Arbitragem
Inviabilidade de reunião de processos arbitrais com partes diferentes
Recente e importante julgamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Conflito de Competência nº 185.702-DF, enfrentou inúmeras questões de direito processual, ao reconhecer a prevalência da atuação da companhia, titular do direito material, sobre a dos acionistas minoritários, que se precipitaram ao ajuizarem, na condição de substitutos processuais, ação de reparação de danos causados ao patrimônio da empresa.
Estes, na verdade, ostentam legitimidade ativa extraordinária apenas na hipótese de inércia da companhia. Como bem pontuou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, “a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili), por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária para o ajuizamento de ação social (artigo 159 da Lei n. 6.404/76)”.
Com esse entendimento, restou reconhecida a incompetência de tribunal arbitral, formado no âmbito de uma arbitragem que tramitava na Câmara de Arbitragem do Mercado, instaurada a pedido de acionistas minoritários da JBS, visando a responsabilizar os controladores da empresa pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos celebrados com o Ministério Público Federal, em 2017.
Dentre os vários aspectos processuais que emergem desse julgado, deveras interessante e muito bem fundamentado, irei me ater, nesse artigo, apenas à questão, também examinada, atinente à inviabilidade da reunião de processos arbitrais quando as partes são diferentes.
Pois bem, como esclarece, em pioneira monografia, o saudoso professor Tomás Pará Filho, a reunião de ações por força de conexão delineia-se imperiosa: “tanto em virtude do interesse público, como em razão do das partes. O primeiro porque, se cindirmos o julgamento de causas conexas, pode ocorrer que a sua decisão venha a ser contraditória, com o que se afetariam os fins visados pelo Poder Judiciário. O segundo, porque as partes têm interesse na celeridade e na economia das demandas, o que se pode obter pela reunião de causas análogas, no mesmo processo” (Estudo sobre a conexão de causas no processo civil, São Paulo, tese, 1964, pág. 24 — destaque meu).
Dentre os inúmeros mecanismos que o sistema predispõe em prol da aceleração da marcha do processo, inclusive, por certo, do processo arbitral, vem contemplada a reunião de ações por força de conexão.
Assim dispõe o regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, a respeito da conexão de procedimentos arbitrais: “6.2 – Conexão. Quando for apresentado um Requerimento de Arbitragem que tenha objeto ou causa de pedir comum a um outro procedimento arbitral já em curso e regido por este Regulamento, o Presidente da Câmara de Arbitragem, após ouvir as partes, levando em conta as circunstâncias e o progresso já alcançado no procedimento em curso, poderá determinar a reunião dos procedimentos para julgamento conjunto“.
Não obstante, na situação concreta enfrentada no aludido conflito de competência, apesar da similitude entre os elementos subjetivo e objetivos de três processos arbitrais, a rigor, somente havia entre eles identidade de pedidos.
Importa considerar que uma das características essenciais do processo arbitral é a liberdade que as partes têm para eleger os seus respectivos árbitros.
Com efeito, enfrentando esta importante questão, Nuno Ferreira Lousa, em artigo com título deveras sugestivo: A escolha de árbitros: a mais importante decisão das partes numa arbitragem? (V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 16-17), não tem qualquer dúvida em asseverar que: “a decisão quanto à escolha de árbitro é potencialmente a decisão mais importante que uma parte poderá tomar ao longo de uma arbitragem… Um dos traços distintivos da arbitragem como forma de resolução de litígios reside na possibilidade de as partes poderem participar na seleção das pessoas que decidirão qual a solução a dar a uma disputa existente entre elas”.
Este pormenor que conota a arbitragem — a escolha pelas partes do “melhor árbitro possível” — propicia aos litigantes uma confiança a mais quanto ao modo pelo qual será tratado o seu problema. E, assim, é sabido que a arbitragem emerge, em seus principais quadrantes, da vontade exclusiva das partes que se dispõem a aceitar uma decisão proferida por um tribunal arbitral, participando, na escolha dos membros do painel, “sendo certo que não há parte que selecione um árbitro para que ele decida de maneira oposta à salvaguarda do seu interesse” (cf. Frederico Gonçalves Pereira, O Estatuto do árbitro: algumas notas, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., página 165).
Nesse mesmo sentido é a lição de Redfern e Hunter, ao afirmarem que a maior atração da arbitragem para as partes é a que permite submeter o litígio a julgadores de sua própria escolha, visto ser usual cada uma delas indicar um árbitro (Nigel Blackaby et alii, Redfern and Hunter on International Arbitration, 5ª ed., Oxford, University Press, 2009, itens 4.30 e 4.31).
Na dicção do artigo 13 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), árbitro é a pessoa física indicada pelas partes para conhecer e julgar um litígio que tenha por objeto direito disponível.
A prerrogativa de indicar árbitro único ou, no painel colegiado, cada qual o seu árbitro, deve ser preservada a ambas as partes. Não obstante, havendo pluralidade de partes no polo ativo e/ou no polo passivo do processo arbitral — denominada multiparty arbitration — pode ocorrer que os respectivos litisconsortes não cheguem a um acordo quanto à seleção do árbitro comum.
A constituição do tribunal arbitral, neste caso, é um dos pontos nevrálgicos para uma arbitragem bem-sucedida. Por inúmeras razões, seria de todo desaconselhável a arbitragem se iniciar com um painel composto, de um lado, pelo árbitro indicado por uma das partes, e, de outro, por um árbitro apontado pela câmara de arbitragem na qual tramita o processo. Na verdade, verificando-se essa hipótese, estaria vulnerada a isonomia a ser necessariamente assegurada a todos os litigantes.
Recordo, a propósito, os termos do artigo 18, sob a rubrica Equal treatment of parties, da Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional: “As partes devem ser tratadas com igualdade e a cada parte deve ser concedida integral oportunidade para ser ouvida“.
Examinando este tormentoso problema, Starvos Brekoulakis (Multiparty and Multicontract Arbitration, QFinance, www.qfinance.com/operators) escreve que nas arbitragens com múltiplos protagonistas, a cada litigante deve ser garantido o direito de influir na constituição do tribunal; caso contrário, a sentença estará exposta ao risco de anulação (“open to annulment“).
A secundar tal doutrina, a Corte de Apelação de Paris, em janeiro de 1992, teve oportunidade de enfrentar situação concreta consubstanciada no famoso precedente Dutco Construction Co. v. Siemens AG-BKMI, no qual a empresa demandante Dutco procedeu, normalmente, à indicação de seu árbitro, enquanto os litisconsortes passivos Siemens AG e BMKI, diante de interesses colidentes, não chegaram a um consenso na escolha do respectivo árbitro. Instados pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) a efetivar a indicação, consignaram expresso protesto e, afinal, acabaram elegendo um árbitro comum. Posteriormente, submetida a questão ao controle do Poder Judiciário francês, foi declarada a nulidade da sentença arbitral, com fundamento na premissa de que, havendo litisconsortes, cada co-litigante tem o direito de apontar o seu árbitro, sob pena de violação do princípio da igualdade processual.
Como consequência dessas vicissitudes que se transformaram em verdadeiro leading case, a Corte Internacional de Arbitragem (CCI), em 1998, alterou o seu Regulamento de Arbitragem, ao dispor, no artigo 12.8, que os diversos requerentes ou requeridos deverão designar conjuntamente um árbitro; se não lograrem êxito em tal indicação conjunta, todos os membros do tribunal serão nomeados pela corte, podendo esta escolher qualquer pessoa que repute competente para atuar como árbitro. Tal disposição veio parcialmente reproduzida no artigo 12.2 da reforma introduzida em 2012.
Atento a esse problema, Daniel Proença de Carvalho e Antônio Abreu Gonçalves, apontam como um dos principais obstáculos à reunião de processos arbitrais exatamente a imposição de árbitro não escolhido pelo menos por uma das partes. Apenas quando todos os atores dos processos arbitrais expressarem seu consentimento quanto aos integrantes do tribunal arbitral, é que será possível admitir a conexão dos respectivos procedimentos (A apensação de processos arbitrais, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., págs. 184/185).
Ora, isso significa que, na hipótese submetida ao Superior Tribunal de Justiça, caso fosse reunida aos processos arbitrais, já pendentes, a arbitragem instaurada, posteriormente, a requerimento da companhia, estar-se-ia tolhendo dela o direito de participar da composição do tribunal arbitral, indicando árbitro de sua confiança. Impossível, portanto, defender esta solução!
Diante desse cenário, ficou então assentado no acórdão que:
“No caso dos autos, a Assembleia Geral Extraordinária deliberou expressamente não ser o caso de ingressar nas arbitragens anteriormente instauradas a requerimento de acionistas minoritários, ora interessados.
Conforme demonstrado, a companhia foi inicialmente indicada como ré em tais procedimentos, o que se mostrou manifestamente inadequado, já que é a titular do direito lesado ali em discussão. A companhia foi integrada na aludida arbitragem na sui generis condição de interveniente. Ainda que tenha obtido conhecimento dos atos até então praticados, a companhia não exerceria os direitos próprios de parte, no que se insere, principalmente, a possibilidade de participar da escolha dos árbitros.
Tampouco a condição de assistente litisconsorcial, nos procedimentos arbitrais intentados pelos acionistas minoritários, ora interessados, rejeitada pela companhia (de acordo com a deliberação assemblear, ressalta-se), daria-lhe a possibilidade de participar da escolha da arbitragem, o que se mostra, como assentado, basilar e inerente a toda e qualquer arbitragem.
Por tudo que se expôs, tem-se que o Procedimento Arbitral CAM 186/21, além de atender a preceito basilar da arbitragem (autonomia da vontade e da confiança, em toda a sua extensão), foi manejado, tempestivamente e de acordo com a autorização assemblear, pela companhia titular do direito lesado em discussão, em legitimidade ordinária, devendo, pois, prevalecer sobre os Procedimentos Arbitrais CAM 93-110, intentados por parte ilegítima, nos termos da presente fundamentação, os quais deverão ser extintos”.
Infere-se, em resumo, dessa passagem do julgado, que se descortina absolutamente inaceitável que se imponha à parte ou ao interveniente forçado um tribunal arbitral pré-constituído, sem que tenha ele participado de sua respectiva formação.
Decorre da corretíssima conclusão a que chegou a turma julgadora a patente inviabilidade de reunião de processos arbitrais quando diferentes forem as partes litigantes.
Por José Rogério Cruz e Tucci, sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2022, 8h02
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Limites da competência dos juízos estatal e arbitral para apreciar medidas de urgência
Uma questão interessante a ser analisada versa sobre os limites da competência dos juízos estatal e arbitral para a apreciação de medidas de urgência tendo por objeto questão sujeita à arbitragem, presente a peculiaridade de que, no ato do ajuizamento da medida, ainda não havia a constituição do Tribunal Arbitral, formado somente no curso do procedimento preparatório, antes da prolação de sentença que se debruce sobre o direito à obtenção de tutela de urgência — sentença essa que não se confunde com eventual pronunciamento antecipando os efeitos da tutela pretendida.
Ora, como se sabe, a convenção de arbitragem implica impedimento ao exercício da jurisdição estatal. Há, nesses casos, legítima renúncia àquela jurisdição, optando as partes por submeter o seu eventual litígio a árbitros por elas nomeados.
No âmbito das tutelas cautelares e de urgência, o artigo 22-A da Lei de Arbitragem dispõe que “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência”, mas o artigo 22-B ressalva: “instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.
Nesse campo, o modelo de “competência coordenada” adotado nos referidos artigos 22-A, 22-B e no artigo 22-C da Lei de Arbitragem impõe uma atuação precária e contingencial do Poder Judiciário, limitada exclusivamente a casos em que haja urgência tamanha que impeça a parte de aguardar a regular constituição do Tribunal Arbitral, vale dizer, em que “o perigo na demora da constituição do tribunal arbitral puder colocar em risco o bem da vida perseguido na arbitragem” (Daniel Levy, “As interações entre Poder Judiciário e Arbitragem”, ‘in’ Daniel Levy e Guilherme Setoguti J. Pereira [coord.], “Curso de arbitragem”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2018, p. 335).
Com efeito, inviabilizado o acesso da parte ao juízo competente, admite-se que sejam provisoriamente desprezadas as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela de urgência a outro juízo. E isso é permitido “porque para a instituição do juízo arbitral são necessários vários passos, caminhos, assinaturas de documentos, não podendo a parte interessada esperar” (Carreira Alvim. Direito arbitral, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 335).
Logo, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “é possível o prévio ajuizamento de ação para adoção de medidas urgentes perante o Poder Judiciário, mas a atribuição para processá-la, após a instauração da arbitragem, passa imediatamente a ser do juízo arbitral, que, recebendo os autos, poderá reanalisar a medida eventualmente concedida” (REsp 1586383/MG, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 14/12/2017).
A questão analisada, contudo, exige que se defina se o juízo estatal é competente para prosseguir no processamento da medida cautelar depois que o Tribunal Arbitral é formalmente instituído — e qual a providência a ser adotada para evitar eventual conflito de competência.
Pois bem. Em caso hipotético, as partes envolvidas não discutem que firmaram cláusula compromissória e que, após o ajuizamento de medida de urgência preparatória à arbitragem, porém antes da prolação de sentença pelo juízo estatal, foi constituído Tribunal Arbitral.
Nessa situação, superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, é recomendado que os autos sejam prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela de urgência eventualmente conferida em caráter precário pelo juízo estatal, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão.
A esse respeito, Carlos Alberto Carmona anota que “a competência do juiz togado ficará adstrita (…) à análise da medida emergencial, passando a direção do processo na sequência aos árbitros, tão logo seja instituída a arbitragem (ou seja, tão logo os árbitros aceitem o encargo)” (Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 327).
No mesmo sentido o entendimento de Francisco José Cahali, para quem, instaurado o juízo arbitral, “a jurisdição sobre o conflito passa a ser do árbitro, e, assim, a ele deve ser encaminhada, também, a questão cautelar envolvendo o litígio. O juiz estatal perde, neste instante, a jurisdição, e as decisões a respeito passam a ser de exclusiva responsabilidade do árbitro” (Curso de arbitragem. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011, p. 231).
Sendo assim, instituído o Tribunal Arbitral, encerra-se a competência do juízo estatal, até mesmo para extinguir o processo, com ou sem resolução do mérito, de modo que apenas lhe resta remeter os autos ao juízo arbitral. Trata-se, nessa hipótese, de uma “simples remessa de competência” (Levy, Pereira, 2019, p. 319).
Isso porque, nos termos dos já citados artigos 22-A e 22-B da Lei de Arbitragem, com a apresentação do requerimento de arbitragem perante determinado órgão arbitral institucional e a posterior instauração da arbitragem, a única providência passível de ser adotada pelo juízo estatal seria somente a de remeter os autos ao Tribunal Arbitral competente devidamente constituído, que será o responsável por promover a análise do pedido cautelar formulado nos autos da medida de urgência preparatória para a sua manutenção, modificação ou revogação.
A constituição do Tribunal Arbitral e a consequente instauração da arbitragem no curso de medida de urgência ajuizada perante o juízo estatal ainda não decidida faz cessar imediatamente a competência precária conferida temporariamente àquele juízo, não podendo ensejar a prolação de sentença, com ou sem resolução do mérito sobre o pedido emergencial. Compete ao Tribunal Arbitral instituído reapreciar a medida de urgência e decidir, ao final da arbitragem, acerca do montante a ser pago pelas partes no que toca ao resultado do procedimento antecedente iniciado perante o juízo estatal, quando fizer a necessária ponderação dos ônus sucumbenciais no respectivo capítulo da sentença arbitral final.
Por Marcus Vargas, advogado do escritório RMMG Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2022, 9h02
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Especialistas debatem submissão do Estado à jurisdição privada em evento
A administração pública pode ser submetida à jurisdição privada, como ocorre na arbitragem? De que forma isso é possível? Qual é a vantagem, para a administração pública, ao buscar alternativas como a arbitragem?
Esses foram alguns dos questionamentos levantados pelo desembargador José Maria Câmara Júnior, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no evento “Arbitragem: Conquistas e Desafios”, promovida pela Escola de Negócios Trevisan.
O magistrado fez uma breve perspectiva dos avanços do regramento da arbitragem em relação a administração pública. Ele destacou o Código de Processo Civil que, na sua visão, tem ênfase na busca por formas alternativas de resolução de conflitos.
“O CPC tem várias passagens indicando a mediação e a conciliação. De modo que em dado momento pode-se apontar que essas formas de resolução de conflitos não são a alternativa, a alternativa nesse caso seria a sentença”, explica.
O julgador explicou os questionamentos brevemente, já que as duas primeiras questões, para ele, são simples: é possível submeter a administração pública à jurisdição privada, e o ambiente normativo existente já mostra como fazer.
A última questão, na sua opinião, é a mais complicada, mas para ela não há respostas prontas. “Os princípios da administração pública são compatíveis com essa lei que autoriza o poder público a buscar essa forma alternativa de resolução de conflitos? Será que a nova lei de improbidade administrativa que permite expressamente um pacto de não persecução civil não fere o princípio da igualdade?”, questiona.
O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que foi o elevadíssimo número de processos que envolvem a administração publica que levou à busca por resoluções alternativas de conflitos.
“A viabilidade disso se deu graças a Constituição Federal que concedeu uma série de direitos fundamentais a adotou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro. A Constituição de 1988 inaugurou no país o constitucionalismo moderno e isso permite a constitucionalização do direito administrativo com a relativização de paradigmas tradicionais relacionados ao interesse público”, explicou.
O ministro sustentou que, diante desse prisma, a centralidade do direito administrativo se desloca do Estado e da Lei para a Constituição. Nesse cenário, ele explica que a grande judicialização e a primazia da Constituição permitem a busca de meios alternativos de conciliação de conflitos. Por fim, ele defendeu que o Poder Executivo tem que atuar tanto em sua defesa como na prevenção desses conflitos.
O evento em homenagem ao ministro Moura Ribeiro teve apoio institucional da Associação Paulista da Magistratura (Apamagis), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A abertura ficou a cargo do presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti e da presidente da Apamagis, Vanessa Mateus.
Por Rafa Santos, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2022, 14h43
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Financiamento de litígio e democratização da Justiça
Nem todo mundo entende o conceito de “financiamento de litígios” e sua importância para a democratização do acesso à justiça. A definição para a expressão é a seguinte: prática por meio da qual um terceiro, que não é parte de determinada disputa, celebra contrato com uma parte litigante para propiciar suporte financeiro ou material e financiar uma parcela ou a totalidade dos custos dos processos.
O financiamento de litígios tem crescido no território nacional e em outros países de Civil Law, mas os mercados mais desenvolvidos certamente são os de Common Law: exemplo de Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. O common law é um sistema baseado em decisões dos Tribunais. Já o civil law é um sistema orientado pelo Direito codificado: para proferir julgamentos, árbitros e juízes baseiam-se no produto das decisões do processo legislativo.
Este tipo de ação possibilita retornos descorrelacionados com economia real, uma vez que dependem exclusivamente do mérito do caso, solvência da contraparte; e jurisdição que favoreça exequibilidade.
Hoje em dia é possível participar do financiamento de disputas como parte das carteiras dos fundos, com possibilidade de retorno exponencial, especialmente considerando a baixa necessidade de capital para financiamento quando comparada à compra do direito creditório.
Dentre as formas de financiamento de disputas, uma merece especial destaque: os chamados financiamentos de portfólios de litígios. Nestes casos, há disponibilização de suporte financeiro para custear um conjunto de ações que podem ser analisados na forma de um único investimento, propiciando uma diluição de riscos em caso de insucesso de alguma das disputas.
Dentre os perfis de portfólios de litígios, cabe ressaltar três. O de “Monetização”, onde se busca capital de forma adiantada; o de “Portfólios de Risco”, que avalia recuperações adicionais ou para escritórios que querem investir em novos negócios ou para expandir seus portfólios de risco; e o de “Despesas”, a mais conhecida das formas de financiamento. Esse tipo endereça os riscos que escritórios, companhias e pessoas físicas incorrem em arcar com custos de litígios, especialmente em disputas cujo valor é alto. O efeito alivia o fardo ao arcar com despesas que aumentam com a duração do caso, ajudando as partes a gerir risco e fluxo de caixa.
As oportunidades de negócios é que há empresas, escritórios ou pessoas físicas que necessitam ou não querem alocar recursos para custear um litígio. Por isso, o financiamento de disputas teve, inicialmente, foco em empresas que não tinham os meios materiais e econômicos de perseguir os seus direitos. Dessa forma, propiciaram e democratizaram o acesso à justiça.
Sua utilização foi se expandindo de tal modo que hoje essa operação pode interessar a qualquer empresa ou indivíduo, independentemente de possuir ou não os meios de sustentar a condução do processo. No Brasil, os advogados sempre foram, em certa medida, financiadores de litígios. A liberdade de negociação levou à prática de cobrança de honorários de êxito.
Ao se falar em financiamento de litígios de empresas, é oportuno mencionar o chamado affirmative recovery program. Referido projeto consiste na transformação do departamento jurídico da companhia em um verdadeiro gerador de ativos/caixa ao invés de mero mitigador de custos. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), companhias brasileiras possuem o maior montante de contingências decorrentes de disputas judiciais e administrativas em todo o mundo.
No entanto, as companhias não têm ciência dos potenciais créditos que também possuem por conta de ações judiciais e procedimentos arbitrais, ou da possibilidade de contarem com financiadores de litígios para evitar alocação de capital excessiva para disputas. O fato de as empresas poderem contar com os recursos financeiros e know-how de financiadores de litígios poderia mitigar muito passivos judiciais, arbitrais e administrativos de companhias no Brasil.
Atualmente, temos espaço para crescimento neste tipo de investimento, considerando que há menos de cinco players atuantes com capacidade para idealizar e auxiliar as companhias a desenvolverem referidas operações. Praticamente todo o mercado de financiamento de litígios está adstrito ao universo arbitral que, pelo fato de serem cobertos pelo sigilo na maioria dos casos, não é possível dizer com precisão o tamanho exato do negócio.
No exterior, temos exemplo de companhias bem-sucedidas no ramo: Burford, Omni Bridgeway, Nivalion, Therium e Harbour. O sucesso destes casos vem da análise sobre os seguintes pontos: Jurisdição favorável para exequibilidade; capacidade de pagamento do réu; análise para aferição de mérito; valor realístico da reinvindicação (pelo menos R$50 milhões); adequação do budget proposto para o caso; e, finalmente, se financiarão esses títulos contra réus solventes, bem como se os advogados dos autores são litigantes experientes.
No fim de 2021, pesquisa feita pela Bloomberg Law mostrou que o mercado de financiamento de disputas comerciais, apenas nos EUA, movimentava entre US$ 10 e US$ 15 bilhões. Apesar de não se ter dados para o Brasil, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), divulgou que, entre 2015 e 2019, os casos geridos pela câmara totalizaram entre R$ 8,5 e R$ 17 bilhões. Em 2019, média do valor de arbitragens era de R$ 88 milhões.
A despeito de escassos os números sobre arbitragens e financiamento de litígios, é possível aferir que há uma infindável quantidade de oportunidades para financiadores, bem como a possibilidade de se lucrar com um mercado incipiente. Ao mesmo tempo, se provê acesso à justiça àqueles que, por vezes, não conseguiriam os meios necessários para perseguir seus direitos.
Além de ter a capacidade de equalizar balanços de empresas, não é exagero afirmar que o financiamento de litígios propicia a democratização da justiça ao garantir o acesso e propiciar que partes desiguais litiguem em condições de igualdade. É, na minha opinião, a melhor interpretação da relação “ganha-ganha”.
Por Pedro Mota dos Santos, sócio da Jive Investments e responsável pela área de Litigation Finance. E João Gabriel Rodrigues, analista da área de Litigation Finance da Jive Investments.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2022, 18h00
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O PL 4290/21 e o interesse social no sigilo arbitral
O PL 4290/21, apresentado à Câmara dos Deputados em 3 de dezembro do ano passado, talvez traga uma curiosa ironia em seu seio. Em sua justificação, o projeto demonstra clara antipatia pela arbitragem ao declarar que “descabe conferir a um ramo da sociedade brasileira a garantia absoluta de julgamentos secretos”. Não obstante, em vista do risco de consolidação da interpretação contrária à constitucionalidade do artigo 198, IV, do Código de Processo Civil (CPC), uma eventual aprovação do PL pode ajudar a salvar ao menos uma boa porção do necessário caráter secreto das arbitragens que tangenciem a prestação jurisdicional estatal.
O legislador brasileiro, ao promulgar o CPC em 2015, entendeu ser conveniente a preservação do caráter sigiloso dos procedimentos arbitrais e, por isso, estabeleceu no artigo 189, IV, que “tramitam em segredo de justiça os processos (…) que versem sobre arbitragem, inclusive sobre o cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade na arbitragem seja comprovada perante o juízo”.
O raciocínio por trás dessa regra é o seguinte: admitindo-se e protegendo-se juridicamente a confidencialidade da arbitragem, compreendida como forma especial de exercício jurisdicional restrita ao campo da autonomia privada em matéria patrimonial, não haveria qualquer razão para o afastamento do segredo sobre o litígio quando se busca os órgãos estatais para a realização de atos que não podem ser exercidos pelos árbitros. É regra perfeitamente razoável e em consonância com o que se identifica no direito comparado[1].
Assim, a hipótese normativa se refere a) aos processos judiciais b) referentes à arbitragem c) em que houver comprovação da confidencialidade. Observe-se, desde logo, serem “segredo de justiça” e “confidencialidade” noções jurídicas substancialmente diferentes, pois a primeira se refere à exceção ao princípio da publicidade do processo, enquanto a outra se refere, no terreno arbitral, a um complexo de deveres entre as partes, seus patronos, a instituição arbitral e os árbitros no sentido de preservar a arbitragem, ou ao menos alguns de seus aspectos, da notícia ou comunicação a outrem.
Não existe determinação legal do dever de sigilo ou confidencialidade dos árbitros, restringindo-se a Lei de Arbitragem a impor a obrigatoriedade de discrição (Artigo 13, §6º). Na prática, porém, virtualmente todas as arbitragens que não envolvem entidades estatais são confidenciais, até mesmo em decorrência da ampla convergência, nesse sentido, dos regulamentos e regras arbitrais das principais instituições. Como inexiste qualquer exigência de publicidade prévia para que a arbitragem gere todos os seus efeitos, inclusive o emprego da sentença como título executivo judicial, a arbitragem pode ocorrer em segredo.
Não obstante, a regra do CPC, Artigo 189, IV, vem levantando polêmica a respeito da publicidade restrita dos processos relacionados à arbitragem. Alega-se haver incompatibilidade desse dispositivo com a regra do Artigo 5º, LX, da Constituição Federal. Aí se determina que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade e o interesse social o exigirem”.
Esse texto tem sido empregado em várias decisões paulistas como fundamento da inconstitucionalidade do dispositivo da lei processual no aspecto ora discutido. Há quatro principais argumentos comumente esgrimidos contra a publicidade restrita dos atos processuais relacionados à arbitragem.
O primeiro se refere ao interesse público nas informações referentes ao processo. Esse se divide em duas categorias sensivelmente diversas. Em primeiro lugar, refere-se a atores com interesses sobre a atuação das partes no litígio. Por exemplo, no Agravo de Instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000 se lê o seguinte:
“Tal restrição à publicidade obsta o conhecimento e o controle social sobre temas relevantíssimos, inclusive por pessoas relacionadas de forma direta ou indireta com o litígio (como, por exemplo, os acionistas de companhias abertas), em razão da absoluta falta de acesso aos processos e aos provimentos jurisdicionais, seguido pela absoluta falta de acesso aos procedimentos arbitrais”.
Além disso, haveria o interesse geral no conhecimento da “forma pela qual as normas abstratas são concretizadas”, pois “os jurisdicionados têm o direito de conhecer a jurisprudência; os empresários, especificamente, o de antever, pela coerência que sempre se espera dos que têm a nobre missão de julgar, o provável resultado dos veredictos, levando-o em consideração ao celebrar os negócios mercantis” (Agravo de Instrumento n. 2263639-76.2020.8.26.0000).
O segundo elemento argumentativo se refere à criação de privilégios para os profissionais que atuam em uma arbitragem específica. Nesse sentido, por exemplo, afirma-se que a publicidade restrita “sem razoabilidade, gera situação favorável aos pouquíssimos que têm acesso às informações socialmente tão relevantes” (Agravo de Instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000).
O terceiro aspecto seria a da criação de um regime especial para a arbitragem, diferente do judicial, já que “diante do mesmo litígio, sem previsão de arbitragem, eventual cláusula de confidencialidade provavelmente seria insuficiente para que fosse determinado segredo de justiça”.
Por fim, o quarto argumento se refere à falta da presença de “intimidade” ou “interesse social” nas causas arbitrais comerciais, nas quais os interesses em jogo são particulares, bem como as próprias vantagens da confidencialidade. Deste modo, a hipótese restritiva posta pela Constituição Federal seria desrespeitada, impedindo a própria validade do inciso IV do Artigo 189 do CPC.
Além do óbvio peso da pena dos desembargadores paulistas, trata-se de linha argumentativa interessante e sofisticada e, como tal, merece análise cuidadosa. Para tanto é preciso, de início, compreender o sentido normativo da disposição constitucional para, então, discutir a semântica das hipóteses que aventa, particularmente a “intimidade” e o “interesse social”.
Trata-se de norma primariamente direcionada ao legislador, cuja atividade deve ser norteada pelo caráter excepcional da publicidade restrita e promulgar leis em conformidade com as restrições constitucionais. Em termos lógicos, o dispositivo 1) estabelece a publicidade do processo como regra para, então, 2) admitir que a lei possa restringir a publicidade, o que, i. a. estabelece um padrão de legalidade estrita, não cabendo tal condão a qualquer outro tipo de norma e 3) fixar um limite teleológico à atuação do próprio legislador, pois a restrição à publicidade deve ser necessária à proteção da intimidade ou do interesse público. A discussão sobre a constitucionalidade Artigo 189, IV, do CPC se dá nesse último aspecto, caso em que a intimidade não desempenha um papel relevante.
Desse modo, a aplicação judicial do ditame constitucional em face da regra do CPC pode ocorrer por duas vias: 1) a verificação, concentrada ou difusa, da constitucionalidade do dispositivo em razão da falta de adequação aos objetivos de proteção do interesse público e 2) a ponderação na aplicação caso a caso da norma legal em razão das exigências da CF, inclusive no sentido de, eventualmente, denegar o segredo de justiça.
A opção do Judiciário paulista, ao menos no Agravo de Instrumento nº 2263639-76.2020.8.26.0000, foi pela primeira alternativa. Em vez de realizar uma ponderação casuística, os magistrados optaram por estender um campo de tensão entre o interesse público no segredo e na publicidade, oferecendo argumentos em favor do segundo: formar e difundir a jurisprudência arbitral, evitar o favorecimento de um conjunto restrito de advogados e árbitros, equiparar o processo arbitral ao judicial e a inexistência de interesse público a ser protegido nas causas arbitrais, pois essas seriam precipuamente privadas.
Não é o caso, aqui, de tratar isoladamente cada um dos aspectos aventados, apesar das eventuais fragilidades passíveis de serem apontadas. Importa, porém, destacar a existência de um sofisma no último argumento: o texto constitucional não fala do “interesse público” como objeto do processo, mas da sua existência como fundamento teleológico da escolha do legislador e, nesse caso, este tem o apoio em justificativas perfeitamente razoáveis. O interesse público, nesse contexto, é o de favorecer a utilização da arbitragem para os litígios referentes a questões patrimoniais e disponíveis. Em particular, o legislador busca não comprometer o sigilo da arbitragem sempre que se necessite do apoio jurisdicional para a realização de um ato que não possa ser ordenado pelos árbitros.
Considerando haver vantagens econômicas e práticas, as quais favorecem o desenvolvimento dos negócios privados, a opção do Legislador se sustenta na busca da eficiência em uma ordem econômica orientada, ainda que não de modo exclusivo, por um princípio de livre iniciativa. Não se imagina, obviamente, a possibilidade de manter segredo de justiça em arbitragens envolvendo a Administração (Lei de Arbitragem, artigo 2º, §3º).
É evidente que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pode estar correta, como defende José Rogério Cruz e Tucci em análise do voto condutor do desembargador Cesar Ciampolini, pois seria “efetivado o necessário juízo de ponderação para justificar o decreto de inconstitucionalidade do (…) inciso IV do artigo 189[2]”. Não obstante, está longe de ser uma certeza a sua definitiva confirmação em tribunais superiores.
É nesse contexto que o PL 4290/21 pode ensejar uma boa solução, de modo a preservar o interesse público no desenvolvimento da arbitragem como forma de solução de litígios e, ao mesmo tempo, deixar clara a necessidade da análise in casu para a atribuição da publicidade limitada. Observe-se a redação proposta para o inciso IV: “que versem sobre arbitragem inclusive sobre o cumprimento de carta arbitral, desde que a necessidade de confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo, consideradas a privacidade das partes e a proteção de segredos empresariais”.
Essa redação deixa claro objetivos legítimos e de interesse público para a conservação da regra de publicidade restrita: a privacidade e os segredos empresariais, sem prejuízo de outras eventuais causas suficientes para delinear a “necessidade de confidencialidade”. Cabe relembrar: há, aqui, interesse público na proteção de situações jurídicas privadas, o que, aliás, é próprio de imensas parcelas dos Direitos contemporâneos.
A interpretação desse texto apresenta algumas complexidades, mas ele certamente matiza a concessão do segredo de justiça. Em especial, é, pelo menos, muito mais difícil argumentar em favor da inconstitucionalidade a uma regra que deixa claramente vinculada a uma apreciação judicial circunstanciada a possibilidade de restringir a publicidade do que a de um artigo que, pelo menos hipoteticamente, a exigiria sempre que houvesse prova de acordo de confidencialidade entre as partes. Aí, portanto, a manifestação de uma daquelas ironias por meio das quais a realidade tantas vezes nos desafia.
O PL 4290/21 se encontra, hoje, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Tem muito chão pela frente, mas talvez valha a pena dedicar alguma atenção a seu trâmite e, até mesmo, a eventuais emendas e modificações capazes de promover o interesse público, o qual é plenamente consistente com a existência de um regime especial de publicidade restrita para as causas privadas levadas à arbitragem.
[1] Veja-se, por exemplo, artigo recente no JOTA: Agravo de Instrumento n. 2263639-76.2020.8.26.0000. Em particular, “No common law inglês atual é reconhecido um dever implícito de confidencialidade e, em face da dinâmica dos procedimentos e do interesse das partes na arbitragem, ocupa uma posição de destaque, inclusive gozando de precedência sobre o dever de revelação (disclosure).”
[2] TUCCI, J. R. C. Inconstitucionalidade do sigilo de processo judicial sobre arbitragem. Consultor Jurídico, 13 de abril de 2021. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-13/paradoxo-corte-inconstitucionalidade-sigilo-processo-judicial-arbitragem
Por JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA – Professor de Direito do Comércio Internacional da Faculdade de Direito da USP, professor da UniCEUMA (São Luís) e da Faculdade de Direito de Sorocaba. Bolsista produtividade CNPq. Advogado. Consultor em Barral, Parente e Pinheiro Advogados.
Fonte: Jota – 06/03/2022 05:40.
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Projeto permite que condomínio use arbitragem para conflitos entre vizinhos
Um projeto de lei, que será analisado em caráter conclusivo pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados, estabelece que as convenções de condomínios de edifícios poderão prever a solução de conflitos por meio de arbitragem.
Pelo PL 4.081/21, as convenções poderão ter cláusula compromissória, nome pelo qual é conhecido o acordo para resolução de litígios por arbitragem. A cláusula deve vincular todos os condôminos, ou seja, moradores e proprietários das unidades.
Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), autor da proposta, a arbitragem é um “recurso extremamente vantajoso para as administradoras de condomínios, síndicos e para os próprios condôminos, pela forma eficaz com que permite a resolução de controvérsias”.
O parlamentar lembra que as cláusulas compromissórias de arbitragem em condomínios foram reconhecidas pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar disso, o parlamentar diz achar necessário incluir a previsão em lei, o que é feito por meio de alteração no Código Civil e na Lei da Arbitragem. Com informações da Agência Câmara.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2022, 15h33.
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Demandar ou resolver, eis a questão
Em agosto de 2016, o ministro Luis Roberto Barroso, em palestra ministrada no 7º Congresso Brasileiro de Sociedades de Advogados, na cidade de São Paulo/SP, afirmou que “o advogado do futuro não é aquele que propõe uma boa demanda, mas aquele que a evita. As medidas extrajudiciais de resolução de conflitos estão se tornando uma realidade a cada dia e vão impactar nas funções do advogado, que passará de defensor a negociador”.
Mais do que uma profecia, o ensinamento do renomado jurista nos faz refletir sobre o cenário que caracteriza a resolução dos conflitos no Brasil, onde a cultura arraigada em nossa população acredita ser a porta aberta do Poder Judiciário o único caminho para sua solução, onde se avolumam milhões de ações, a maioria delas sem que o Estado seja capaz de atender a tempo e modo necessários, favorecendo o acirramento do litígio.
Embora ainda seja uma conta que muitos não fazem, a consequente morosidade deste sistema de regras rígidas e demanda crescente, também não se mostra a mais interessante, inclusive no aspecto financeiro, porque, por mais “econômico” que possa parecer em um primeiro momento em relação aos demais métodos, o custo do processo judicial se avoluma ao longo do tempo, somando-se, inclusive, ao aspecto psicológico, que afeta a estrutura dos demandantes, aumentado o sofrimento daqueles que se encontram envolvidos em um litígio pela via judicial.
Neste contexto, propício para o aparecimento de outras vias, surgiu o sistema multiportas de solução de conflitos, que consiste em um mecanismo de aplicação de diversos meios extrajudiciais de resolução de disputas, onde partes que iniciam um processo conflituoso têm à sua disposição formas que viabilizem a solução deste conflito por intermédio da intervenção direta ou indireta de terceiros de forma decisiva.
Ao invés de se limitar ao procedimento judicial, que tradicionalmente arrasta disputas por longos anos, a adoção destes mecanismos multifacetários propicia inúmeras possibilidades de encerrar adequada e definitivamente, de forma célere e segura, uma disputa, solucionando o conflito, o que se mostra um instrumento eficaz de pacificação social, e o interessante é que os denominados MESCs – Mecanismos Extrajudiciais de Solução de Conflitos não representam algo novo em nosso ordenamento jurídico, existindo desde os tempos do império.
Nesse sentido, o primitivo CPC/39, já regulamentava o instituto da arbitragem, que sofreu modificações quando editada a reforma realizada em 1973, mas nenhum dos dois instrumentos conseguiu viabilizar sua aplicação, uma vez que dependia da intervenção obrigatória do Poder Judiciário em procedimento de homologação da decisão do árbitro, assim como a cláusula compromissória não tinha caráter vinculante, o que não obrigava os contratantes a seguir a via arbitral.
Por esta razão, durante a década de 1980 surgiram no Brasil diversas iniciativas voltadas à implantação de uma política eficaz para a inclusão da arbitragem como um instrumento jurídico que pudesse contribuir para o ambiente de negócios, que apenas deslanchou no início dos anos 1990, com a denominada Operação Arbiter, desencadeada pelo saudoso advogado Petrônio Muniz.
Este trabalho de convicção teve como resultado a elaboração de um anteprojeto redigido por uma comissão de juristas formada por Carlos Alberto Carmona, Selma Lemes e Pedro Batista Martins, imediatamente encampado pelo inesquecível senador Marco Maciel, que deu origem ao projeto de lei aprovado nas duas casas legislativas e sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em 23/10/96, sob o número 9.307/96, a partir da qual o instituto da arbitragem assumiu forma autônoma no país, por meio de instrumentos que garantem a sua eficácia.
O pioneirismo desta inciativa se notabiliza por incorporar definitivamente os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos em nosso ordenamento jurídico, fazendo com que os operadores do direito, empresários, e até mesmo o cidadão comum, passassem a conviver com um caminho novo para resolução de disputas, abrindo um importante instrumento para solucionar conflitos para aqueles que não desejam acionar a jurisdição estatal.
Neste mesmo sentido, no ano de 2007, surgiu a semana nacional pela conciliação, cujo slogan adotado foi “Conciliar é legal”, como um desdobramento do “Dia Nacional da Conciliação”, realizado no ano anterior, objetivando reduzir os números de processos no Poder Judiciário, que contou com a adesão de tribunais espalhados por todo país, sendo realizadas milhares de audiências de conciliação, com crescente números de acordos.
Anteriormente, no final dos anos 1990, começaram a surgir iniciativas para regulamentação da mediação por meio de um diploma legal específico, como método de prevenção e solução consensual de conflitos, o que culminou, no ano de 2013, com a instalação no Senado Federal de uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Luís Felipe Salomão, concomitantemente à criação no Ministério da Justiça de outra comissão similar, para formular propostas que subsidiassem a adoção de formas adequadas à solução célere de conflitos. O trabalho de ambas fez surgir dois anteprojetos de Lei de Mediação, que foram encaminhados às casas legislativas.
A junção dos projetos de lei existentes, com a contribuição trazida por estas comissões, foi consolidada em um texto final, que resultou em um substitutivo enviado à Câmara dos Deputados e posteriormente ao Senado Federal, transformando-se na lei 13.140/2015, sancionada em 26/06/15, devidamente sintonizada com as alterações trazidas pelo novo CPC.
Esta sequência histórica mostra que nosso país dispõe de dispositivos legais e institucionais que instrumentalizam a possiblidade da solução extrajudicial de conflitos, o que transformamos em uma figura metafórica denominada “Pirâmide da Solução de Conflitos”, que ordena os métodos mais utilizados a partir do grau de intervenção de terceiros, iniciando-se na negociação e terminando no topo com o Poder Judiciário, que sempre será o guardião da solução das controvérsias.
Entre as alternativas ilustradas na pirâmide, tem-se, iniciando pela base, a negociação, que é um processo de troca de informações entre as partes, com a finalidade de se alcançar um acordo, cujas fases envolvem um processo de preparação por ambas, passando pelo desenvolvimento para formulação de propostas e terminando com um acordo, interrupção temporária ou término da negociação.