TJ-SP não vê renúncia à cláusula de arbitragem por ré e valida procedimento

Na pendência da instauração do tribunal arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem.
Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, uma ação de rescisão contratual em razão da existência de cláusula arbitral.
A autora, um fundo de investimentos, alegou que a empresa ré teria descumprido uma cláusula de um contrato de investimento firmado entre as partes e, por isso, ajuizou a ação. A autora alegou que, antes da instauração da arbitragem, a ré acionou o Judiciário em busca de liminares, o que configuraria renúncia à cláusula arbitral.
Mas o relator, desembargador Franco de Godoi, afastou a alegação da autora de que houve renúncia tácita à cláusula de arbitragem por parte da ré, pois o CPP dispõe que “incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar convenção de arbitragem”. Neste caso, disse Godoi, a ré sustentou, sim, a existência da cláusula de arbitragem no momento oportuno.
“Não há como verificar qualquer renúncia à cláusula compromissória, mesmo porque o procedimento arbitral foi posteriormente instaurado, nos termos do acordo de acionista. Não se olvide que o esforço processual da autora-apelante em afastar a questão concretizada no litígio do juízo arbitral esboroa-se, também, ante o disposto no artigo 22-A da Lei 9.307/96”, afirmou o magistrado.
Conforme o artigo 22-A da Lei de Arbitragem, “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência”. Foi o que ocorreu na hipótese dos autos, na visão de Godoi, o que mantém a validade da cláusula arbitral.
“Inconcebível sob o aspecto jurídico processual interpretar a conduta de uma das partes como renúncia tácita à jurisdição arbitral, quando a própria lei que a impõe permite possa a parte agir sem a consequência alvitrada pela apelante-autora. Constata-se ainda, se assim não fosse, as decisões de primeira e segunda instâncias reconheceram o caráter de urgência das medidas ajuizadas pela ré apelada, concedendo-as.”
Além disso, o relator ressaltou que a cláusula arbitral só permite a sua discussão, primeiramente, em sede de arbitragem e, excepcionalmente, nos casos do artigo 32 da Lei de Arbitragem, em sede do juízo estatal. Para ele, o caso dos autos não se enquadra nas situações excepcionais.
Godoi ainda citou trecho do livro “Lei de Arbitragem comentada”, de Olavo A. V. Alves Ferreira, Matheus Lins Rocha e Débora Cristina Alves Ferreira: “O Judiciário pode, em situações excepcionais, declarar a nulidade de cláusula arbitral, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral, quando aposta em compromisso claramente ilegal, eis que conforme já decidiu o STJ, são situações extraordinárias, em que o vício é clarividente, ou seja, casos real e ostensivamente aberrantes, também denominados claramente ilegais.”
O desembargador não verificou ilegalidades no contrato em questão e, por fim, afirmou que o legislador brasileiro adotou o princípio da total autonomia da cláusula arbitral, impondo-se a extinção do processo sem resolução do mérito.
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Processo 0032551-29.2020.8.26.0100
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2023, 15h47
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Processo arbitral: início, meio e fim

Um dos temas mais instigantes na seara do direito processual, diz respeito às peculiaridades do processo arbitral. Mas se se está aqui a falar de processo puramente dito, por que dar algum destaque ao processo arbitral? Existe, realmente, alguma diferença entre o processo arbitral e o processo judicial?
Arbitragem, como se sabe, é processo. Em verdade, a arbitragem possui um sistema estrutural bastante semelhante ao do processo civil, com a diferença de que quem julgará o litígio serão árbitros indicados pelas partes, o quais, assim como o juiz estatal, devem ser imparciais e independentes. Processo civil e arbitragem constituem, assim, “instrumentos heterônimos de solução de conflitos”, gerando inquestionável “paralelismo” na visão de Donaldo Armelin1-2.
É nesse contexto que Carnelutti, ao ver a arbitragem como um dos equivalentes do processo civil contencioso de cognição, lecionava:
“[A] meu aviso, com a arbitragem já estamos no terreno do processo, onde não creio que – diferentemente da transação e do processo estrangeiro – seja no caso de compreendê-la entre os equivalentes processuais. A razão está em que, à diferença do processo estrangeiro, o processo arbitral é regulado pelo nosso ordenamento jurídico não apenas no sentido de controle dos requisitos da sentença arbitral e dos seus pressupostos, mas também e acima disto, pela ingerência do Estado no desenvolvimento do próprio processo”.3
A processualidade da arbitragem advém de duas características fundamentais: primeiramente, de sua jurisdicionalidade4 e, em segundo lugar, da aplicabilidade, a toda arbitragem, dos princípios fundamentais do processo5.
O caráter processual é um elemento inerente ao instituto da arbitragem, dado que esta visa a uma prestação. Ou seja, aquele que se sente lesado em um contrato, no qual resta inserida uma cláusula compromissória, possui um direito subjetivo a uma prestação. Possui uma pretensão arbitral.
Tal pretensão arbitral, idêntica em essência àquela travada no âmbito do processo judicial, possui uma peculiaridade: ela se sujeita à um processo que possui início, meio e fim. O mais importante em relação a esse ponto é o fim. A decisão final, revestida pela sentença arbitral, resolve, em caráter definitivo, a lide entre as partes. O referido caráter peremptório pode explicado de forma simples: a sentença arbitral não comporta recurso, ou mesmo rediscussão6. O mérito da demanda, insculpido na sentença, é intangível7.
Tal ponto, considerado elementar na arbitragem, poderia ser uma desvantagem do referido instituto? Certamente a resposta é negativa. A tão aclamada celeridade do processo arbitral advém, justamente, dessa característica estrutural, a qual se destaca por se concentrar em três etapas: início, meio e fim.
Diferentemente do processo judicial, que se encerra quando do trânsito em julgado da última decisão que julgar o mérito da demanda (o que pode levar anos, a depender da quantidade de recursos ofertados às instâncias superiores), o processo arbitral tem o seu fim com a sentença arbitral final, a qual obtém o seu trânsito em julgado de forma imediata8.
O caráter definitivo da sentença arbitral é certamente um elemento que deve ser considerado pelas partes ao eleger a arbitragem como método de resolução de disputas em suas avenças. As partes são responsáveis pelas melhores estratégias a serem adotadas em seus negócios, tanto aquelas de caráter comercial como as de natureza processual (i.e., escolha da cláusula de arbitragem). Escolher a arbitragem para resolver disputas tem inevitáveis consequências, dentre elas: (i) o imediato afastamento da competência do juízo estatal para a apreciação do mérito da demanda (efeito negativo da convenção de arbitragem9); (ii) a remessa do caso à jurisdição arbitral, a quem compete o processamento e resolução da disputa (efeito positivo da convenção de arbitragem10); e, (iii) diretamente relacionada à esse efeito positivo, o caráter definitivo da decisão que julgar o mérito da causa.
O risco inerente à escolha de um processo que gera uma decisão irrecorrível deve compor a matriz de risco das partes na escolha do método de resolução de disputas. Isso porque pouco ou nada ajuda as partes, insatisfeitas com o resultado de determinado processo arbitral recorrerem ao Poder Judiciário por meio da ação anulatória prevista no art. 32 da Lei de Arbitragem. Tal ação não é um recurso e não tem condão de rever o mérito da sentença arbitral, o qual, por força legal, é intangível.
Nesse sentido, a propositura de ações com o fito de rever o mérito da sentença arbitral, não apenas defrontam-se com a alta probabilidade do julgamento de improcedência da demanda (o que, aliás, já foi comprovado por uma série de análises quantitativas realizadas no Brasil11), mas, também, o elevado risco da condenação da parte perdedora nos ônus sucumbenciais, os quais variam entre 10 e 20 por cento do valor da causa12, sendo tais verbas percentuais consideradas taxativas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”13). Em verdade, esse tipo de conduta nutre a perniciosa instabilidade criada pelo chamado “mal perdedor”, para quem ganhar ou perder uma ação anulatória pouco importa, visto que o objetivo de sua propositura muitas vezes é apenas a protelar o cumprimento da sentença14.
Em suma: não visam as presentes linhas demonstrar que o processo arbitral, apenas, possui início, meio e fim. Mas é justamente ressaltar que, em razão dessa característica, em especial o seu fim, que as partes devem ter o absoluto cuidado na escolha do método de resolução de disputas em seus negócios. Deve-se atentar que, se escolhida a arbitragem, serve esta para resolver eventual imbróglio entre as partes e não fazer com que uma lide se eternize por meio de inventadas e infundadas ações anulatórias. Saber redigir uma cláusula arbitral completa, escolher estratégica e cuidadosamente os membros do tribunal arbitral, participar de forma ativa e coerente durante o procedimento, expor o seu caso com a devida minúcia, produzir provas capazes de suportar seus pleitos e aceitar a decisão final que advier, são elementos que devem estar na mente daquele que, conscientemente, escolhe a arbitragem como método de resolução de seus litígios.
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1 Nesse sentido, afirma Donaldo Armelin: “[…] apresenta, no seu conjunto, estrutura semelhante a do processo civil, até porque ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos, nos quais emerge a existência de terceiro desinteressado ao qual se atribui autoridade suficiente para o deslinde do litígio” (Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, nº 15, p. 69, out.-dez. 2007).
2 O paralelismo dos efeitos das vias judicial e arbitral é assim explicado por Donaldo Armelin: “[…] até porque a via arbitral serve, assim como o processo civil, de veículo legal e constitucional para o acesso à Justiça, observando os mesmos princípios garantidores do devido processo legal guardadas as peculiaridades desses dois institutos” (Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, nº 15, p. 79, out.-dez. 2007).
3 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Pádua: Cedam, 1936. v. 1, p. 179, citado por: CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 19.
4 A esse respeito, a lição de Eduardo Damião Gonçalves: “Nota-se que a arbitragem preenche todos os elementos que caracterizam a jurisdição. Nesse caso, a função dos agentes adequados – os árbitros – é exercida não diretamente pelo Estado, mas por vontade das partes. Mas a arbitragem também tem em si um fundamento legal, na medida em que a possibilidade de as partes submeterem-se à arbitragem deriva de uma decisão do Estado manifestada por um texto legislativo que autoriza as partes a recorrerem à arbitragem para a solução da lide embora não seja apropriado dizer que se trata de uma delegação estatal” (Arbitrabilidade objetiva. 2008. Tese (Doutoramento) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 24)
5 Bruno Oppetit, ao ponderar sobre as diferenças da justiça estatal e justiça arbitral, lembrando que o ideal de justiça de ambas as jurisdições é o mesmo, com peculiares diferenças, ressalva que os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da ampla defesa estão sempre presentes, em qualquer litígio, sob pena de não existir um processo justo, íntegro. Nesse sentido, dizia: “Il ne saurait en effet exister de procès équitable sans que soient scrupuleusement respectés le principe d’égalité entre les parties, le principe de la contradiction et celui, proche mais distinct, de la protection de la défense, ainsi que la nécessité d’un débat loyal, et ces exigences, quelles qu’en soient les modalités qui les traduisent, se manifestent à tous les stades de la procédure” (Justice étatique et justice arbitrale. Études offertes à Pierre Bellet. Paris: Litec, 1991. p. 422).
6 Ver, nesse sentido, o disposto no art. 18 da Lei de Arbitragem: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
7 O que se entende, aliás, ser, a verdadeira essência da arbitragem (NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 53.
8 Segundo Ricardo de Carvalho Aprigliano: “[A] natureza processual da arbitragem se extrai não apenas da presença de julgadores estranhos ao litígio e equidistantes em relação às partes, mas também do objetivo final de obtenção de uma decisão que aplique o direito ao caso concreto, proferida mediante sentença, à qual se atribuem os mesmos efeitos da sentença judicial. E porque esta sentença, em particular, não está sujeita à homologação ou revisão quanto ao mérito, daí resulta que ao ser proferida, ou quando muito após a decisão sobre os pedidos de esclarecimentos, a sentença arbitral transita imediatamente em julgado, produzindo efeitos de forma imediata”. (Nomas processuais aplicáveis à arbitragem. Parâmetros para a aplicação de normas processuais gerais ao processo arbitral. Tese de Livre Docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022, p. 55).
9 Segundo Fouchard, Gaillard e Goldman, para que seja assegurado o respeito ao cumprimento da convenção de arbitragem, é necessário que ao efeito positivo, que impõe às partes a atribuição aos árbitros de todos os litígios cobertos pela convenção de arbitragem, corresponda também um efeito negativo, o qual proíbe as jurisdições estatais de se manifestarem sobre qualquer litígio, objeto da convenção de arbitragem (FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Traité de l’arbitrage commercial international. Paris: Litec, 1996. p. 416).
10 A atribuição aos árbitros de jurisdição, em razão do efeito positivo da convenção de arbitragem, já era justificada por Roque Caivano da seguinte forma: “[…] atribuir jurisdicción a los árbitros, quienes obtienen de ella las facultades necesarias para intervenir en el litigio; y es por ello que la clausula compromisoria determina la medida de las facultades de los arbitros” (Arbitraje: su eficácia como sistema alternativo de resolución de conflictos. Buenos Aires: Ad Hoc, 1993. p. 116).
11 Ver, a esse respeito: Pesquisa CBAr-ABEArb 2016 « CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem. Acesso em 21 abr. 2023.
12 Art. 85, § 2º do Código de Processo Civil: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos (…)”.
13 Ver, a esse respeito: STJ, Corte Especial, Recurso Especial n. 1.850.512-SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. 16 de março de 2022, DJE de 31 de maio de 2022.
14 A esse respeito, pertinente a crítica tecida por Ricardo de Carvalho Aprigliano no que concerne às ações que visam anular sentenças arbitrais por eventual ausência de revelação do árbitro de determinado fato: “É preciso ter clareza quanto a dois aspectos, que, a um só tempo, representam as especificidades do processo arbitral e também demonstram a necessidade de interpretá-lo à luz dos conceitos e parâmetros processuais da teoria geral do processo. O primeiro aspecto é que a violação ao dever de revelação não é caraterizada, na Lei de Arbitragem, como causa única e exclusiva para a anulação de sentenças arbitrais. Não obstante ser claramente um dever dos árbitros, a sua violação não gera, ipso facto, alguma consequência direta. Será preciso sempre verificar se, da não revelação de algum fato, houve impactos na imparcialidade e independência do árbitro que violou o dever de revelar. É muito perigosa a tendência que se observa de criar uma associação automática entre tais figuras, porque o argumento passa a ser uma espécie de “bala de prata”, que todo litigante perdedor tentará se valer, para impugnar decisões arbitrais. Para certas finalidades estratégicas, ganhar ou perder a ação anulatória é o que menos importa, porque a instabilidade se fará presente, ao menos durante os longos anos de tramitação desta demanda”. (Nomas processuais aplicáveis à arbitragem. Parâmetros para a aplicação de normas processuais gerais ao processo arbitral. Tese de Livre Docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2022, p. 222).
Por Thiago Marinho Nunes, FCIArb. Doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; vice-presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor do Núcleo de Pesquisa em Arbitragem do IBMEC-SP; árbitro independente.
Fonte: Migalhas – terça-feira, 25 de abril de 2023
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Métodos alternativos de soluções de conflitos em matéria ambiental

Construção de hidrelétricas, abertura de estradas interestaduais que atravessam parques florestais, contaminação do solo e de lençóis freáticos, depósito de resíduos sólidos, contaminação por substâncias químicas tóxicas na agricultura, atividades mineradoras — esses são alguns exemplos dentre os vários impactos causados ao meio ambiente decorrentes da ação do homem ao longo do tempo e que, geralmente, têm sido dirimidos com a intervenção do Poder Judiciário.
A crescente preocupação com a preservação ambiental tem levado cada vez mais pessoas a buscar outros meios para solucionar conflitos relacionados ao meio ambiente.
A busca por uma solução rápida, efetiva e consensual tem levado as partes a optarem por alternativas como mediação, conciliação, negociação e arbitragem, visando a preservação do meio ambiente e a busca de um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, tudo de forma sustentável.
Nesse sentido, os métodos alternativos de solução de conflitos, os Mascs, se mostram uma ferramenta eficaz para alcançar uma solução justa e satisfatória para todas as partes envolvidas, assim como já ocorre em outros países, seja na resolução de conflitos instalados ou na sua prevenção.
Os Mascs se baseiam, em geral, em técnicas de negociação, mediação, conciliação e arbitragem.
A negociação é uma técnica utilizada para a resolução de conflitos em que as próprias partes interessadas dialogam para alcançar um acordo, sem a necessidade de um terceiro como facilitador, mas podendo se fazer representadas, por exemplo, por seus advogados.
A mediação consiste em um processo no qual um terceiro imparcial, o mediador, auxilia as partes a elas mesmas chegarem a uma solução consensual para o conflito.
A conciliação, por sua vez, é um processo semelhante ao da mediação, porém a diferença é que um terceiro imparcial, o conciliador, tem uma participação mais ativa, podendo ele propor soluções, alternativas, para que as partes analisem individualmente se é vantajoso para si, de acordo com seus interesses, e para a resolução do conflito.
Já a arbitragem é um processo em que as próprias partes escolhem um terceiro imparcial, o árbitro, ou um tribunal arbitral, de acordo com sua experiência profissional e capacidade técnica, para decidir o conflito de forma definitiva e vinculante com base na legislação aplicável ao caso.
Em geral, os Mascs apresentam diversas vantagens em relação ao processo judicial, tais como a celeridade, a eficácia, a economia de tempo, de gastos e a possibilidade de as partes escolherem um profissional especializado no assunto. Além disso, todas elas permitem uma solução mais flexível e criativa para o conflito, uma vez que as partes têm mais liberdade para negociar e propor soluções que atendam aos seus interesses, destacando a prática colaborativa de todos, a redução dos custos, a preservação do relacionamento entre si, e em matéria ambiental, possibilita alcançar soluções mais sustentáveis para a redução e prevenção de danos ao meio ambiente.
Além disso, é importante lembrar que o Direito Ambiental demanda cooperação, interdisciplinaridade, ampla participação dos envolvidos e acesso à informação, o que pode ser efetivamente garantido pelos Mascs, pois eles favorecem o restabelecimento do diálogo entre os participantes, promovem a troca de informações para o alcance de soluções criativas voltadas à preservação, à proteção do equilíbrio do meio ambiente e ao desenvolvimento econômico e social, garantindo a sadia qualidade de vida pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, econômico e socialmente sustentável, que fica, assim, preservado para as presentes e futuras gerações.
De outro lado, não podemos deixar de lado que o uso dos Mascs em matéria ambiental obrigatoriamente deve enfrentar a discussão acerca da natureza jurídica dos interesses tutelados, que podem ser difusos, coletivos e individuais homogêneos, envolvendo direitos disponíveis ou não, o que implica refletir sobre a possibilidade de as partes envolvidas poderem transigir sobre os mesmos.
Para tanto, considerando que a legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais completas e avançadas do mundo, devemos utilizá-la em conjunto com as demais leis de nosso sistema jurídico, de forma teleológica, objetivando a melhor solução para aquele conflito ambiental.
Neste contexto, dependendo dos interesses discutidos, deve ser observado o que prevê nossa legislação acerca da legitimidade e interesse jurídico para ser “parte” neste processo, inclusive para preservação de eventuais direitos indisponíveis, concluindo, assim, não haver dúvida acerca da possibilidade de ser recorrer a tais métodos alternativos de soluções de conflitos em matéria ambiental relacionada a questões patrimoniais e disponíveis dos seus interessados.
Por exemplo, em se tratando de direitos difusos relacionados com algum conflito envolvendo uso da água, abastecimento, o Ministério Público tem quer ser parte necessariamente desta solução. Já na hipótese de direitos coletivos, em que uma associação de bairro pleiteia a conservação de um parque em razão de obras de construção civil em determinada localidade, os representantes legais desta associação precisam ser chamados para ser parte de uma mediação. Já no caso de direitos individuais homogêneos, podemos pensar na fase de liquidação de uma sentença judicial de uma indenização decorrente de um acidente ambiental que gerou danos à saúde de várias pessoas, resolvida mediante uma mediação ou conciliação entre as partes interessadas.
Há registros de diversos cases ambientais internacionais resolvidos, outros evitados, mediante o uso da arbitragem, da mediação e da negociação, como o da Mineradora BHP em Tintaya, no Peru, onde a mediação auxiliou a empresa no diálogo com os povos indígenas locais quanto à sua realocação da terra de seus ancestrais para dar lugar à mineração, além de minorar os impactos ambientais locais; aqui no Brasil, o projeto Minas-Rio, da mineradora inglesa Anglo American, que visa a exploração do minério de ferro, contou com técnicas de negociação para auxiliar na aquisição das terras necessárias para a passagem do gasoduto; nos Estados Unidos da América, o uso do rio Hudson para produção de energia; a disputa sobre a extensão da Interestadual 90 através do Lago Washington e em Seattle, e por onde ela seria construída; a disputa entre um desenvolvedor hidrelétrico de pequena escala, que queria extrair a água do lago em Swanville, Me. e a cidade de Swanville, que queria usar a água para outros fins; a cidade de Eau Claire, Wisconsin, estava envolvida em uma disputa com a cidade de Seymour, que Eau Claire havia escolhido como lixão; moradores de Port Townsend, Washington, solucionaram mediante um acordo sobre o novo local para a instalação de um terminal de balsas [1].
Considerando a finalidade e os princípios que regem a tutela do direito ambiental, podemos pensar que não somente direitos patrimoniais relacionados ao aspecto indenizatório decorrente de um problema ambiental podem ser resolvidos pelos Mascs.
Se imaginarmos uma situação anterior ao conflito ambiental, em que as partes interessadas possam ser previamente consultadas, audiências públicas realizadas, conversas entre os envolvidos, cada qual expondo seus interesses e preocupações acerca das vantagens e desvantagens das pretendidas intervenções que possam vir a gerar um impacto ou dano ambiental, seria possível e viável esta fase ser conduzida previamente por uma destas ferramentas de solução de conflitos, pois o resultado esperado de “ganha-ganha” atingiria seu potencial pleno, em que todos sairiam vitoriosos; mas o mais importante é que estaríamos, conscientemente, diminuindo o impacto ao ambiente de uma forma programada, sustentável e preservada para as futuras gerações.
Precisamos conferir aos Mascs a relevância necessária para que as soluções alcançadas por meio deles sejam definitivas, ou seja, sejam respeitadas por todos, principalmente pelos órgãos e instituições públicas, além do Poder Judiciário, pois somente assim a credibilidade que deles se espera será efetiva, além de ampliar sua utilização em larga escala nos mais diversos segmentos, o que certamente contribuirá para o desentrave da burocratização, fomentando mais investimentos e desenvolvimento econômico para nossa sociedade.
Diante do exposto, é possível concluir que os métodos alternativos de solução de conflitos em matéria ambiental apresentam vantagens em relação ao processo judicial, especialmente em termos de rapidez e efetividade na preservação do meio ambiente. A utilização desses métodos pode contribuir para o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, ao permitir que as partes cheguem a uma solução consensual, criativa e mais sustentável e protetiva para o conflito ambiental, trazendo, inclusive, para o processo todos os participantes e interessados, tais como, acionistas, stakeholders, comunidade local etc., o que faz com que o compromisso assumido vincule todos aos interesses ali discutidos. Além disso, trata-se de um ramo ainda inexplorado em nosso sistema jurídico, que, certamente, avançará cada vez mais, razão pela qual precisamos nos adequar a ele e preparar o “ambiente jurídico” e os novos profissionais para desenvolver as habilidades e as competências necessárias para utilizá-los.
[1] Settling Things — Six Case Studies in Environmental Mediation, matéria retirada do site do U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, https://www.ojp.gov/ncjrs/virtual-library/abstracts/settling-things-six-case-studies-environmental-mediation.
Por Juána Juliana Diniz Kashtan, advogada, mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direitos Difusos e Coletivos, pela PUC-SP, e especialista em Direito Constitucional Ambiental pela ESDC, além de mediadora e conciliadora pela ESA/OAB-SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2023, 7h07
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Extensão de competência: arbitragem e produção autônoma de provas

O direito autônomo à prova no CPC/2015
Antes da entrada em vigor do CPC/2015, a prova era uma importante etapa no exercício da função jurisdicional, como meio e não um fim em si mesma. Ou seja, a antecipação da prova no direito brasileiro era mero instrumento acautelatório, com o propósito de se resguardar e conservar a plena eficácia da prova a ser utilizada no processo principal.
Uma das grandes inovações do CPC/2015 diz respeito à “(…) admissão expressa do legislador de que a prova não se destina exclusivamente ao juiz, mas presta-se, igualmente, à formação do convencimento das partes quanto às chances de sucesso ou insucesso em uma eventual demanda, ou mesmo para viabilizar a solução extrajudicial dos conflitos” [1].
Ou seja, com o novo CPC, a prova deixou de ser uma simples etapa no exercício da função jurisdicional, para ser alçada à categoria de um direito autônomo, quando o conflito a ser solucionado se estabelece em torno da própria prova.
Neste sentido, o CPC/2015, no artigo 381, previu a produção antecipada de prova em duas novas hipóteses. No inciso II, a prova a ser produzida é suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. Já no inciso III, nas situações em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Em ambas estas hipóteses, o legislador dispensou o requisito de urgência, indispensável no regime do antigo Código de Processo Civil de 1973, para viabilizar a produção antecipada de prova, pois reconheceu que em algumas situações sua finalidade será meramente aclaratória.
E será nestas duas novas situações que o artigo irá focar, para trazer algumas considerações sobre a possibilidade de ajuizar ação probatória como exercício do direito autônomo à prova perante o Juízo estatal, em contrato que possui cláusula arbitral.
Arbitragem e produção autônoma de provas
Via de regra, a opção das partes pela solução de seus conflitos perante o Tribunal Arbitral afasta a competência do Poder Judiciário para sobre eles se pronunciar.
Entretanto, nos termos dos artigos 19 e 22-A da Lei 9.307/1996 – Lei de Arbitragem, nos casos de medidas urgentes, a escolha da arbitragem não é incompatível com a possibilidade das partes se socorrerem ao Poder Judiciário.
Desta forma, quando se está diante da produção antecipada de prova enquanto tutela de urgência, não há dúvidas da possibilidade do ajuizamento do pedido perante o judiciário, quando o tribunal arbitral ainda não estiver instaurado.
Ocorre que, como visto, não é sempre que a produção antecipada de provas se reveste do caráter de urgência. Nestes casos, estariam as partes autorizadas a pleitear a medida perante o Poder Judiciário?
Nos termos da Lei de Arbitragem e conforme o entendimento da maioria da doutrina, a regra é que as medidas probatórias não revestidas do caráter de urgência estão abrangidas pela convenção de arbitragem. Em outras palavras, se não há risco de que a obtenção da prova fique comprometida posteriormente, é necessário que primeiro seja instalado o Tribunal Arbitral para só então, se pleitear as medidas probatórias aos próprios árbitros.
Não obstante, uma vez que o CPC/2015 reconheceu que a função primordial do processo é solucionar conflitos e promover a pacificação social, alguns doutrinadores vêm entendendo que em determinadas situações excepcionais e enquanto não instalado o Tribunal Arbitral, é possível requerer a produção da prova em caráter antecipatório perante o Poder Judiciário, mesmo sem o requisito de urgência.
Eduardo Talamini[2] identifica três hipóteses em que se deve admitir a extensão da competência do Poder Judiciário às providências probatórias sem o caráter de urgência, enquanto não instalado o Tribunal Arbitral.
A primeira é verificada quando a produção probatória é que irá definir os contornos da pretensão da parte, permitindo até mesmo verificar se ela está abrangida pela convenção arbitral.
Também, nos casos em que já se sabe de antemão que haverá recusa da outra parte ao acesso à prova, sendo necessárias medidas coercitivas preliminares, cuja competência é exclusiva do juiz.
Como terceira hipótese, quando a produção da prova é de baixa complexidade e de curta duração, por exemplo, apresentação de documentos, de modo que exigir a instalação do Tribunal Arbitral, com todos os custos a ele inerentes se demonstra desarrazoado.
Apesar de ainda incipiente, a jurisprudência vem, em casos isolados e muito específicos, permitindo a produção antecipada de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo que as partes tenham optado pela solução dos conflitos perante a arbitragem.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do recurso de apelação nº 1093560-14.2016.8.26.0100, entendeu possível a produção antecipada de prova sem o requisito de urgência, como medida preparatória do procedimento arbitral perante o Poder Judiciário, por entender que a medida tinha por finalidade estabelecer um ambiente adequado para a instauração do juízo arbitral.
E apesar de aproximar a produção probatória autônoma das medidas cautelares, o fundamento relevante da decisão do Tribunal foi justamente permitir a delimitação pela parte dos contornos da pretensão e, com base na conclusão, decidir pelo início do procedimento arbitral.
Conclusão
O direito autônomo à prova é uma realidade no direito brasileiro moderno e é um importante elemento de pacificação social e de racionalização da prestação jurisdicional. A possibilidade da utilização da produção autônoma de provas enquanto fim, está adequada à otimização e eficiência processual.
Fundamentada nestas premissas, verifica-se hoje uma tendência, na doutrina e na jurisprudência, de se permitir a extensão da competência pré-arbitral às providências probatórias não urgentes, em situações excepcionais, quando a finalidade da prova seja delimitar os contornos da pretensão e verificar sua subsunção à arbitragem; quando houver dificuldade ou recusa concreta de acesso à prova; e quando a prova a ser produzida for de baixa complexidade e pequena duração.
Os defensores desta flexibilização da competência arbitral firmam seu entendimento no fato de que o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou inocorrência do fato e nem sobre suas consequências jurídicas, de modo que a competência do Juízo Arbitral estará preservada.
Por outro lado, aqueles que defendem a impossibilidade de produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, quando as partes optaram por submeter seus conflitos à arbitragem, sustentam seu entendimento no fato de que a Lei 9.307/96 prevê de forma restrita e taxativa as hipóteses de cooperação entre juízes e árbitros e a produção antecipada de provas perante o Poder Judiciário sem o perigo de dano não é uma delas.
No nosso entendimento, a evolução do direito à prova e do processo enquanto mecanismo de pacificação social, acabarão por consolidar a posição minoritária de se permitir a produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo existindo no contrato cláusula arbitral ou compromissória, em situações excepcionais como as já enumeradas.
Apesar disto, uma vez que inexistem critérios objetivos para definir as hipóteses em que a produção autônoma de prova perante o Poder Judiciário seria cabível, será necessário cautela dos Juízes e Tribunais na análise destas situações, sob pena de fazer da regra geral da Lei 9.307/96, letra morta.
Qualquer que seja a hipótese, contudo, uma vez instalado o tribunal arbitral, a competência para decidir sobre as provas é exclusiva dele.
Bibliografia
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Por Flávia de Faria Horta Pluchino, advogada, sócia do escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados e especialista em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-SP).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2023, 19h22
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A extensão da cláusula compromissória arbitral para não signatários do contrato

RESUMO
Este trabalho procura identificar os principais aspectos do fenômeno da extensão de efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros a partir da análise bibliográfica doutrinária e do estudo de casos jurisprudenciais. Inicialmente, reflete-se acerca do instituto arbitral em si e da presença obrigatória da cláusula compromissória como expressão da autonomia da vontade das partes. Em seguida, procura-se compreender os requisitos para uma possível extensão da cláusula arbitral para terceiros não signatários, com objetivo de avaliar o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto.
Palavras-chave: Arbitragem, Cláusula compromissória, Autonomia da vontade.
1. INTRODUÇÃO
A jurisdição arbitral é um método de solução de conflitos distintivamente privado, pautado na autonomia da vontade das partes, porém, tão vinculante quanto a via judicial, e que traz uma resolução de litígio célere e com grande eficiência técnica. Tem sua autoridade e legitimidade derivada de cláusula contratual expressa, de forma que essa expressão da vontade das partes em aderir à cláusula arbitral, por consequência, afasta a jurisdição estatal.
Por esse motivo, as controvérsias que envolvem terceiros tornaram-se polêmicas. São essas controvérsias o foco deste trabalho. Para cumprir a finalidade proposta, foi utilizado o método de pesquisa exploratória qualitativa, por meio de análise bibliográfica da doutrina principal sobre o tema, bem como a análise jurisprudencial, de onde foram extraídos, por dedução, os principais fundamentos utilizados pelos juristas para a extensão (ou não) dos efeitos da cláusula compromissória arbitral à terceiros.
O trabalho foi estruturado da seguinte forma: no primeiro momento, serão analisados os pontos principais da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos, suas características basilares, bem como o princípio da autonomia da vontade das partes. Em seguida, será abordada a cláusula compromissória – o requisito formal trazido na legislação como expressão da vontade das partes.
Por fim, reflete-se, mediante estudo da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, sobre a possibilidade de realização de arbitragem entre partes não contratantes, com o objetivo de perceber se a propositura e a assinatura formal de cláusula compromissória arbitral são necessárias para a submissão de terceiros alheios ao contrato à via arbitral.
2. A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL
Conforme Didier Junior (2015, p. 165), “autocomposição” é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio.
O CPC/15 valorizou os institutos autocompositivos, trazendo, em diversos momentos, a necessidade de promover as soluções alternativas de conflitos, a exemplo do art. 359, o qual dispõe que, uma vez iniciada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem (BRASIL, 2015).
Nesse sentido opinou o Ministro Lewandowski, ao defender que a solução para desafogar o Judiciário é a fuga da cultura da litigiosidade em direção a uma cultura mais alternativa e pacifista, e que esse objetivo pode ser alcançado com os meios alternativos de solução de controvérsias (informação verbal)[2].
Diferentemente da mediação e da conciliação, formas autocompositivas de solução de conflitos, a arbitragem é heterocompositiva, mas também é alternativa ao judiciário, garantindo às partes um grau muito maior de autonomia.
Ressalta-se que a arbitragem ganhou novos traços com o advento da Lei nº 9.307/96, visto que, anteriormente, era apenas regulamentada pelo CPC. Com isso, veio o êxito da arbitragem como solução pacífica dos conflitos (DELGADO, 2003). Nessa seara, nota-se que a dinâmica do instituto arbitral é altamente diferenciada, principalmente se comparada ao processo civil jurisdicional. Ressalta Santos (1999, p. 20):
É de avivar-se que a arbitragem é processo bem menos formal do que o judicial (tenho afirmado que não se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil à arbitragem), razão pela qual, com mais liberdade, os árbitros, com a colaboração das partes, impulsionam o processo, até porque a arbitragem sempre tem prazo para findar, convencional ou legal […]. É preciso, entretanto, realçar que no procedimento, qualquer que seja, não podem ser maculados os princípios fundamentais do processo, […] a saber, o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e o seu livre convencimento […].
As diferenças são muitas, mas ambas as vias apresentam estruturas semelhantes, quando considerados os conjuntos, ainda mais tendo em vista que ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos. O paralelismo encontra-se no respeito aos princípios garantidores do devido processo legal, guardadas as peculiaridades de cada instituto. (ARMELIN, 2007).
Carmona (2009, p. 51) define a arbitragem como:
Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Assim, entende-se que a principal característica que diferencia a arbitragem de outros meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, é o fato de que a sentença proferida por terceiro imparcial escolhido pelas partes é tão vinculante quanto a sentença proferida pelo Poder Judiciário.
No que tange às características típicas da arbitragem, vale pontuar que o procedimento arbitral é muito mais célere, principalmente porque é realizado em instância única, o que concede à arbitragem uma nítida vantagem em relação ao Judiciário.
Outra característica arbitral é a especialidade – ou expertise – dos árbitros que julgarão a demanda. A arbitragem é famosa pela tecnicidade dos seus julgadores, tendo em vista que qualquer pessoa pode ser designada, não apenas operadores do direito, o que permite a escolha de peritos no assunto do litígio. Ainda, outra característica é a confidencialidade dos procedimentos. A regra é o sigilo, ao contrário do que acontece no Judiciário.
Passa-se, então, à análise do princípio da autonomia da vontade das partes – não só relevante para o instituto da arbitragem como um todo, podendo ser considerado seu princípio regulador, mas também ponto fulcral para a análise da extensão dos efeitos da cláusula compromissória.
No sistema jurídico brasileiro, a convenção pela arbitragem possui fundamento contratual, conforme prevê o artigo 3º da Lei 9.367/96, que reforça enormemente a autonomia da vontade. Cahali (2015, p. 136- 137) ensina que:
É prestigiada a vontade das partes na arbitragem em seu grau máximo: começa com a liberdade para a indicação da arbitragem como forma de solução do litígio; e, prossegue, com a faculdade de indicarem todas as questões que gravitam em torno desta opção. Assim, estabelecem quem e quantos será(ão) o(s) árbitro(s), (…) e como será desenvolvido o procedimento arbitral.
Há, ainda, o princípio do pacta sunt servanda: o que foi pactuado entre as partes é vinculante para estas. Brekoulakis (2009) afirma que a disputa arbitral, quando baseada em duas pessoas jurídicas, limita-se pelo compromisso arbitral, e, dessa forma, terá de ser resolvida entre essas duas pessoas, de forma que outras partes que não consentiram previamente não podem ser incluídas na demanda.
A Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, XXXV, que nenhum conflito seja privado de apreciação pelo Poder Judiciário. Em contraponto, ao firmarem a convenção arbitral, as partes renunciam à jurisdição pública, de forma que a arbitragem representa uma forma de renúncia à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. Em razão disso, na teoria, somente aqueles que claramente consentiram com a cláusula compromissória poderiam participar do procedimento arbitral.
Conforme previsto no art. 4º, caput e § 1º, da Lei 9.307/96, a mesma deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserida em um contrato que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis ou firmada em instrumento apartado, referindo-se ao contrato principal (BRASIL, 1996).
O Supremo Tribunal Federal, na voz do Ministro Néri da Silveira, quando do julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5206-7/EP, que travava sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, manifestou-se no sentido de que não seria possível a instauração do juízo arbitral sem o consentimento das partes em sujeitar a demanda a ele, tendo em vista que o instituto é baseado, fundamentalmente, na vontade das partes.[3]
A arbitragem é uma faculdade, porém, se as partes firmam a convenção arbitral, por meio da cláusula compromissória, se obrigam a ela e afastam a jurisdição estatal. Conforme Gagliardi (2016, p. 222): “se assim é, vinculam-se na exata medida do consentimento expressado. Sem muito esforço, pode-se vislumbrar que a tutela da confiança influencia a análise da extensão e do alcance subjetivo da cláusula compromissória.”
O Superior Tribunal de Justiça ressaltou a importância da manifestação inequívoca da vontade das partes para a possibilidade de submissão à jurisdição arbitral, em sede de julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 885 – US (2005/0034898-7). Quando dessa oportunidade, o Ministro Relator Maurício Corrêa defendeu que:
Tal possibilidade [de submeter litígios à arbitragem], aplicável aos conflitos envolvendo interesses disponíveis, traduz-se, na realidade, em exclusão da jurisdição estatal. Deve, por isso mesmo, diante de sua excepcionalidade e importância, revestir-se de expressa e manifesta vontade dos contratantes, na forma do que estabelecem os arts. 4.º, 5.º e 6.º, da Lei 9.307/1996.[4]
No entendimento supracitado, o Ministro esclarece ainda que “não se admite, em consequência, até pela sua excepcionalidade, convenção de arbitragem tácita, implícita e remissiva, como se pretende” (BRASIL, 2002, p. 332). Nesse sentido, impossível seria submeter parte à jurisdição arbitral, eminentemente privada e pautada no consensualismo, quando da ausência de sua assinatura no contrato ou convenção que possui o compromisso arbitral.
Não obstante, com base na intrínseca relação entre a arbitragem e o princípio da autonomia da vontade, é necessário afastar-se das teorias de interpretação restritivas do compromisso arbitral, já que, nos casos práticos, oriundos de relações atuais bem mais complexas, é possível notar que a manifestação de vontade pode ser expressa por uma forma inequívoca que não a assinatura em um contrato. Fouchard pontua:
O acordo de vontades permanece, a princípio, essencial. Por este acordo, as partes conferem aos árbitros o poder de julgar sua disputa; existe, portanto, no centro da arbitragem, uma autorização que é subjetiva ou pessoal (nomeação de um árbitro como juiz) e objetiva ou real (…). Esta autorização é de origem contratual; é a vontade das partes que é a fonte da competência do árbitro; ela cria e fixa os limites. (FOUCHARD, 1965, p.10, tradução nossa).
A corte especial do STJ, no julgamento de Sentença Estrangeira Contestada nº 967, afirmou que a ausência de inequívoca demonstração da manifestação da vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta o princípio insculpido no ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes submeterem a solução dos conflitos à arbitragem.[5]
Train (2003, p. 487) ressalta que existe um conflito entre a autonomia da vontade e a eficiência das decisões arbitrais que, em determinados casos, exigem a presença, no processo arbitral, de um terceiro não signatário da cláusula compromissória. Reconhece que os tribunais arbitrais têm mudado a postura formalista, admitindo a equiparação do terceiro às partes, de forma que “em determinadas situações, é preciso que os árbitros incluam o terceiro, seja para evitar a fraude ou para permitir que a sentença, por eles prolatada, seja eficaz em relação a quem efetivamente participou do negócio.”
3. A EXTENSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA A TERCEIROS
O fenômeno no qual uma parte não signatária de cláusula compromissória pode ser intimada a participar de procedimento arbitral ficou conhecido, na doutrina, por “extensão da cláusula compromissória à parte não signatária”. Melo (2013, p. 59) exemplifica o contexto:
A sociedade A celebra com a sociedade B contrato de prestação de serviços. A sociedade C, integrante do mesmo grupo empresarial de que faz parte B, responsabiliza-se por executar algumas das obrigações assumidas por B no contrato. A sociedade A, alegando inadimplemento parcial do contrato, inicia arbitragem contra B (signatária) e C (não signatária). Nesta hipótese, a parte requerida C não assinou a convenção arbitral em que se funda a arbitragem e poderá, portanto, questionar a competência do tribunal arbitral para apreciar o pedido contra ela formulado por A.
De acordo com a doutrina contemporânea, existem duas principais teorias invocadas na prática arbitral: a teoria dos grupos de sociedades e a teoria dos grupos de contratos.
Inicialmente, os grupos de sociedades são considerados um fenômeno oriundo da segunda metade do século XX, com o fortalecimento do capitalismo e da globalização. Diante disso, compreende-se que os grupos de sociedades têm como objetivo concentrar suas atividades para obter mais eficiência e, também, reunir seus recursos para otimizar o desempenho empresarial e a persecução de lucros. Gonçalves (2006, p. 494) ensina o conceito de grupos econômicos:
O grupo econômico é definido como o conjunto de empresas que, ainda quando juridicamente independentes entre si, estão interligadas, seja por relações contratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principalmente, do capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercem o controle efetivo sobre este conjunto de empresas.
Ficam evidenciadas duas principais características: a unidade econômica e de direção das atividades e a independência jurídica das sociedades que integram o grupo econômico. É possível verificar, nessa ótica, no âmbito da concentração do poder empresarial, exceções à noção formalista da cláusula arbitral, quando existem indícios da participação de uma sociedade não-signatária no negócio jurídico. Essa participação, por si só, não é suficiente para uma extensão automática da cláusula, sendo necessária a análise, pelo Tribunal Arbitral, do comportamento das partes.
A título de exemplo, Leonardo Melo traz o entendimento corroborado pelo próprio STJ, por ação da 3ª Turma, que, no julgamento do REsp 434.856/RO, decidiu pela responsabilidade civil de um banco por obrigações assumidas por outra empresa do mesmo grupo econômico, por negócio que não fez parte diretamente, tendo em vista ser líder do grupo econômico e o negócio jurídico ter sido concretizado em razão do prestígio do grupo, de suas instalações físicas e dos próprios empregados. (MELO, 2013).
Todavia, é importante ressaltar que “a mesma tutela da confiança que justifica a expansão do alcance subjetivo da cláusula compromissória também atua como limite à sua incidência.” (GAGLIARDI, 2016, p. 227).
Não muito distante deste raciocínio encontra-se a segunda teoria, que versa sobre os grupos de contratos. O conceito do instituto de coligação contratual não está previsto expressamente no ordenamento jurídico pátrio, de forma que se utiliza a caracterização formulada pela doutrina e jurisprudência nacional.
Consideram-se um grupo de contratos (contratos conexos) aqueles que, embora estruturalmente diferentes entre si, guardam um nexo funcional e econômico. Gagliardi (2016, p. 223) explica que:
Contratos coligados são, muitas vezes, pensados para existir em conjunto, enquanto peças de um sistema dotado de uma causa supracontratual ou sistêmica, que se sobrepõe à causa de cada um dos contratos, não raro envolvendo até mesmo partes distintas. As prestações oriundas de negócios distintos integrantes de uma mesma coligação, voltada para um mesmo fim, em geral, configuram uma unidade econômica.
Um dos efeitos dos contratos coligados tange a oponibilidade. É nesse efeito que reside a possibilidade da extensão da cláusula compromissória, tendo em vista que a coligação impacta diretamente na competência para julgar os conflitos que se surgem (SILVA, 2010). A problemática encontra-se na diferença, no caso concreto, entre um negócio único com pluralidade de declarações e negócios múltiplos, ligados complexamente por nexos que não excluem sua individualidade.
Silva (2010, p. 63) pontua que um dos conceitos mais importantes nessa análise é o nexo finalístico, sendo esse um requisito imprescindível para a caracterização de contratos coligados: é o “fim contratual, o resultado ou efeito prático almejado, em conformidade com os interesses concretos das partes”.
Exemplo trazido por Souza (2017, p. 5) é o julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência 69.689/RJ, no qual o STJ entendeu que “o contrato de cessão de uso de imagem era coligado ao contrato de trabalho, sendo este o contrato principal, razão pela qual concluiu pela competência da Justiça Trabalhista para o julgamento dos litígios oriundos de ambos os contratos.”
Nota-se, portanto, que diante do estudo das duas teorias, o principal fundamento para a possibilidade de extensão da cláusula arbitral é a real vontade das partes. No âmbito do julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 856-EX (2005/0031430-2), de 18 de junho de 2005, o STJ analisou a vontade das partes: a cláusula arbitral não havia sido assinada pelas partes, não possuindo, portanto, validade e eficácia jurídica, retirando a competência do juízo arbitral. Apesar disso, o Tribunal entendeu pelo reconhecimento de uma “cláusula compromissória tácita”.
Na análise concreta do caso, o STJ entendeu que a parte requerida havia tido participação efetiva no processo, com apresentação de defesa e falta de impugnação ao Tribunal Arbitral. Por esse motivo, o Ministro Relator Carlos Alberto Direito concluiu que “houve inequívoca aceitação da convenção arbitral”[6]. Além disso, outro fator que influenciou o reconhecimento de consentimento com a arbitragem foi o fato de que a requerida havia procedido ao cumprimento parcial do contrato.
Wald e Galindez (2005, p. 244), em comentário sobre o julgado, afirmam que o STJ teria aplicado à risca, a esta análise, o princípio da boa-fé, de modo que o comportamento das partes influenciou de forma decisiva para a compreensão da sua vontade e da manifestação tácita de adesão ao compromisso arbitral.
Percebe-se, portanto, que do mesmo modo que fora admitido pelo STJ a existência de cláusula compromissória tácita, com suporte na premissa da real vontade das partes, é totalmente viável a extensão da cláusula compromissória a contratos dela desprovidos, desde que as provas analisadas no caso concreto demonstrem a presença dessa vontade.
Salienta-se que, em casos julgados após o supracitado, o STJ retornou a interpretar de forma restritiva, no sentido de declarar que a cláusula compromissória deve ser formalmente assinada para que seja competente o juízo arbitral. (GOMES, 2018). Apesar de um retrocesso temporário, o STJ tornou a reverter o posicionamento em cenário mais recente.
Trata-se do julgamento do REsp n. 1.639.035/SP, no qual o STJ decidiu pela extensão da cláusula compromissória existente apenas no contrato principal (contrato de abertura de crédito) aos contratos coligados a ele (contratos de swap). O Min.Rel. Sanseverino enfatizou que:
Extraindo-se que num sistema de coligação contratual o contrato reputado como sendo o principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos que a ele se ajustam, não se mostra razoável que uma cláusula compromissória inserta naquele não tivesse seus efeitos estendidos aos demais.[7]
Por sua vez, o Min. Salomão, voto-vencido, defendeu que a ausência de cláusula compromissória expressa nos contratos de swap impede que os litígios decorrentes de tais pactos sejam dirimidos pela via arbitral, sob pena de violar o princípio da autonomia da vontade das partes que, segundo o Ministro, “constitui a própria ratio essendi desse método alternativo de heterocomposição de litígio.”[8]
Sobre o tema, Konder (2019) ensina que deve-se ter cautela para não ocorrerem generalizações simplistas no modelo “principal-acessório”, sendo preciso investigar se o silêncio no instrumento acessório, de alguma forma, significa uma escolha pelo Judiciário ou apenas uma dispensa de nova manifestação pela arbitragem, já feita pela cláusula arbitral no contrato principal.
Em vista de todo exposto, tem-se que o entendimento do STJ caminha no sentido da possibilidade de manifestações tácitas de consentimento. Gomes (2018, p. 67) ressalta que “assim como a inferência de consentimento pelo silêncio, a inferência do consentimento mediante o consentimento tácito do não signatário não é ampla e irrestrita, mas antes decorre das particularidades de cada caso.”.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identifica-se que é cristalina a possibilidade de extensão de cláusula arbitral a partes não signatárias do contrato, mediante análise dos requisitos casuísticos, ou seja, das peculiaridades de cada caso concreto. Seja na teoria dos grupos econômicos ou dos grupos de contratos, o que se verifica é a necessidade de expressão inequívoca da vontade das partes em se submeter à jurisdição arbitral.
Justamente por essa razão, qualquer decisão do tema perpassa uma análise minuciosamente circunstancial, para, então, aferir a real vontade das partes na situação fática analisada, com base, também, na boa-fé objetiva e em seus deveres anexos.
Nesse sentido, é corolário-lógico da análise dos fundamentos trazidos pela doutrina e pela jurisprudência nacional que o formalismo da regra que exige a forma escrita para o estabelecimento de cláusula compromissória vem sendo relativizado. Isso posto, “repita-se que estender os efeitos da cláusula arbitral é a exceção, e não a regra”. (SILVA, 2010, p.77).
Opina-se que a busca pela manifestação da vontade expressada tacitamente realmente é essencial para compreender se o terceiro não signatário envolvido no litígio consentiu com a jurisdição arbitral, com base na sua análise comportamental. Concluindo-se, então, que caso consentimento seja demonstrado, e que o não signatário tenha agido como verdadeira parte contratual, a submissão à via arbitral encontra-se autorizada.
REFERÊNCIAS
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WALD, Arnoldo; GALINDEZ, Valeria. Homologação de sentença arbitral estrangeira: contrato não assinado: desnecessidade de concordância expressa com a cláusula compromissória. Revista de Mediação e Arbitragem, v.2, p.243-247, jul-set. 2005.
APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ
2. Fala do Ministro Ricardo Lewandowski, em discurso na reunião-almoço mensal do Instituto de Advogados de São Paulo, em 28 nov. 2014.
3. Citação extraída do voto-vista do Ministro Néri da Silveira, fls. 1.189 dos autos do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206-7 – EP.
4. Citação extraída do voto do Min. Relator Maurício Corrêa, fls. 326, dos autos da Sentença Estrangeira Contestada 6753-UK.
5. “PROCESSUAL CIVIL. SEC – SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE REQUERIDA. OFENSA A PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. […]. 2. Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral. 3. A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem […].” (SEC 967-EX, Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 15.02.2006).
6. Citação extraída do voto do Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, fls. 16, nos autos da Sentença Estrangeira Contestada 856-EX.
7. Citação extraída do voto do Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, fls. 83, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
8. Citação extraída do voto do Min. Luis Felipe Salomão, voto-vencido, fls. 105, nos autos do REsp n. 1.639.035/SP.
Por Mariana Vazquez Cabral da Silveira, Pós-graduada em Direito Contratual pela Faculdade Legale, Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). ORCID: 0000-0002-2752-9292.
Fonte: Núcleo do Conhecimento – 21/03/2023.
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Falência da parte não justifica afastamento da convenção de arbitragem pelo juízo estatal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a convenção de arbitragem não pode ser afastada pelo juízo estatal sob o argumento de hipossuficiência financeira da parte contratante que teve a falência decretada.
“Diante da falência de uma das contratantes, que firmou cláusula compromissória, o princípio kompetenz-kompetenz deve ser respeitado, impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.
A decisão teve origem em ação ordinária com pedido de indenização ajuizada por um grupo de empresas do ramo da construção civil contra seus investidores, em razão de suposto descumprimento na entrega dos aportes financeiros e na execução das garantias.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito, diante da existência de cláusula arbitral. Em apelação, a decisão foi reformada, e afastada a convenção arbitral, em virtude da situação de hipossuficiência financeira de uma das autoras, cuja falência foi decretada.
O tribunal considerou que a massa falida havia pedido a gratuidade de Justiça, o que demonstraria sua total impossibilidade de suportar as despesas da arbitragem.
Celebração de cláusula compromissória tem força vinculante
Em seu voto, Nancy Andrighi lembrou que a celebração da cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos, a competência atribuída ao árbitro.
“A celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio kompetenz-kompetenz)”, afirmou.
A magistrada destacou que, ao contrário do entendimento do tribunal de origem, o estado de falência posterior ao processo arbitral não impede o regular prosseguimento da arbitragem já instaurada, e, ainda que houvesse dúvida nesse sentido, tal questão deveria ser dirimida pelo tribunal arbitral, não cabendo à parte acionar o juízo estatal, como forma de preservar o princípio pacta sunt servanda, a autonomia privada e a segurança jurídica.
“O juízo arbitral prevalece até mesmo para análise de medidas cautelares ou urgentes, sendo instado o Poder Judiciário a atuar apenas em situações excepcionais que possam representar o próprio esvaimento do direito ou mesmo prejuízo às partes”, acrescentou a ministra.
Tribunal arbitral deve decidir sobre a instauração da arbitragem
Quanto à hipótese dos autos, Nancy Andrighi registrou que – embora a jurisprudência e a doutrina admitam a submissão de questão urgente à análise do Judiciário até que se instaure o procedimento arbitral – a situação financeira da empresa deve ser apresentada ao tribunal arbitral, para que ele mesmo decida sobre a viabilidade ou não da instauração da arbitragem.
“Nota-se pelos pedidos da inicial que não se busca nenhum tipo de medida cautelar que possa excepcionar o juízo arbitral; ao contrário, pretende a parte discutir o próprio conteúdo do contrato que contém cláusula compromissória, almejando a substituição da jurisdição arbitral pela estatal”, disse a relatora.
Leia o acordão no REsp 1.959.435.
Fonte: STJ – 16/03/2023 07:00
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Métodos Alternativos de Resolução de Conflito

Resumo:
No presente estudo fez-se uma análise concisa e objetiva das metodologias para resolução alternativa de conflitos. Citou-se a forma judicial, que frequentemente mostra-se mais letárgica e custosa, a despeito de sua credibilidade junto à população; apontou-se a instituição dos Juizados Especiais como bem-vindo mecanismo de simplificação, modernização efetivação do direito de acesso à Justiça; mencionou-se a alternativa paraestatal e que, não raro, acabam por ser ilegais, expondo de forma negativa as partes envolvidas; abordamos, por fim, as metodologias atuais mais aceitas e adequadas para solução alternativa de conflitos, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem que, a despeito de ainda estarem em período relativamente inicial e até embrionário de aplicabilidade em nosso País, mostram-se como maneiras bastante viáveis para a necessária resolução de conflitos, inclusive em âmbito internacional. Evidenciou-se as principais vantagens de tais métodos, tais como economia de tempo e recursos financeiros, o ganho quanto evolução social onde as partes contribuem diretamente com a solução do próprio litígio, o peculiar sigilo em relação aos temas abordados no litígio e os elementos trazidos à análise. Por fim, conclui-se que a despeito da ainda relativamente baixa permeabilidade social, estes últimos métodos têm verdadeiro impacto superlativos, se adotadas de formas mais efetivas e estratégicas, para desafogar o Poder Judiciário de um sem número de demandas.
Palavras-chave: Conciliação. Mediação. Arbitragem. Poder Judiciário. Métodos Alternativos. Solução de conflitos.
Abstract:
In this present study, a concise and objective analysis of the methodologies for alternative conflict resolution was carried out. The judicial form was mentioned, which often proves to be more lethargic and costly, despite its credibility with the population; the institution of Special Courts was pointed out as a welcome mechanism for simplification, modernization and a way of effectiveness of the right of access to Justice; the parastatal alternative was mentioned as being frequently illegal, negatively exposing the parties involved; Finally, we approach at the most accepted and appropriate current methodologies for alternative conflict resolution, such as conciliation, mediation and arbitration, which, despite still being in a relatively early and even embryonic stage of applicability in our country, show themselves as being a quite viable way for the necessary resolution of conflicts, even under international perspecrive. The main advantages of such methods were evidenced, such as a time and financial resources saver, the gain in terms of social evolution where the parties contribute directly to the solution of the dispute itself, the peculiar secrecy in relation to the topics addressed in the dispute and the elements brought to the analysis. Finally, it is concluded that despite the still relatively low social permeability, these last methods could have a real superlative impact, if adopted in more effective and strategic ways, as a relief to the Judiciary with its countless number of demands.
Keywords: Conciliation. Mediation. Arbitration. Judiciary Branch. Alternative Methods. Conflict resolution.
1 Introdução
A sociedade é um corpo dinâmico e com uma infinidade de nuances que permeiam os mais diversos extratos sociais que a compõem.
Diante desta realidade, é inocente e até pudico acreditar que apenas uma forma de solução de conflitos possa, de fato, estar apta a resolver, da maneira mais adequada, todo esse matiz de relações sociais.
A partir dessa constatação, e justamente em razão da dinamicidade das relações sociais, é que passam a surgir alternativas para a busca da solução de conflitos. Tais métodos permeiam, desde o mais denso e complexo procedimento judicial, passando por sistemas mais simplificados e objetivos adotados pelos Juizados Especiais, tangenciando, meios extrajudiciais de solução de disputas (conciliação, mediação e arbitragem) e constatando-se, por último, alternativas paralelas (e não raro ilegais) para uma imposição de resolução ao conflito posto.
Tomando esta realidade como pano de fundo, o presente estudo teve como metodologia a pesquisa doutrinária e bibliográfica sobre a realidade cotidiana do Judiciário brasileiro, com análise de dados estatísticos fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre as formas, riscos e benefícios, além do impacto destas formas alternativas de resolução de conflitos, tanto para a sociedade quanto para o próprio Poder Judiciário.
A realização do mesmo justifica-se por conta da relevância dos temas e métodos abordados e que, a despeito de suas evidentes vantagens, ainda tem uma capilaridade bastante restrita na sociedade brasileira atual, devendo ser dadas a conhecer e ter sua utilização estimulada sempre que possível.
2 Dos Métodos
No que tange às mencionadas alternativas paralelas e eventualmente ilegais de solução de conflito, estas costumam surgir em ambientes onde o Estado, com sua estrutura legal e jurídica lhana, não permeia satisfatoriamente os indivíduos ou deles não possui credibilidade.
Estas situações de fato são frequentemente constatadas em comunidades mais carentes ou não abarcadas pelo aparelho estatal, onde a população se socorre de lideres locais para a busca de uma espécie de jurisdictio2 paraestatal como mecanismo para a solução de sua contenda.
Por ser uma forma não legalmente reconhecida como mecanismo legal para solução de litígios, não abordaremos esta forma específica de maneira mais detida, cabendo-nos mencionar sua existência eis que, de fato, vem sendo há tempos utilizadas por parte da população brasileira.
Como já observou a doutrina, há de se ter nos membros da sociedade uma sensação de pertencimento para que os eventuais jurisdicionados adiram a um determinado método de solução de conflito e, neste particular, cabe ao Estado propiciar as condições para que isso ocorra (BACELLAR, 2012). Quando este mostra-se ausente, deixa espaço para o florescimento de alternativas nem sempre adequadas ou justas para a resolução de conflitos.
A título exemplificativo imagine-se uma família que resida em um barraco, construído em terreno invadido, como em uma favela. Este núcleo social, sujeito de direito por excelência, acaso precise solucionar um problema, sentindo-se “excluído” e distante do aparato estatal, acaba por buscar dentre os lideres desta mesma comunidade, quem possa fazer as vezes de juiz e, não raro, acabam por se sujeitar à constrangimentos, violência, medo e ameaças para sobreviver em um ambiente que se obrigou ou precisou se inserir e acabou por ser acolhido.
A despeito de sua efetiva e constatável existência, por se tratar de situação à margem do Estado Democrático de Direito, apenas sinalizamos a sua ocorrência sem, contudo, aprofundar-nos em seu estudo.
No outro extremo do espectro de possíveis maneiras de solução de conflitos, temos o método dito judicial.
Neste caso, estamos falando do Poder Judiciário que, como reflexo do Estado Democrático do Direito, impõe suas normas, métodos e procedimentos para dar a quem o procura, a solução ou jurisdição ao problema apresentado.
Nesta plataforma estatal já avançamos muito no quesito acesso, quando adotamos, por exemplo, uma postura mais simplificada à questões de menor complexidade com os Juizados Especiais.
A lei 9099/95 trouxe consigo uma estrutura principiológica que tem como objetivo a facilitação da busca judicial para a solução, por meio do Estado, para o conflito que se apresenta. Foram albergadas nesta legislação causas menos complexas e de valor inferior ao da Justiça Comum e, a par disso, autorizou que o cidadão, sponte sua, sem a necessidade de intermediários (advogados, procuradores, et cetera), apresente seus fatos e argumentos para, através disso, consiga que lhe seja dito seu direito.
Não foi diferente a alavancagem da acessibilidade quando da instituição dos benefícios da Justiça Gratuita que, tal e qual a lei dos Juizados Especiais, trouxe à população menos abastada, um empoderamento muito maior do que antes, autorizando que buscasse o Estado Juiz para a solução do conflito posto, sem que, para tanto, fosse obrigada a dispor de dinheiro para ter o efetivo acesso à Justiça (v.g. pagamento de custas processuais).
Neste particular, inclusive, há de se ter em mente que em momento anterior à instituição dos benefícios da justiça gratuita e dos próprios Juizados Especiais, uma parcela considerável de cidadãos brasileiros ficava à margem da sociedade quanto ao acesso e efetivo direito de busca da Justiça.
Porém, ambas as situações, a despeito de expandirem e facilitarem tal acesso, ainda se mostram insuficientes e falta ao próprio Estado o efetivo cumprimento de leis e medidas que deveria observar.
Neste particular mencionamos valores como celeridade, transparência, imparcialidade, probidade e efetividade que embora constem da legislação, na prática, em diversos casos, distanciam-se do objetivismo e justeza legal desejada pelo legislador e partem para um emaranhado nebuloso e pernicioso que acaba por desacreditar a própria Justiça.
Por fim, temos visto ganhar força três pilares que, em nosso sentir, tem o condão de atender os valores supramencionados e, ao mesmo tempo, desafogar o Poder Judiciário dando, ao jurisdicionado, o poder de resolver seus próprios conflitos.
Tratam-se da Mediação, da Conciliação e da Arbitragem que, a despeito de serem métodos alternativos de solução de conflitos, possuem sutilezas e características que as diferenciam entre si.
2.1. Mediação, Conciliação e Arbitragem
Parafraseando Aristóteles “in médium virtus”3 e, partindo desse axioma, abordamos de forma mais detidas os métodos que, no nosso sentir, tem o potencial mais supino para impactar de forma positiva a população, trazendo um amadurecimento enquanto sociedade e tendo, como reflexo, o desafogamento do Poder Judiciário.
No relatório Justiça em Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)4 temos a indicação de que, para cada grupo de 100.000 habitantes, 10.675 ingressaram com uma ação junto ao Poder Judiciário no ano de 2020 5. Projetando tais números para a população do Brasil em 2022 6, temos que o Judiciário receberá cerca de 22.9 milhões de novas ações.
Os números são superlativos e, como mostram os gráficos abaixo, a despeito da tendência de baixa entre os anos de 2019 e 2020 (muito em razão da pandemia), há um histórico de casos pendentes de cerca de 69.1 milhões de processos 7.
O mesmo relatório aponta como gargalos a produtividade dos processos nas fases de conhecimento e execução e cujos números levam-nos à uma inescapável conclusão. O volume de ações iniciadas é muito superior àquelas encerradas pelo Poder Judiciário e este represamento reflete numa imagem de morosidade e ineficiência deste mesmo Poder.
Enquanto o número de litígios aumenta, o número de situações solucionadas não acompanha tal crescimento e a partir destes dados, impõe-se a busca por formas mais adequadas para a solução dessa enxurrada de demandas.
Neste plano apresentam-se a Conciliação, a Mediação e a Arbitragem que, a despeito de serem institutos semelhantes em sua origem (forma alternativa de solução de conflitos) possuem nuances que merecem destaques quanto aos seus riscos, benefícios e efetivos reflexos no Poder Judiciário.
A Mediação tem seu conceito dado pela lei 13.140/15 que diz se tratar de técnica de negociação na qual um terceiro imparcial e sem poder decisório é indicado ou aceito pelas partes e as auxilia a encontrar uma solução que atenda ambos os lados.
Veja-se que na Mediação o terceiro imparcial não tem poder decisório e, na prática, o mediador torna-se uma espécie de conselheiro que auxilia o diálogo entre as partes sem, contudo, poder sugerir ou impor termos e condições para a celebração de eventual acordo, cabendo àquelas realiza-lo.
A Conciliação é um método muito similar, porém, conforme dispõe o art. 165 do Código de Processo Civil, o conciliador atuará preferencialmente em casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio sendo, entretanto, proibida a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Neste particular há de se mencionar os CEJUSCS (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania).
Mediação e Conciliação, em que pese tratadas como sinônimos, apresentam uma sutil diferença onde a técnica usada na conciliação visa, sobretudo, aproximar as partes de forma mais direta, havendo uma efetiva participação do conciliador na construção da solução do conflito. Por seu turno, o mediador interfere menos na solução, atuando de forma mais detida na aproximação das partes.
Ambas as formas alternativas de solução de conflitos podem ser realizadas tanto no âmbito judicial quanto no extrajudicial, orientando-se sempre pelos princípios da imparcialidade, isonomia, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca pelo consenso, confidencialidade e boa-fé.
De acordo com MORAES (1999), o processo da mediação é, muitas vezes, desenvolvido quando as partes, além do interesse que buscam ter respeitado, apresentam-se em um estado sentimental conturbado sendo dever do mediador trabalhar para amenizar estas rusgas e as suas respectivas consequências.
Neste método de resolução de conflitos percebemos uma grande economia financeira e de tempo, tendo a oralidade como regra para a apresentação dos pontos sobre os quais há dissenso. Como resultado prático temos uma reaproximação das partes, grande autonomia das decisões e o equilíbrio na relação estre ambas.
Na conciliação temos igualmente um terceiro imparcial, mas, neste caso, este terceiro pode sugerir termos ou condições para que as partes, após eventuais concessões mútuas, encontrem a solução mais adequada para o caso posto em análise.
Neste método, tal e qual a mediação, constata-se também a economia financeira e de tempo; a oralidade pode prevalecer, mas não é incomum a exposição dos fatos de maneira escrita. Por fim, verifica-se a impossibilidade de o conciliador impor qualquer espécie de decisão terminativa eis que, como a própria nomenclatura sugere, trata-se de um acordo, com concessões havidas entre os envolvidos, com escopo final em solucionar a contenda com a adesão dos contendores.
Por derradeiro temos a arbitragem. Esta é um meio privado de solução de conflitos, relativos à direitos patrimoniais disponíveis, onde as partes selecionam um ou mais especialistas na matéria objeto da controvérsia e este, após análise e eventual produção de provas e oitiva dos envolvidos, decidem a controvérsia de forma definitiva.
Na arbitragem há uma espécie de transferência da decisão para este(s) terceiro(s) imparcial(ais) e ela tem origem na chamada cláusula arbitral onde além da participação, os envolvidos optam de forma definitiva por abrir mão do Poder Judiciário, mesmo diante de uma sentença arbitral não favorável.
Uma particularidade quanto à arbitragem é que, embora se assemelhe mais com o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário sendo, portanto, adversarial, da decisão exarada pelo árbitro, não é cabível qualquer tipo de recurso sem, contudo, afrontar o disposto no artigo 5º. XXXIV, a e XXXV da Constituição Federal.
Como característica comum aos três métodos supracitados, temos a inexistência de elementos preestabelecidos ou forma procedimental, podendo variar de acordo com o contrato entre as partes, a instituição responsável pela tentativa de composição ou pela decisão, e mesmo a matéria de que trata a controvérsia.
3 Benefícios e Impactos no Judiciário
Em vista do analisado, temos que os benefícios apresentados pelas três formas alternativas de conflitos são superlativos.
O ganho de tempo, a economia de dinheiro, o empoderamento das partes na busca ativa pela solução dos seus próprios problemas, acaba por refletir de forma mais positiva na tão almejada paz social; sobretudo porque a construção da solução partiu dos próprios contendores.
A oralidade, o equilíbrio da relação e a própria reaproximação das partes, são fortes elementos que, em última análise, quando estimulados, acabam por trazer uma evolução social como um todo onde, ao invés de buscar resolver as diferenças por meio de litígio e imposição de uma solução, os envolvidos a constroem, sponte sua.
Por fim, dentre os benefícios, chamamos a atenção para a confidencialidade e o sigilo estipulado na arbitragem.
Esta é uma das grandes pedras de toque na utilização da arbitragem como forma de solução de litígio.
Imagine-se uma disputa envolvendo uma empresa como a Coca-Cola e um dos seus fornecedores de matéria prima. Numa demanda judicial, pública por excelência, a discussão da fórmula da Coca-Cola e as espécies e quantidades de insumos que utiliza poderia pôr em grande risco segredos industriais seculares e expor aos seus concorrentes informações cruciais para o sucesso do seu negócio.
Num conflito desta espécie, ao optarem pela Arbitragem, as partes poderiam estipular cláusula de confidencialidade e sigilo, de modo que a discussão e a solução havida no procedimento, acaba por dizer respeito exclusivamente aos envolvidos, evitando-se assim qualquer tipo de publicidade e riscos às partes envolvidas.
Tal privacidade, de capital relevância no mundo negocial e empresarial, não é tida, em princípio, como relevante no Poder Judiciário e, na prática, sobretudo neste ambiente mercadológico, pode ser peça fundamental para viabilizar a busca da solução de um conflito.
Nesta toada, e pelos diversos pontos sinalizados neste estudo, percebe-se um impacto considerável no Poder Judiciário, sobretudo na redução de demandas e de todo o aparato necessário para resolver as mesmas.
Veja-se neste sentido que o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça), indicou em seu relatório de 2021 que houve, no âmbito do Poder Judiciário, um índice de até 20,6% de conciliações em processos de conhecimento, e de até 6,2% nos processos em fase de execução nos últimos anos.
Se transportarmos estes percentuais ao volume de novos processos esperados para 2022 (22.9 milhões de novas ações), temos uma considerável redução de mais de 4.72 milhões de processos.
A depender da divulgação e do estímulo à estas formas alternativas de solução de conflitos, os números poderão ser até superiores, mas, o volume já apontado implica em incomensurável economia de tempo, dinheiro e pessoal, que acabam podendo ser realocados para o acompanhamento daquelas demandas que efetivamente exigem a intervenção estatal por meio do Poder Judiciário.
As vantagens e os benefícios, em nosso sentir, são expressivos e devem ser considerados como efetiva via de escape para a supostamente insanável letargia judicial.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou contribuir para o desenvolvimento do conhecimento e ampliação do alcance dos métodos alternativos de solução de conflitos.
Vivemos em uma sociedade que, dadas as maneiras até então existentes, acabava por se tornar eminentemente litigiosa, buscando de forma quase que exclusiva o Poder Judiciário para a solução de seus litígios.
O gradual surgimento de alternativas solucionar os litígios existentes, além de estimular uma evolução social com a atuação positiva dos envolvidos na busca da solução do problema, acaba por impactar de forma ainda mais positiva no Poder Judiciário, já abarrotado de processos e cujos números demonstram um maior número de ações iniciadas do que finalizadas.
Essa desjudicialização acaba por indicar um amadurecimento social como um todo, além de, como já dito, refletir de forma positiva na redução de demandas longas e burocráticas postas à julgamento sem, entretanto, ofender o princípio da inafastabilidade e do acesso ao Poder Judiciário.
Neste âmbito, a conciliação, a mediação e a própria arbitragem vêm, com seus métodos característicos, como ferramentas do Estado e da própria população (sem depender daquele) em busca de resolutividade do problema e não de litigiosidade para a mesma finalidade, trazendo verdadeira luz no fim do túnel em favor de todos os envolvidos.
Finalizada a revisão bibliográfica, conclui-se que se tornou possível uma melhor compreensão das principais variáveis de cada uma das alternativas mencionadas, bem como verificar e entender em que pontos e de quais formas cada uma destas ferramentas pode auxiliar os envolvidos e a população como um todo em vista da efetiva solução dos seus impasses.
5 Referências
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo. Saraiva, 2012 – Coleção Saberes do Direito; 53.
CNJ. Relatório Justiça em Números – 2021. [Ebook]. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf . Acessado em 20/04/2022.
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem – doutrina – legislação – jurisprudência. Editora Método. 2ª. Ed. 2007.
IBGE | Projeção da população – https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html.
KAMINSKI, Omar (organizador). Internet Legal: o direito na tecnologia da informação. Curitiba. Juruá, 2003.
KAMEL, Antonie Youssef. Mediação e Arbitragem. Curitiba. Intersaberes, 2017
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2001.
MORAES, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem: alternativas à Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

……
2. Dizer o direito (tradução livre)︎
3. A virtude está no meio. (tradução livre)︎
4. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf︎
5. Relatório Justiça em Números – 2021 – fls. 112 – Figura 61︎
6. https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html – 214.508.000 habitantes – acessado em 22/04/2022 – 10:18h︎
7. Relatório Justiça em Números – 2021 – fls. 171 – Figura 114︎
Por Eduardo Faria de Oliveira Campos, advogado. Mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase no Direito Internacional pela Must University, Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Universidade Estadual de Londrina, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina.
Fonte: Jus, 16/02/2023 às 11:20
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A arbitragem “pegou” e pode salvar o seu negócio

A arbitragem não é um mecanismo novo no país. Desde a época do Brasil Império, já havia a previsão normativa da solução de conflitos por meio de um árbitro, isto é, por um terceiro não pertencente à estrutura jurisdicional do Estado, eleito pelas partes, idôneo e com conhecimento específico sobre a matéria a ser decidida.
Porém, a tradição jurídica e social do país — muito afeita à autoridade estatal — sempre tratou a arbitragem com desconfiança e receio, já que o instituto quebra a ótica do monopólio do “estado-juiz” na solução de conflitos. Isso ajuda a explicar o porquê de, mesmo após a edição da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), no longínquo ano de 1996, o instituto ainda demorou a “pegar” no país.
Sem surpresas, foi sobretudo com o aval de decisões recorrentes das cortes superiores que a arbitragem passou a gozar de segurança jurídica suficiente para permitir sua popularização. Um marco foi a confirmação da constitucionalidade da Lei de Arbitragem, em 2001. Outro exemplo é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se firmou no sentido de reconhecer que, uma vez escolhida a arbitragem pelas partes, é do próprio árbitro, com primazia sobre o Poder Judiciário, a prerrogativa de deliberar sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem; ou seja, é dele a palavra final para decidir sobre sua própria competência para julgar o caso. Sem essa garantia, que constitui princípio básico da arbitragem em todo o mundo, a autoridade da decisão arbitral seria sempre questionada no Poder Judiciário, perpetuando o conflito cuja resolução rápida e segura as partes confiaram ao procedimento arbitral.
A inclusão de cláusula compromissória de arbitragem passou, então, a dividir espaço com as cláusulas de eleição de foro judicial nos contratos. As câmaras arbitrais proliferaram e ganharam renome. E, hoje, o Brasil está entre os países que mais utilizam a arbitragem no mundo.
As vantagens são claras e justificam a crescente popularização. O procedimento é substancialmente mais rápido, uma vez que anos de contenda judicial se resumem em alguns meses de arbitragem, cuja sentença é final, sem espaço para cadeias infindáveis de recursos. As partes gozam de ampla autonomia e paridade para definirem regras específicas do procedimento arbitral, incluindo o prazo para o proferimento da sentença e realização de atos processuais diversos. A escolha do(s) árbitro(s) pelas partes — sempre guiada pela imparcialidade garantida pela lei e pelo máximo grau de especialização — permite o julgamento da causa por autoridades no assunto, o que torna a arbitragem especialmente valiosa para causas que envolvam questões muito específicas e técnicas, algo inviável de se exigir de um juiz que é chamado a decidir ampla gama de conflitos. Soma-se ainda o sigilo garantido ao procedimento e ao resultado da arbitragem, se assim quiserem as partes.
Portanto, é possível perceber as claras vantagens que arbitragem possibilita na resolução, por exemplo, de conflitos societários, em que uma decisão rápida e sigilosa pode ser a diferença entre a derrocada definitiva da empresa e a sua sobrevivência. Afinal, nenhuma empresa resiste a embates entre os sócios, sobretudo quando se arrastam em processos judiciais mofados, ou quando a publicidade do conflito potencializa os danos causados à sociedade.
A arbitragem também tem espaço na proteção de toda sorte de negócios e contratos que se aproveitam das vantagens do procedimento e contornam suas limitações, que, sim, existem. Um exemplo é que o valor para instauração da arbitragem é usualmente mais custoso do que para o ingresso de uma ação judicial (embora a redução do tempo do processo minore ou suplante essa diferença). Além disso, o juízo arbitral não possui competência para fazer cumprir suas decisões, de modo que o Poder Judiciário ainda é necessário para compelir pessoas e executar, bloquear e transferir bens.
As limitações da arbitragem, porém, não importam na conclusão de que apenas contratos e negócios de valor muito elevado são dignos da cláusula arbitral. Em realidade, é fundamental uma análise conglobante e especializada, por profissionais habilitados, acerca da adequação do uso da arbitragem, a fim de guiar a decisão dos contratantes, possibilitando, ao final, a proteção necessária para a perpetuação e fruição do negócio.
A arbitragem, enfim, “pegou”, e é mais uma ferramenta à disposição da pacificação social e desenvolvimento econômico.
Por Rodrigo Gomes dos Anjos Lima, advogado graduado pela Ufes, associado ao escritório Oliveira Cardoso Advogados e especialista em Direito Ambiental pela UFPR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2023, 17h49
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Em evento no IAB, coautor da Lei de Arbitragem diz que projeto que muda regras é inconveniente

O coautor da Lei de Arbitragem vigente no Brasil, Pedro Antônio Batista Martins, afirmou que o projeto de lei 3.293/21, que altera regras da legislação atual, é inconveniente e contrário à essência de liberdade que move a arbitragem. Entre outras mudanças, a proposta da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) pretende limitar o número de processos por árbitro e tornar públicos os termos das arbitragens. Os impactos da possível alteração e a relação entre a arbitragem e a insolvência foram debatidos no evento promovido pela Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) nesta sexta-feira (18/11).
A mesa de debate foi conduzida pela presidente da Comissão, Adriana Brasil Guimarães, e contou com a presença do presidente da Comissão de Arbitragem da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), Joaquim Tavares de Paiva Muniz, e do administrador judicial de falências e recuperação judicial Bruno Rezende. A mediação das discussões foi feita pelo vice-presidente da comissão organizadora, Alexandre Gonçalves, e pela advogada e membro da mesma comissão Raquel Rangel.
O coautor da lei atual não vê motivos para alterar a norma que, segundo ele, “introduziu no Brasil um sistema novo de solução de conflitos”. Para Pedro Batista, é inconveniente ocupar o Congresso Nacional, que tem muitas demandas relevantes, com um projeto que não contribui com a arbitragem. De acordo com o jurista, os advogados e os árbitros aperfeiçoaram o sistema vigente. “O que nós precisamos é fortalecer a autorregulação. Por que mexer em algo que está dando certo para o País?”, questionou. Para Martins, “cabe às Câmaras de Arbitragem a fiscalização do comportamento e do desenvolvimento das ações”. Em consonância, Joaquim Muniz disse que não é papel do Estado interferir no aprimoramento da arbitragem, que é realizado pelos agentes do processo.
“Temos que ter portas de resolução de conflitos para além do Poder Judiciário”, afirmou Pedro Batista. A arbitragem, acredita Muniz, é a solução rápida alternativa ao sistema estatal sobrecarregado. “Como diria Ruy Barbosa, ‘justiça tardia não é justiça’, e por isso a arbitragem é tão popular”. A limitação de 10 processos por árbitro, segundo Muniz, não está respaldada por nenhuma métrica jurídica. Como consequência disso, a própria estrutura de arbitragem poderia ser prejudicada pela ausência de profissionais qualificados dispostos a se dedicar exclusivamente à atividade, já que haveria uma limitação de carga de trabalho e remuneração. Para o advogado, o impedimento de repetição na composição de árbitros em arbitragens diferentes é outro ponto da norma que carece de justificativa.
Segundo Muniz, muitas pessoas escolhem a arbitragem para discutir com sigilo questões sensíveis. Por isso, a publicização dos processos contraria a possibilidade de confidencialidade das arbitragens. “Ao permitir que a sentença seja publicada na integralidade, você simplesmente vai começar a fazer uma prova na arbitragem menos robusta”, avaliou. Para Raquel Rangel, a ausência de propósito claro, por parte da proposta, torna o projeto de lei “nefasto para todos os que trabalham com a arbitragem”. Outra consequência caso o PL seja aprovado, lembrou Adriana Guimarães, seria o impacto na economia brasileira, que afastará a adoção desse método de resolução de conflitos no País. “Se limitarmos a arbitragem da maneira como consta no PL, vamos acabar com a arbitragem no Brasil. E com isso, com certeza as partes vão eleger as sedes das arbitragens em outros países, no exterior, e não mais no Brasil”.
Insolvência – O segundo painel do evento discutiu a relação entre a insolvência – quando o devedor não tem recursos para saldar suas dívidas – e a arbitragem. O mediador do debate, Alexandre Gonçalves, acredita que os assuntos estão relacionados diretamente, já que a arbitragem assumiu um papel relevante como método alternativo de resolução de diferenças e é aplicada no Direito Empresarial. “Considerando a função social desempenhada pela empresa e o consequente interesse público na sua preservação, a insolvência empresarial deve ser analisada em cotejo com diversos outros institutos, sendo importante compreender a coexistência entre a arbitragem, a jurisdição estatal e a jurisdição privada”, afirmou.
Segundo Bruno Rezende, o Brasil está 50% abaixo dos países vizinhos no âmbito da resolução da insolvência. O advogado acredita que o projeto que modifica as regras de arbitragem afeta o debate de inadimplência porque, no ambiente da insolvência, há facilidade de conciliação alternativa: “O administrador judicial deve sempre que possível estimular a mediação, a conciliação e, mais do que isso, os meios alternativos de solução de conflitos. Se tratando de recuperação judicial, é óbvio que os administradores da empresa não ficam despojados de sua atividade”.
Rezende explicou que a mediação está sendo muito utilizada para solucionar problemas de recuperação judicial, o que pode tornar o administrador judicial capaz de trazer para a jurisdição arbitral a solução das questões do processo. “A falência visa a realocação eficiente dos ativos da economia e o retorno do empresário ao empreendedorismo”, afirmou. Por isso, para ele, a solução é aperfeiçoar os mecanismos que tratam do tema: “Devemos trabalhar melhor as falências, dando transparência ao banco de ativos. Não tenho dúvida de que o mercado está ávido para, tendo segurança jurídica e celeridade, investir nos processos”.
Fonte: IAB – Sexta, 18 Novembro 2022 16:32
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Considerações sobre a Lei de Arbitragem no Brasil

Apesar de sensível aparato regulador, é comum a existência de conflitos de interesses que são inerentes à vida em sociedade, o que reclama, de algum modo, a atuação do Estado, a fim de manter a paz social e zelar pela harmonia e cumprimento da ordem jurídica. Tais litígios podem ser resolvidos no modelo heterocompositivo ou autocompositivo. Essa derradeira ocorre quando as próprias partes resolvem seus conflitos. As principais formas de solução de conflitos por tal método, que são: autotutela, conciliação, mediação e transação.
Já heterocomposição é técnica pela qual as partes elegem terceiro para prover a solução do litígio, tendo como principais formas a jurisdição e a arbitragem. E, superando os parâmetros anteriores, a Lei 9.307/1996 que teve sua constitucionalidade questionada junto ao Supremo Tribunal Federal, em incidente vinculado ao processo de homologação de uma sentença arbitral estrangeira proferida em Espanha, por suposta ofensa à garantia de acesso à justiça, prevista no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal brasileira de 1988.
No trâmite do processo foi promulgada a Lei 9.307 em 1996, que passou a dispensar a homologação desse laudo na justiça do país de origem. Em vista disso, o Ministro Moreira Alves, no julgamento do recurso suscitou a questão de constitucionalidade da lei em comento. Eis que fora questionada a constitucionalidade da Lei no Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206-7l, o qual, em 10.10.1996, após voto do relator Ministro
Sepúlveda Pertence, requereu a conversão do julgamento em diligência para colher parecer do Ministério Público Federal, a fim de examinar se a lei que passou a disciplinar a arbitragem no Brasil ofenderia ou não o princípio de livre acesso ao Judiciário.
In litteris, eis o parecer do então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro: “(…) o que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estabelece é que a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não estabelece que as partes interessadas não excluirão da apreciação judicial suas questões ou conflitos. Não determina que os interessados devem sempre levar ao Judiciário suas demandas. Se se admite como lícita a transação relativamente a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à Constituição abdicar do direito instrumental de ação através de cláusula compromissória”[1].
E, em se tratando de direitos patrimoniais disponíveis, não somente é lícito e constitucional, mas é também recomendável aos interessados – diante do acúmulo de processos e do formalismo excessivo que têm gerado a lentidão das demandas judiciais – abdicarem do direito ou do poder de ação e buscarem a composição do conflito por meio de sentença arbitral cujos efeitos sejam idênticos àquele das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário.
A partir da leitura do voto do Ministro Néri da Silveira, é possível, ainda, vislumbrar outros trechos do parecer acima indicado do Procurador-Geral:
“E quanto ao controle jurisdicional de lesão ou ameaça a direitos, é de se observar que a Lei n.º 9.307/96, na verdade, o prestigia nos seus arts. 6.º, 7.º, 32, 33, 38 e 39, nas hipóteses de recalcitrância em firmar compromisso, nulidade ou invalidade do juízo arbitral e ofensa à ordem jurídica nacional. O legislador ordinário permitiu, de um lado, a pacificação de determinados conflitos de interesses sem a intervenção estatal, mediante compromisso arbitral[2], com nítidas vantagens para os interessados, e, de outro, garantiu o livre acesso ao Poder Judiciário àqueles que tiverem direitos violados por inobservância das regras fixadas para a arbitragem”.
Tal entendimento sagrou-se vencedor, superando os votos em contrário que suscitaram a inconstitucionalidade da lei ora em comento, sob a razão de afrontar a garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Eis que no bojo constitucional vigente há a menção de que a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, e, portanto, é possível arrematar que nenhuma lei poderá impor a aplicação compulsória  da arbitragem. Mas, não é esse o objetivo da Lei 9.307/1996, já que não impõe a utilização obrigatória do instituto.
Cahali ainda lecionou que a lei não impõe a utilização de arbitragem, mantendo íntegro aos interessados o acesso à jurisdição estatal, porém,  como expressão da vontade e liberdade de contratar, nas questões relativas aos direitos patrimoniais disponíveis, permite que seja eleito o palco arbitral para a solução do conflito.
Conclui-se que a Constituição Federal brasileira vigente não proíbe que as partes contratem formas extrajudiciais de solução de conflitos, não havendo, com isso, uma renúncia abstrata à jurisdição.
Evidentemente, se as partes são livres para transigir e o são para contratar, em face do princípio da autonomia da vontade, podem, igualmente, através da mesma autonomia de vontade poderá decidir pela extinção dos conflitos através da solução arbitral.
Foi oportuna a digressão história realizada pelo Ministro Ilmar Galvão, em seu voto, acerca do mandamento constitucional que fora objeto de discussão, quando da análise da constitucionalidade da Lei de Arbitragem, in litteris: Veja-se, agora, se iniciativa dessa ordem encontra óbice no princípio da garantia do acesso ao judiciário, assim enunciado no inc. XXXV do art. 5.º da Constituição: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Registre-se, por primeiro, ser opinião pacífica na doutrina que a norma  surgida, entre nós, na Carta de 1946 (art. 141, § 3.º) –, constituiu verdadeiro escudo contra eventual reiteração de práticas do Governo Vargas, quando inquéritos policiais e de outra natureza eram instaurados contra pessoas a quem, de ordinário, não se propiciava garantias comezinhas como a do contraditório e a da ampla defesa, pronunciando-se, a final, contra elas, decisões sumárias, finais e impositivas, insuscetíveis de reexame pelo Judiciário.
A norma, assim, não é de ser vista como impositiva do ingresso de pessoas físicas em juízo toda vez que seus direitos subjetivos são afrontados, constituindo antes uma garantia do que uma imposição, consoante ressalta o parecer da douta Procuradoria-Geral da República.
A digressão histórica corroborada pela Ministra Ellen Gracie sobre o dispositivo, in litteris:
“A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais, contra atos dos poderes públicos”.
Não se trata de exclusão  do Judiciário brasileiro em face de eventual lesão às partes, pois existe efetiva possibilidade de controle judicial da sentença arbitral em relação à sua validade.
A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais, contra atos dos poderes públicos.
O entendimento era o oposto, de que, tendo a legislação permitido a renúncia do direito de ação, sem definição ou indicação de lides determinadas ou determináveis, ainda que meramente possíveis e eventuais, não seria tolerada pelo ordenamento constitucional. E, neste sentido expôs o Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:
Viu-se, com efeito, que o empecilho à incidência, na hipótese, da regra geral do art. 639 CPC, é a impossibilidade, nos termos do dispositivo, de o juiz substituir pela própria a vontade da parte recalcitrante, “regulando matéria estranha ao conteúdo do negócio preliminar” – qual é, em relação à cláusula compromissória, a determinação da lide a ser submetida à arbitragem.
Ora, essa impossibilidade não a pode suprir a lei ordinária, sem ferir a garantia constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CFRB/1988, art. 5.º, XXXV).
Só não a transgride o compromisso, porque, por força dele, são os próprios titulares dos interesses objeto de uma lide já concretizada que, podendo submetê-la à jurisdição estatal, consentem em renunciar à via judicial e optar pela alternativa da arbitragem para solucioná-la. E só para isso.
Na cláusula compromissória, entretanto, o objeto dessa opção, posto que consensual, não são lides já determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e eventuais, de contornos indefinidos; quando muito, na expressão de Carnelutti, lides determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir.
A renúncia, com força de definitiva, que aí se divisasse à via judicial já não se legitimaria por derivação da disponibilidade do objeto do litígio, que pressupõe a sua determinação, mas, ao contrário, consubstanciaria renúncia genérica, de objeto indefinido, à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem.
Sendo a vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes de Miranda de que fere o princípio constitucional invocado – hoje, art. 5.º, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes “eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem”.
Não posso fugir, desse modo, à declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6.º e do art. 7.º da Lei de Arbitragem e, em consequência, dos outros dispositivos que delas deriva, isto é, no art. 41, da nova redação dada aos arts., 267, VII, e 301, IX, do CPC (que estendem a qualquer modalidade de convenção de arbitragem – e, pois, à hipótese de simples cláusula compromissória – a força impeditiva da constituição ou da continuidade do processo judicial sobre a mesma lide objeto do acordo arbitral), o art. 42, que acrescenta um novo inciso, n. VI, ao art. 520 CPC para incluir no rol dos casos de apelação com efeito só devolutivo, o da interposta contra a sentença “que julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem”.
A final decisão judicial foi prolatada em dezembro de 2001 e, apesar de todos os ministros terem votado pelo deferimento do recurso, isto é, no sentido de homologar o laudo arbitral espanhol no Brasil, deu-se discordância sobre a constitucionalidade do diploma legal, com a maioria de votos pela constitucionalidade.
Então, os Ministros Sepúlveda Pertence, relator do recurso, bem como Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves entenderam que a Lei de Arbitragem seria inconstitucional por criar obstáculos ao acesso ao  Judiciário, tido como direito fundamental previsto na Lex Magna vigente.
Já, no sentido oposto, votaram os Ministros Maurício Corrêa, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim e Ilmar Galvão não vislumbraram ofensas à Constituição Federal brasileira e, ainda, consideraram o avanço trazido pela lei, concluindo que a opção voluntária das partes ao procedimento arbitral não  ofende o princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Judiciário.
Não obstante as discussões ocorridas no STF sobre a constitucionalidade ou não da Lei da Arbitragem, Luiz Guilherme Marinoni afirma que tal questão, fora, realmente desvirtuada, não se podendo dizer que a atividade do árbitro[3] tem natureza jurisdicional, embora sua escolha não ofenda à Constituição, já que jurisdição só pode ser exercida por pessoa investida na qualidade de juiz, nos termos constitucionais vigentes.
O ilustra doutrinador argumento que a referida confusão oriunda dos debates da Suprema Corte decorrente de uma primária falta de percepção da essência da jurisdição e do fundamento da arbitragem.
A crítica feita, literalmente: Afirmou-se, logo após a publicação da referida lei, que não é possível excluir do Poder Judiciário o julgamento de um conflito e, portanto, que tal lei era inconstitucional. Em resposta, foi dito que a atividade do árbitro também é jurisdicional e, assim, que as dimensões da jurisdição teriam sido ampliadas, o que daria legitimidade constitucional ao julgamento do árbitro. (…)
A discussão em torno da constitucionalidade da arbitragem – isto é, da ideia de excluir o Judiciário do julgamento dos conflitos levados ao árbitro – foi completamente desvirtuada, uma vez que a filosofia da arbitragem se relaciona exclusivamente com a questão da autonomia da vontade, sendo correto se dizer que a Lei da Arbitragem teve apenas o propósito de regular uma forma de manifestação da vontade, o que nada tem a ver com as essências da jurisdição e da arbitragem.
Frise-se que a Lei n.º 9.307/96 foi tida como constitucional pela Suprema Corte brasileira, após intensos debates, ganhando credibilidade nos últimos anos pela solução rápida e informal dos litígios e vencendo uma resistência histórica provocada pelos empecilhos criados pelo Código Civil de 1916, seguido pelo Código de Processo Civil de 1939 e aquele de 1973.
Reconhecer a constitucionalidade da Lei n.º 9.307/96 certamente foi um grande avanço para o instituto no ordenamento jurídico brasileiro, eis que colocou o Brasil em vantagem no cenário internacional da arbitragem, que cada vez mais ganha espaço na solução adequada e alternativa de certos conflitos.
Na ausência de uma legislação sobre o tema, ter-se-ia um Judiciário mais lento e precário do que aquele que se tem atualmente, abarrotada de demandas que poderiam ser resolvidas de forma rápida e eficaz, com uma abordagem diversa, hodiernamente, delineada pela arbitragem.
Afora isto, colocaria o Brasil em uma situação de inferioridade nas relações internacionais, amplamente, dinamizadas pela globalização econômica e, que, por essa razão, exigem celeridade na solução das controvérsias eventualmente existentes.
Espera-se que no futuro, em breve, a arbitragem não seja apenas uma solução adequada para resolução de litígios, mas reduza amplamente a sobrecarga imposta ao Judiciário e permita, assim, a verdadeira concretização do acesso à justiça, direito fundamental garantido na Constituição Federal brasileira.
Explanando-se sobre a arbitragem pela sua acepção e os conceitos doutrinários relevantes, bem como, definir natureza jurídica em sentido estrito, além de outros elementos correlatos. A natureza jurídica, seja em concreto ou abstrato é buscar sua origem e função no direito.
Para De Plácido e Silva a natureza jurídica é a matéria de que compõe a própria coisa, é sua compleição.
Ao se pronunciar sobre a natureza jurídica, classificamos e sistematizamos dentro de universo maior, na busca de seu gênero, procurando um encaixe entre conceitos, funções, tipos, classes e, etc. A arbitragem é ato, um negócio jurídico ou um contrato onde exalam as características peculiares que tanto o direito precisa para sua devida regulação.
A natureza jurídica da arbitragem ainda é assunto de polêmica na doutrina pátria, como dito alhures, uma vez que o tema se cerca de elementos caracterizadores ecléticos tanto do direito privado quanto público. Francisco Cahali, no entanto, afirma que a polêmica teria sido solucionada com a Lei n.º 9.307/96, que deu nova roupagem à arbitragem no Brasil.
Essas divergências doutrinárias, no entanto, não são privilégio brasileiro, já que, segundo aponta Ricardo Ranzolin, essa contenda foi herdada da doutrina italiana, onde os debates são, de igual modo, arrebatadores.
As teorias acerca do assunto são, basicamente, quatro, quais sejam: publicista, privatista, híbrida e autônoma, todas as quais serão abordadas a seguir.
Uma das correntes teóricas que externam a classificação do instituto da arbitragem é a publicista ou jurisdicionalista, levada à frente por Ludovico Mortara, segundo destacado por Luiz Guilherme Marinoni.
Referido como “(…) quello che viene considerato il massimo exponente della corrente c.d. giurisdizionale dell´arbitrato”, conforme apresenta Ranzolin.
 O autor aponta, ainda, que, no Brasil, a corrente é defendida por Carlos Alberto Carmona, Nelson Nery Júnior, Humberto Theodoro Júnior, entre outros.
Esta corrente sustenta que a arbitragem, representada em seu maior ícone pelo árbitro, tem natureza jurisdicional, e sua existência é proclamada pelo Estado, que lhe atribui legalmente poderes para resolver os conflitos que lhes são submetidos. A arbitragem teria o reconhecimento de jurisdição de caráter público e de forma extraordinária.
Lembremos, portanto, que a arbitragem somente existe porque assim o Estado permitiu, criando, controlando e disciplinando tal atividade, sendo o árbitro uma persona autorizada pelo Poder Público a realizá-la com o fito de resolver o conflito que lhe foi posto pelas partes que o escolheram especificamente para tanto, enquanto  o juiz se diferencia deste pelo fato de ser um agente escolhido pelo Estado e, não por particulares, além, do rito processual que lhe é inerente.
Outro adepto da corrente publicista é Nelson Nery Junior que afirma com firmeza que:
A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por título judicial (…).
Para a corrente publicista, o artigo 18 da Lei n.º 9.307/96 é claro ao afirmar que o árbitro é juiz de fato e de direito e que tal posição, além de lhe conferir um múnus publicum,  por si só, sustenta de forma significativa os demais argumentos dessa vertente.
Também corrobora a visão pública da natureza jurídica da arbitragem é a consideração de título executivo judicial prevista no Código Fux, em seu artigo 515, inciso VII.
Apesar da corrente publicista ter muito destaque diante das demais teorias, estamos longe de pacificação quanto à natureza jurídica definitiva da arbitragem. Pois não pode ser tida como jurisdicional ao se ter como alicerce os conceitos de jurisdição comumente adotados, o que não lhe retira, entretanto, a observância de certos conceitos que orientam a atividade jurisdicional, como, por exemplo o princípio do devido processo legal.
A corrente privatista que mira a autonomia da vontade tem como crucial virtude valorizar o aspecto negocial humano, a corrente contratualista ou privatista que teve como nomes célebres Giuseppe Chiovenda, Salvatore Satta que enxerga na arbitragem o reflexo do pacta sunt servanda.
Juristas como Eros Grau e o saudoso Teori Zavascki já prestigiaram posicionamentos que consideravam a natureza contratual da arbitragem, ou ao menos, rejeitavam a sua natureza jurisdicional. De acordo com os privatistas, os contratos pactuados entre as partes devem ser respeitados e cumpridos, e a arbitragem nada mais é do  que pacto contratual assumido por pessoas capazes, que podem, em algum momento, divergir sobre suas cláusulas, submetendo-se, a posteriori e por livre vontade às suas regras.
Igualmente, percebe-se que a autonomia da vontade é potencializada ao seu máximo e, os exemplos esclarecedores são a escolha do direito material e processual, até o modo como o mérito será analisado, se por equidade ou por  direito. A fora isso, as partes poderão ainda optar pelo uso dos costumes, dos princípios gerais do direito ou  nas regras internacionais de direito.
Os contratualistas afirmam que a arbitragem não pode ser entendida como de natureza pública, porque sua sentença, em verdade, é corolário do que foi anteriormente pactuado, pois o Estado não tem sobre esta ingerência, o que as partes acordaram, desde que esteja dentro dos ditames legais. A atribuição do árbitro para decidir, nada mais seria, do de dar cumprimento ao contratado.
Seguindo a linha exposta, os privatistas se apegam ao fato de que a sentença não tem força coercitiva autônoma, isto é, se a parte desfavorecida pela sentença se recusar a cumpri-la é necessária a busca pelo judiciário para seu cumprimento. Não existe fase de execução de sentença, mas somente a sua prolação e entrega às partes.
Quanto à qualidade da decisão arbitral, o árbitro escolhido estaria sempre tecnicamente mais bem preparado do que o juiz de investidura, pois possuiria conhecimento específico e apurado em sua respectiva área de formação, o que, em tese, dispensaria auxílio técnico ou pericial em geral.
Cumpre lembrar que, para cada caso levado à arbitragem, é possível que haja regularmente árbitros especialistas no assunto em litígio, cabendo somente às partes decidirem se querem quaisquer deles.
Além do que foi dito, a arbitragem tem natureza privada pelo fato do árbitro não possuir a investidura dos juízes togados. Logo, não sendo membro do Poder Judiciário, jamais sua função teria caráter público, uma vez que a entrada na esfera arbitral desde o pacto contratual estipulado pelas partes, seja por cláusula compromissória, seja por compromisso arbitral, reflete a hegemonia da autonomia da vontade em sua forma mais primitiva.
De fato, os argumentos privatistas perderam espaço com a Lei 9.307/1996, a qual teria adotado, aparentemente, a teoria jurisdicional da arbitragem. Pois, antes do referido diploma legal, essa  teoria era mais latente pelo fato da sentença arbitral se aperfeiçoar através de sua homologação pelo Poder Judiciário, e ainda assim havia vozes a sustentar a natureza jurisdicional da arbitragem.
Muitos doutrinadores e defensores da teoria sustentam que a arbitragem continua marcada pela autonomia da vontade, na fase antecedente, pelo contrato, e na consequente, pela solução adequada do conflito, no limite do que fora contratado.
Sendo tão notório o confronto entre as correntes publicistas e as privatistas, tenta-se justificar a natureza jurídica da arbitragem como sendo mista, híbrida ou intermediária, ou conciliatória conforme propôs Francesco Carnelutti que uniu as características mais marcantes das duas frentes, para que a terceira proposta seja uma doutrina abalizada.
Essa corrente aduz que a arbitragem realmente tem raízes na autonomia privada ou vontade das partes e que, após a convergência de seus respectivos objetivos, que antes eram individualizados, juntam-se e se entregam à sorte da decisão arbitral.
Também afirma que, apesar da autonomia negocial reger o procedimento arbitral, não se separa do caráter público de jurisdicionalidade no momento último de seu atuar, ou seja, o da sentença.
Assim, a arbitragem, nesse aspecto, teria no mínimo dois momentos de relevo: um inicial de caráter privado, por ajuste das partes, e outro final no qual prepondera o caráter público da sentença arbitral. É certo também que durante todo o caminho percorrido pelo procedimento arbitral aparecem elementos complementares com escopo privado e público.
Essa mescla de valores não pode ser dissociada da arbitragem, já que na verdade ela possui fortes tendências, tanto de caráter privado, sobretudo no aspecto negocial, quanto de caráter público, uma vez que obteve do Estado sua certidão de nascimento, por assim dizer.
A ideia sobre a arbitragem ser híbrida ganha espaço na doutrina especializada, que vem admitindo e adequando esse instrumento de solução de conflito às correntes publicista e privatista. Não há como negar o olhar atento dessa teoria que reúne os pontos mais relevantes das outras duas já citadas. De um lado, admite-se a autonomia da vontade para a submissão da arbitragem, e de outro, não se exclui a força jurisdicional pela legalidade do procedimento e execução das decisões proferidas em sua sede.
Na doutrina nacional, Alexandre Freitas Câmara abraça a referida teoria, conforme se depreende da leitura de suas lições.
A ação foi ajuizada em 1995, sentença estrangeira 5.206-7 em que foram partes MBV Commercial and Export Management Establishment e Resil Indústria e Comércio Ltda., a empresa estrangeira que pretendia homologar uma laudo de sentença arbitral dada no Reino da Espanha, para que tivesse efeitos no Brasil, o que inicialmente fora indeferido.
A corrente autonomista negando todas as correntes anteriores,  uma pequena parcela da doutrina passou a pregar uma natureza jurídica diferente para a arbitragem.
Trata-se de  ver o procedimento arbitral, não como inserto na dicotomia entre o público ou privado, mas ao contrário, como um procedimento com identidade própria que independe das classificações do direito privado ou do império do poder público, desvinculado de qualquer sistema jurídico existente. Seria algo em torno da natureza estritamente processual. É dizer que a arbitragem nem é contratual nem jurisdicional, mas somente arbitragem.
Dessa forma não existiria a dualidade público-privada, mas um trinômio que incluiria a arbitragem com uma natureza própria e exclusiva, que não se confundiria com nenhuma outra natureza.
Essa teoria ganha espaço no cenário internacional, em que há total liberdade de contratar, com independência à ordem local de uma ou outra. parte, tratando o instituto como soberano, já que a arbitragem pode ser retirada de qualquer ordenamento. Afirma, ainda, que “cria-se, por essa teoria, uma jurisdição própria, independente e diversa da jurisdição que integra um sistema jurídico”.
Em decorrência das teorias acima descritas, pode-se afirmar que a arbitragem não é instituto novo, pelo contrário, é de longa data sua utilização e a natureza jurídica pode variar no tempo e no espaço
Existem relatos de sua utilização na Antiguidade, por exemplo, com o Código de Hamurabi[4] onde qualquer pessoa podia se socorrer do rei para dirimir seus litígios; na Grécia Antiga onde os litigantes escolhiam o árbitro e a pretensa sentença era afixada nos templos espalhados pela cidade como forma de dar publicidade; e na Roma antiga que também tinha a figura de um árbitro escolhido pelas partes que julgava de modo muito célere as contendas.
Na América do Sul, o sistema argentino de modo similar ao brasileiro, permite que uma das partes procure o judiciário caso a outra negue submissão à arbitragem mesmo depois de assinar a cláusula arbitral. Neste caso, o juiz suprirá a negativa do dissidente e o forçará perante o procedimento arbitral.
Já o México, a Venezuela, o Equador e o Chile utilizam mecanismos de conciliação entre contribuintes e fisco. Carmona comenta que a Itália, desde 1993 se ajustou às convenções de Genebra e Estrasburgo com o fito de uniformizar sua legislação arbitral interna.
No restante da Europa e Ásia diversos países se utilizam da arbitragem buscando uma solução rápida, técnica e confiável, como bem se espera de toda a arbitragem.
Vale lembrar que se está falando tanto da legislação nativa quanto da adesão a convenções internacionais sobre a matéria. As diferenças giram em torno somente de poucos institutos frente ao bojo procedimental a que se tem acesso.
A arbitragem também pode ser utilizada para conflitos na esfera consumerista e para os tribunais terem força coercitiva para executar suas decisões, como ocorre em Portugal, mas não ocorre na imensa maioria dos países a exemplo do Brasil, cujo árbitro não tem força para executar a sentença, mas somente de entregá-la como título executivo judicial.
No ordenamento jurídico brasileiro há forte tendência em se confiar cada vez mais nas decisões arbitrais pela especificidade e qualificação dos árbitros em lidar com causas complexas, o que não acontece no judiciário que precisa buscar auxílio técnico especializado fora do âmbito dos tribunais, confirmando mais uma vez que a arbitragem ocupa um importante papel na solução de litígios.
A arbitrabilidade é a “condição essencial para que um determinado conflito seja submetido à arbitragem”, e a “possibilidade de um litígio ser submetido a arbitragem voluntária (…) tendo em conta não só a natureza do objecto do litígio, como também a qualidade das partes”.
Nesse ponto, destaca-se a doutrina de Carmen Tibúrcio, a seguir transcrita: Denomina-se arbitrabilidade a viabilidade jurídica de submeter determinada controvérsia à arbitragem. O tema é relevante porque nem todas as partes podem se vincular à arbitragem e, além disso, não são todas as questões que podem ser apreciadas em juízos arbitrais. Dizer que o litígio não é arbitrável significa que não pode ser solucionado por tribunal arbitral, de modo que a arbitrabilidade é uma condição de validade da convenção de arbitragem e, consequentemente, da competência dos árbitros.
O artigo 1.º, da Lei n.º 9.307/96, prevê, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Salienta-se que os requisitos são legais, e não ajustados pelas partes entre si. Logo, a arbitrabilidade não se confunde com a convenção arbitral, pois esta resulta da vontade das partes, enquanto aquela deriva de norma legal.
A Lei n.º 9.307/96 define os limites da esfera de liberdade das partes para que possam adequar o procedimento arbitral aos seus interesses[5].
A arbitrabilidade subjetiva refere-se à capacidade das partes, isto é, à aptidão de serem titulares de direitos e deveres, a teor do art. 1.º, do Código Civil. Assinala-se, no entanto, a diferença entre titularidade e exercício do direito.
O Código Civil brasileiro estabelece algumas restrições ao exercício em razão da idade, da falta de discernimento por problemas mentais ou vícios e da prodigalidade, consoante arts. 3.º e 4.º, do referido Código. Nos casos de incapacidade relativa ou absoluta, o exercício dos direitos está condicionado à assistência ou representação, respectivamente.
Na lição de Cesar A. Guimarães Pereira, “discute-se se o incapaz pode ser representado ou assistido na celebração da convenção de arbitragem e na condução da arbitragem em si, tal como ocorre perante o Poder Judiciário”.
A doutrina diverge nesse ponto, razão pela qual “não se pode afirmar com segurança que será reconhecida como válida uma arbitragem envolvendo incapaz, ainda que representado ou assistido”.
A arbitrabilidade subjetiva (ratione personae) verifica a possibilidade de as partes submeterem-se ao juízo arbitral e está intrinsicamente relacionada à autonomia da vontade das partes, o que restringe o uso da arbitragem a um determinado grupo de pessoas. Pelo art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, somente pessoas capazes de contratar poderão submeter-se à arbitragem.
Conforme a doutrina de Carmen Tibúrcio, “a ratio da norma é autoevidente: a opção pelo juízo arbitral não se presume, nem pode ser imposta, devendo decorrer da vontade expressa das partes, formalizada por escrito”.
Desse modo, podem submeter-se à arbitragem pessoas naturais ou jurídicas, de direito privado ou de direito público. As entidades integrantes da Administração Pública direta ou indireta, por terem capacidade de contratar, atendem à exigência da Lei n.º 9.307/96 para submeter litígios à arbitragem.
A arbitrabilidade objetiva (ratione materiae), prevista na parte final do art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, diz respeito à matéria objeto do litígio a ser submetido à arbitragem. A lei apenas admite a arbitragem “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Portanto, em cada caso, deve-se realizar uma análise do direito em discussão quanto à sua patrimonialidade e disponibilidade.
Cumpre esclarecer que os direitos patrimoniais são aqueles que têm expressão pecuniária, em contraposição aos direitos não patrimoniais, que se referem aos direitos da personalidade e ao estado da pessoa. Entretanto, é bom ressaltar a possibilidade de apreciação em juízo arbitral de aspectos patrimoniais de direitos da personalidade ou outros que tenham um núcleo não patrimonial.
“É o que ocorre com a ação civil derivada de ilícitos penais ou a reparação por uso indevido da imagem, que podem ser resolvidas por arbitragem se houver convenção das partes nesse sentido”.
Além de ser patrimonial, exige-se do direito a ser submetido ao procedimento arbitral que seja também disponível, “a disponibilidade do direito se refere à possibilidade de seu titular ceder, de forma gratuita ou onerosa, (…) sem qualquer restrição”. Trata-se de direitos sujeitos ao poder de autorregulamentação das partes e, por isso, passíveis de negociação.
Existe uma dissonância entre doutrina e jurisprudência no que tange ao conceito do que seriam direitos disponíveis causando, por óbvio, um impacto jurisprudencial acerca das arbitrabilidades objetiva e subjetiva.
Não obstante a doutrina se manifestar de modo uníssono em muitas situações em que se discute se é possível ou não determinada matéria ser objeto do procedimento arbitral ou se determinado sujeito pode ser parte dele, a jurisprudência se mostra ainda variável em diversas decisões emanadas pelos Tribunais do país.
Como exemplos de decisões polêmicas versando sobre a arbitrabilidade objetiva, o TCU em 2008, no Acórdão n.º 391, decidiu que: inexistindo autorização legislativa para que determinada autarquia federal realizasse a opção de escolher a via arbitral para dirimir seu conflito estaria dispondo de interesse público, que é, por si só, indisponível e, que por isso, não poderia ter como objeto de arbitragem tal direito.
Não obstante ao julgado do TCU, o STJ no Mandado de Segurança n.º 11308/DF, decidiu de modo contrário, isto é, permitindo que sem autorização legislativa a Administração Pública pudesse optar pelo procedimento arbitral justamente porque a natureza disponível da relação contratual em discussão assim permitia a utilização da arbitragem.
Nota-se que as decisões supra comentadas versam sobre a arbitrabilidade objetiva, perfeitamente aclarada pelos direitos disponíveis ou indisponíveis envolvidos no litígio, contudo, dependendo da teoria adotada em torno do que seria direito disponível, há um reflexo direto e imediato na capacidade das partes envolvidas na arbitragem e, portanto, tema da arbitrabilidade subjetiva, impedindo que determinado sujeito seja parte no procedimento arbitral.
No dia 27/05/2015, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n°. 13.129/2015, a qual dispõe sobre o procedimento da Arbitragem, alterando e revogando dispositivos da Lei n°. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem).
A Lei n°. 13.129/2015 entrou em vigor no dia 26/07/2015 e tem como objetivo: ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem; dispor sobre a escolha dos árbitros; dispor sobre a interrupção da prescrição, pela instituição da arbitragem; dispor sobre a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem; dispor sobre carta e sentença arbitral.
Cumpre ressaltar, que muitas das mudanças, trazidas pela nova Lei de Arbitragem, já estavam sendo adotadas na prática, seja pelo fato de se tratar de posicionamentos já seguidos pela maioria das Câmaras Arbitrais, seja por se referirem às regras já previstas, e que vieram, através da nova Lei, a ser mais bem definidas. Ou seja, a alteração da lei, positivou algumas questões, que na prática da arbitragem, já estavam sedimentadas e outras que ainda eram objeto de divergência; porém as inovações foram poucas.
Cabe destacar, a menção expressa trazida pela nova lei, sobre a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem, nas hipóteses em que a lide envolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Há alguns anos, se tem introduzido a possibilidade de arbitragem em contratos administrativos. Como exemplos, podemos citar a Lei n.º 11.079/2004, que previu expressamente que a possibilidade de instituição de arbitragem nos contratos de parceria público-privada (art. 11, III); a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), a Lei 9.478/97 (Lei de Petróleo e Gás), a Lei nº 10.233/ 2001 (Lei de Transportes Aquaviários e Terrestres), a Lei nº 10.438/2002 (Lei do Setor Elétrico), a Lei nº 11.196/2005 (Lei de Incentivos Fiscais à Pesquisa e Desenvolvimento da Inovação Tecnológica), Lei nº 11.909/2009 (Lei de Transporte de Gás Natural), entre outras. Mesmo assim, estas eram previsões específicas e que encontravam ainda resistência por parte dos administrativistas mais conservadores.
Assim, a Lei n.º 13.129/2015, em comento, ao prever, de forma genérica, a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem quando a lide versar sobre direitos disponíveis, acabou com a dúvida a respeito.
Além disso, destaca-se a alteração promovida na Lei n°. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), permitindo que o procedimento arbitral seja previsto no próprio estatuto social, para dirimir conflitos societários, ressalvando apenas, que deverá ser observado o quórum de metade dos acionistas com direito a voto, para inserção da convenção de arbitragem no estatuto, salvo disposição em contrário prevista no próprio estatuto.
Questionamos, quais as principais vantagens da arbitragem em comparação ao processo judicial.?
 – Celeridade e Informalidade: O procedimento arbitral é mais rápido e menos formal, diminuindo o desgaste e a ansiedade gerados pela morosidade judiciária.
– Flexibilidade: As audiências podem ser marcadas em horários e locais que melhor convier às partes.
– Segurança: O procedimento arbitral obedece aos mesmos princípios de neutralidade, confiabilidade e imparcialidade do procedimento judicial.
– Especialização: Melhor qualidade da decisão, já que se pode nomear um especialista na matéria objeto do litígio como árbitro, o que evita, muitas vezes, gastos extras com perícias.
– Autonomia de vontade das partes: As partes têm maior autonomia, pois podem escolher as regras de direito material e processual a serem aplicadas no procedimento, ou a entidade especializada que ficará encarregada da administração da arbitragem.
– Sigilo: Não há, na arbitragem, a publicidade típica dos procedimentos instaurados perante o Poder Judiciário, resguardando as partes de exposição perante o público e a mídia.
– Melhor relação custo-benefício: Em virtude da rapidez na resolução do conflito, os custos indiretos decorrentes da demora e da insegurança são minimizados.
– Preservação do relacionamento entre as partes: Por ser a arbitragem uma opção feita pelas próprias partes, de comum acordo, cria-se uma atmosfera favorável à mútua cooperação.
– Menor resistência ao cumprimento da decisão: Existe maior adesão das partes à sentença arbitral, já que proferida por um árbitro de sua confiança e de acordo com um procedimento por elas escolhido.
– Pronta e fácil exequibilidade: Por ser considerada título executivo judicial, a sentença arbitral tem natureza jurídica idêntica à da decisão judicial, podendo ser imediatamente executada em caso de descumprimento, não estando sujeita a recursos ou a homologação pelo Poder Judiciário.
As principais inovações trazidas à Lei da Arbitragem em razão do CPC de 2015 foram:
  – Desnecessidade de homologação judicial da decisão arbitral, transformando o pronunciamento arbitral em verdadeira sentença (Título Executivo Judicial).
– Reconhecimento da força da cláusula compromissória para obrigar as partes à arbitragem, o que impede a frustração da instauração do procedimento arbitral em virtude da resistência unilateral de um dos contratantes.
 – Autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato em que estiver inserida, possibilitando a arbitragem mesmo que o contrato seja considerado nulo.
 – Maior celeridade do procedimento arbitral e maior eficácia dos resultados práticos.
Historicamente, o ordenamento jurídico pátrio deu relevante passo em direção ao acesso à justiça em 1950, com sanção da Lei 1.060, ainda hoje vigente, que estabelece as normas de concessão de assistência judiciária aos necessitados.
Com o advento da CFRB de 1988, s importantes anos subsequentes se destinaram a conferir a concretude ao novo pensamento jurídico não apenas em face do direito positivo, codificação, mas também na jurisprudência onde se privilegia a dignidade da pessoa humana.
Com a consolidação da redemocratização do Estado de Direito, novos movimentos se expressaram clamando por uma Justiça mais acessível, célere, efetiva e capaz de atender as necessidades de todos os segmentos sociais, com isso obtivemos o fortalecimento da cidadania e ampliação do acesso à justiça para auxiliar os cidadãos na concretização de seus direitos e na promoção da pacificação social.
Ainda com o objetivo de promover a pacificação social veio a arbitragem como forma especial de resolução de conflitos, sendo a técnica judicial mais utilizada fora da esfera do Judiciário e, sua tônica está em deixar o extremo formalismo da justiça comum, que na maioria das vezes, é muito complexo e exagerado.
Não é novidade a necessidade de reestruturação do sistema de administração e de gestão da justiça, para além do Judiciário, de forma a fomentar maior efetividade dos direitos, reconhecida como fator de desenvolvimento econômico e social, pois, além da celeridade, custos dos procedimentos fora da esfera judicial, geralmente, é mais reduzido.
Confirma, assim, a arbitragem a tendência  contemporânea de desjudicialziação especialmente na execução civil, como temos em França, Portugal e Espanha.
No relatório “Justiça em Números”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indica essa situação. No relatório de 2020, tendo por base os números de 2019, isso não se alterou: dos 77 milhões de processos pendentes, mais da metade (exatos 55,8%) refere-se à fase de execução. Ou seja, são aproximados 42 milhões de processos de natureza executiva (fundadas em título judicial – isto é, em fase de cumprimento de sentença –, ou calcadas em título executivo extrajudicial).
Além do número impressionante de processos dessa natureza, chama a atenção também o longo trâmite das execuções. Urge, portanto, minimizar o problema da crise da adequada prestação da tutela jurisdicional estatal, afinal, além de cláusula pétrea (art. 5º, LXXVIII, CF (LGL\1988\3)),a obtenção da resolução de conflitos em tempo razoável – incluindo o resultado prático da satisfatividade – é também norma fundamental do direito processual civil (conforme dispõe o art. 4º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
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Notas:
[1] A cláusula compromissória é a convenção escrita através da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a uma relação jurídica específica. Com a estipulação da cláusula compromissória, as partes contratantes elegem a arbitragem para resolver possível litígio proveniente da relação jurídica especificada, antes do surgimento da controvérsia, afastando, desde logo, a competência do Poder Judiciário. É essencial que a cláusula compromissória determine a forma de nomeação dos árbitros. Desta forma, garante-se que a vontade das partes manifestada no contrato será observada.
[2] O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. Com o compromisso arbitral, as partes, de comum acordo, optam pelo uso da arbitragem para resolução da controvérsia após o seu surgimento, mesmo que não exista cláusula compromissória no contrato, ou que o litígio não possua relação com o mesmo. O principal objetivo do compromisso é estabelecer as condições do procedimento arbitral e dar as diretrizes para o seu desenvolvimento, até a decisão final.
[3] Pode ser Árbitro qualquer pessoa capaz (maior de 18 anos, que não tenha sido interditado judicialmente de acordo com as regras do Código Civil de 2002) que seja escolhida pelas partes em conflito, desde que não tenha, por qualquer motivo, interesse no julgamento do litígio em favor de uma delas, observados os impedimentos legais aplicados aos juízes estatais. O árbitro será indicado pelas próprias partes, sendo que, em caso de divergência quanto à sua escolha, esta função poderá ser exercida por um terceiro. Em caso de escolha de mais de um árbitro, será constituído o Tribunal Arbitral, sempre em número ímpar.
[4] Segundo Klabin (2004) o Código de Hamurabi se preocupou mais com a prática do direito do que com a administração, porém, alguns artigos tratavam dos poderes do rei. O rei, chefe da cidade, deveria fazer nela reinar a justiça e a paz. Os romanos acreditavam que o rei, interpreta a vontade divina que lhe é inspirada por meio de oráculos, presságios e sonho, e por meio do rei Deus declara a sua vontade. Os conflitos eram resolvidos com base na sentença do juiz, os únicos competentes para receber declarações sob julgamento eram os sacerdotes. Mas a justiça, era a vontade dos deuses cujas razões escapam ao entendimento dos homens, e este não devem julgá-la.
Por Gisele Leite, professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.
Fonte: Jornal Juri – 01 de Novembro de 2022.
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