vislumbrar que a tutela da confiança influencia a análise da extensão e do alcance subjetivo da cláusula compromissória.”
O Superior Tribunal de Justiça ressaltou a importância da manifestação inequívoca da vontade das partes para a possibilidade de submissão à jurisdição arbitral, em sede de julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 885 – US (2005/0034898-7). Quando dessa oportunidade, o Ministro Relator Maurício Corrêa defendeu que:
Tal possibilidade [de submeter litígios à arbitragem], aplicável aos conflitos envolvendo interesses disponíveis, traduz-se, na realidade, em exclusão da jurisdição estatal. Deve, por isso mesmo, diante de sua excepcionalidade e importância, revestir-se de expressa e manifesta vontade dos contratantes, na forma do que estabelecem os arts. 4.º, 5.º e 6.º, da Lei 9.307/1996.[4]
No entendimento supracitado, o Ministro esclarece ainda que “não se admite, em consequência, até pela sua excepcionalidade, convenção de arbitragem tácita, implícita e remissiva, como se pretende” (BRASIL, 2002, p. 332). Nesse sentido, impossível seria submeter parte à jurisdição arbitral, eminentemente privada e pautada no consensualismo, quando da ausência de sua assinatura no contrato ou convenção que possui o compromisso arbitral.
Não obstante, com base na intrínseca relação entre a arbitragem e o princípio da autonomia da vontade, é necessário afastar-se das teorias de interpretação restritivas do compromisso arbitral, já que, nos casos práticos, oriundos de relações atuais bem mais complexas, é possível notar que a manifestação de vontade pode ser expressa por uma forma inequívoca que não a assinatura em um contrato. Fouchard pontua:
O acordo de vontades permanece, a princípio, essencial. Por este acordo, as partes conferem aos árbitros o poder de julgar sua disputa; existe, portanto, no centro da arbitragem, uma autorização que é subjetiva ou pessoal (nomeação de um árbitro como juiz) e objetiva ou real (…). Esta autorização é de origem contratual; é a vontade das partes que é a fonte da competência do árbitro; ela cria e fixa os limites. (FOUCHARD, 1965, p.10, tradução nossa).
A corte especial do STJ, no julgamento de Sentença Estrangeira Contestada nº 967, afirmou que a ausência de inequívoca demonstração da manifestação da vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta o princípio insculpido no ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes submeterem a solução dos conflitos à arbitragem.[5]
Train (2003, p. 487) ressalta que existe um conflito entre a autonomia da vontade e a eficiência das decisões arbitrais que, em determinados casos, exigem a presença, no processo arbitral, de um terceiro não signatário da cláusula compromissória. Reconhece que os tribunais arbitrais têm mudado a postura formalista, admitindo a equiparação do terceiro às partes, de forma que “em determinadas situações, é preciso que os árbitros incluam o terceiro, seja para evitar a fraude ou para permitir que a sentença, por eles prolatada, seja eficaz em relação a quem efetivamente participou do negócio.”
3. A EXTENSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA A TERCEIROS
O fenômeno no qual uma parte não signatária de cláusula compromissória pode ser intimada a participar de procedimento arbitral ficou conhecido, na doutrina, por “extensão da cláusula compromissória à parte não signatária”. Melo (2013, p. 59) exemplifica o contexto:
A sociedade A celebra com a sociedade B contrato de prestação de serviços. A sociedade C, integrante do mesmo grupo empresarial de que faz parte B, responsabiliza-se por executar algumas das obrigações assumidas por B no contrato. A sociedade A, alegando inadimplemento parcial do contrato, inicia arbitragem contra B (signatária) e C (não signatária). Nesta hipótese, a parte requerida C não assinou a convenção arbitral em que se funda a arbitragem e poderá, portanto, questionar a competência do tribunal arbitral para apreciar o pedido contra ela formulado por A.
De acordo com a doutrina contemporânea, existem duas principais teorias invocadas na prática arbitral: a teoria dos grupos de sociedades e a teoria dos grupos de contratos.
Inicialmente, os grupos de sociedades são considerados um fenômeno oriundo da segunda metade do século XX, com o fortalecimento do capitalismo e da globalização. Diante disso, compreende-se que os grupos de sociedades têm como objetivo concentrar suas atividades para obter mais eficiência e, também, reunir seus recursos para otimizar o desempenho empresarial e a persecução de lucros. Gonçalves (2006, p. 494) ensina o conceito de grupos econômicos:
O grupo econômico é definido como o conjunto de empresas que, ainda quando juridicamente independentes entre si, estão interligadas, seja por relações contratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principalmente, do capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercem o controle efetivo sobre este conjunto de empresas.
Ficam evidenciadas duas principais características: a unidade econômica e de direção das atividades e a independência jurídica das sociedades que integram o grupo econômico. É possível verificar, nessa ótica, no âmbito da concentração do poder empresarial, exceções à noção formalista da cláusula arbitral, quando existem indícios da participação de uma sociedade não-signatária no negócio jurídico. Essa participação, por si só, não é suficiente para uma extensão automática da cláusula, sendo necessária a análise, pelo Tribunal Arbitral, do comportamento das partes.
A título de exemplo, Leonardo Melo traz o entendimento corroborado pelo próprio STJ, por ação da 3ª Turma, que, no julgamento do REsp 434.856/RO, decidiu pela responsabilidade civil de um banco por obrigações assumidas por outra empresa do mesmo grupo econômico, por negócio que não fez parte diretamente, tendo em vista ser líder do grupo econômico e o negócio jurídico ter sido concretizado em razão do prestígio do grupo, de suas instalações físicas e dos próprios empregados. (MELO, 2013).
Todavia, é importante ressaltar que “a mesma tutela da confiança que justifica a expansão do alcance subjetivo da cláusula compromissória também atua como limite à sua incidência.” (GAGLIARDI, 2016, p. 227).
Não muito distante deste raciocínio encontra-se a segunda teoria, que versa sobre os grupos de contratos. O conceito do instituto de coligação contratual não está previsto expressamente no ordenamento jurídico pátrio, de forma que se utiliza a caracterização formulada pela doutrina e jurisprudência nacional.
Consideram-se um grupo de contratos (contratos conexos) aqueles que, embora estruturalmente diferentes entre si, guardam um nexo funcional e econômico. Gagliardi (2016, p. 223) explica que:
Contratos coligados são, muitas vezes, pensados para existir em conjunto, enquanto peças de um sistema dotado de uma causa supracontratual ou sistêmica, que se sobrepõe à causa de cada um dos contratos, não raro envolvendo até mesmo partes distintas. As prestações oriundas de negócios distintos integrantes de uma mesma coligação, voltada para um mesmo fim, em geral, configuram uma unidade econômica.
Um dos efeitos dos contratos coligados tange a oponibilidade. É nesse efeito que reside a possibilidade da extensão da cláusula compromissória, tendo em vista que a coligação impacta diretamente na competência para julgar os conflitos que se surgem (SILVA, 2010). A problemática encontra-se na diferença, no caso concreto, entre um negócio único com pluralidade de declarações e negócios múltiplos, ligados complexamente por nexos que não excluem sua individualidade.
Silva (2010, p. 63) pontua que um dos conceitos mais importantes nessa análise é o nexo finalístico, sendo esse um requisito imprescindível para a caracterização de contratos coligados: é o “fim contratual, o resultado ou efeito prático almejado, em conformidade com os interesses concretos das partes”.
Exemplo trazido por Souza (2017, p. 5) é o julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência 69.689/RJ, no qual o STJ entendeu que “o contrato de cessão de uso de imagem era coligado ao contrato de trabalho, sendo este o contrato principal, razão pela qual concluiu pela competência da Justiça Trabalhista para o julgamento dos litígios oriundos de ambos os contratos.”
Nota-se, portanto, que diante do estudo das duas teorias, o principal fundamento para a possibilidade de extensão da cláusula arbitral é a real vontade das partes. No âmbito do julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 856-EX (2005/0031430-2), de 18 de junho de 2005, o STJ analisou a vontade das partes: a cláusula arbitral não havia sido assinada pelas partes, não possuindo, portanto, validade e eficácia jurídica, retirando a competência do juízo arbitral. Apesar disso, o Tribunal entendeu pelo reconhecimento de uma “cláusula compromissória tácita”.
Na análise concreta do caso, o STJ entendeu que a parte requerida havia tido participação efetiva no processo, com apresentação de defesa e falta de impugnação ao Tribunal Arbitral. Por esse motivo, o Ministro Relator Carlos Alberto Direito concluiu que “houve inequívoca aceitação da convenção arbitral”[6]. Além disso, outro fator que influenciou o reconhecimento de consentimento com a arbitragem foi o fato de que a requerida havia procedido ao cumprimento parcial do contrato.
Wald e Galindez (2005, p. 244), em comentário sobre o julgado, afirmam que o STJ teria aplicado à risca, a esta análise, o princípio da boa-fé, de modo que o comportamento das partes influenciou de forma decisiva para a compreensão da sua vontade e da manifestação tácita de adesão ao compromisso arbitral.
Percebe-se, portanto, que do mesmo modo que fora admitido pelo STJ a existência de cláusula compromissória tácita, com suporte na premissa da real vontade das partes, é totalmente viável a extensão da cláusula compromissória a contratos dela desprovidos, desde que as provas analisadas no caso concreto demonstrem a presença dessa vontade.
Salienta-se que, em casos julgados após o supracitado, o STJ retornou a interpretar de forma restritiva, no sentido de declarar que a cláusula compromissória deve ser formalmente assinada para que seja competente o juízo arbitral. (GOMES, 2018). Apesar de um retrocesso temporário, o STJ tornou a reverter o posicionamento em cenário mais recente.
Trata-se do julgamento do REsp n. 1.639.035/SP, no qual o STJ decidiu pela extensão da cláusula compromissória existente apenas no contrato principal (contrato de abertura de crédito) aos contratos coligados a ele (contratos de swap). O Min.Rel. Sanseverino enfatizou que:
Extraindo-se que num sistema de coligação contratual o contrato reputado como sendo o principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos que a ele se ajustam, não se mostra razoável que uma cláusula compromissória inserta naquele não tivesse seus efeitos estendidos aos demais.[7]
Por sua vez, o Min. Salomão, voto-vencido, defendeu que a ausência de cláusula compromissória expressa nos contratos de swap impede que os litígios decorrentes de tais pactos sejam dirimidos pela via arbitral, sob pena de violar o princípio da autonomia da vontade das partes que, segundo o Ministro, “constitui a própria ratio essendi desse método alternativo de heterocomposição de litígio.”[8]
Sobre o tema, Konder (2019) ensina que deve-se ter cautela para não ocorrerem generalizações simplistas no modelo “principal-acessório”, sendo preciso investigar se o silêncio no instrumento acessório, de alguma forma, significa uma escolha pelo Judiciário ou apenas uma dispensa de nova manifestação pela arbitragem, já feita pela cláusula arbitral no contrato principal.
Em vista de todo exposto, tem-se que o entendimento do STJ caminha no sentido da possibilidade de manifestações tácitas de consentimento. Gomes (2018, p. 67) ressalta que “assim como a inferência de consentimento pelo silêncio, a inferência do consentimento mediante o consentimento tácito do não signatário não é ampla e irrestrita, mas antes decorre das particularidades de cada caso.”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identifica-se que é cristalina a possibilidade de extensão de cláusula arbitral a partes não signatárias do contrato, mediante análise dos requisitos casuísticos, ou seja, das peculiaridades de cada caso concreto. Seja na teoria dos grupos econômicos ou dos grupos de contratos, o que se verifica é a necessidade de expressão inequívoca da vontade das partes em se submeter à jurisdição arbitral.
Justamente por essa razão, qualquer decisão do tema perpassa uma análise minuciosamente circunstancial, para, então, aferir a real vontade das partes na situação fática analisada, com base, também, na boa-fé objetiva e em seus deveres anexos.
Nesse sentido, é corolário-lógico da análise dos fundamentos trazidos pela doutrina e pela jurisprudência nacional que o formalismo da regra que exige a forma escrita para o estabelecimento de cláusula compromissória vem sendo relativizado. Isso posto, “repita-se que estender os efeitos da cláusula arbitral é a exceção, e não a regra”. (SILVA, 2010, p.77).
Opina-se que a busca pela manifestação da vontade expressada tacitamente realmente é essencial para compreender se o terceiro não signatário envolvido no litígio consentiu com a jurisdição arbitral, com base na sua análise comportamental. Concluindo-se, então, que caso consentimento seja demonstrado, e que o não signatário tenha agido como verdadeira parte contratual, a submissão à via arbitral encontra-se autorizada.
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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ
2. Fala do Ministro Ricardo Lewandowski, em discurso na reunião-almoço mensal do Instituto de Advogados de São Paulo, em 28 nov. 2014.
3. Citação extraída do voto-vista do Ministro Néri da Silveira, fls. 1.189 dos autos do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206-7 – EP.
4. Citação extraída do voto do Min. Relator Maurício Corrêa, fls. 326, dos autos da Sentença Estrangeira Contestada 6753-UK.
5. “PROCESSUAL CIVIL. SEC – SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE REQUERIDA. OFENSA A PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. […]. 2. Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral. 3. A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem […].” (SEC 967-EX, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 15.02.2006).
6. Citação extraída do voto do Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, fls. 16, nos autos da Sentença Estrangeira Contestada 856-EX.
7. Citação extraída do voto do Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, fls. 83, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
8. Citação extraída do voto do Min. Luis Felipe Salomão, voto-vencido, fls. 105, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
Por Mariana Vazquez Cabral da Silveira, Pós-graduada em Direito Contratual pela Faculdade Legale, Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). ORCID: 0000-0002-2752-9292.
Fonte: Núcleo do Conhecimento – 21/03/2023.
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Falência da parte não justifica afastamento da convenção de arbitragem pelo juízo estatal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a convenção de arbitragem não pode ser afastada pelo juízo estatal sob o argumento de hipossuficiência financeira da parte contratante que teve a falência decretada.
“Diante da falência de uma das contratantes, que firmou cláusula compromissória, o princípio kompetenz-kompetenz deve ser respeitado, impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.
A decisão teve origem em ação ordinária com pedido de indenização ajuizada por um grupo de empresas do ramo da construção civil contra seus investidores, em razão de suposto descumprimento na entrega dos aportes financeiros e na execução das garantias.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito, diante da existência de cláusula arbitral. Em apelação, a decisão foi reformada, e afastada a convenção arbitral, em virtude da situação de hipossuficiência financeira de uma das autoras, cuja falência foi decretada.
O tribunal considerou que a massa falida havia pedido a gratuidade de Justiça, o que demonstraria sua total impossibilidade de suportar as despesas da arbitragem.
Celebração de cláusula compromissória tem força vinculante
Em seu voto, Nancy Andrighi lembrou que a celebração da cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos, a competência atribuída ao árbitro.
“A celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio kompetenz-kompetenz)”, afirmou.
A magistrada destacou que, ao contrário do entendimento do tribunal de origem, o estado de falência posterior ao processo arbitral não impede o regular prosseguimento da arbitragem já instaurada, e, ainda que houvesse dúvida nesse sentido, tal questão deveria ser dirimida pelo tribunal arbitral, não cabendo à parte acionar o juízo estatal, como forma de preservar o princípio pacta sunt servanda, a autonomia privada e a segurança jurídica.
“O juízo arbitral prevalece até mesmo para análise de medidas cautelares ou urgentes, sendo instado o Poder Judiciário a atuar apenas em situações excepcionais que possam representar o próprio esvaimento do direito ou mesmo prejuízo às partes”, acrescentou a ministra.
Tribunal arbitral deve decidir sobre a instauração da arbitragem
Quanto à hipótese dos autos, Nancy Andrighi registrou que – embora a jurisprudência e a doutrina admitam a submissão de questão urgente à análise do Judiciário até que se instaure o procedimento arbitral – a situação financeira da empresa deve ser apresentada ao tribunal arbitral, para que ele mesmo decida sobre a viabilidade ou não da instauração da arbitragem.
“Nota-se pelos pedidos da inicial que não se busca nenhum tipo de medida cautelar que possa excepcionar o juízo arbitral; ao contrário, pretende a parte discutir o próprio conteúdo do contrato que contém cláusula compromissória, almejando a substituição da jurisdição arbitral pela estatal”, disse a relatora.
Leia o acordão no REsp 1.959.435.
Fonte: STJ – 16/03/2023 07:00
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