STJ valida decisão arbitral e Petrobras se livra de pagar R$ 2 bilhões

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Após amargar um prejuízo de R$ 21,6 bilhões no ano passado, segundo balanço divulgado na última semana, a Petrobras tem buscado nos tribunais evitar qualquer nova sangria em seus cofres. A última briga envolve mais de R$ 2 bilhões cobrados pela Agência Nacional do Petróleo da estatal pela exploração do Parque das Baleias — parte da Bacia de Campos, na costa do Espírito Santo. A data limite para o pagamento era esta quarta-feira (29/4), mas uma liminar concedida pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho (foto), do Superior Tribunal de Justiça, suspendeu o pagamento.
A cobrança decorre da decisão da ANP, tomada em fevereiro do ano passado, por meio da RD 69/2014, de unificar sete campos de petróleo do local, considerado pela Petrobras o novo achado do pré-sal brasileiro. O pagamento seria anual e parte dele repassado pela União a Estado e municípios capixabas. Contudo, a companhia não gostou da mudança e contestou as novas regras do negócio.
Segundo os autos, a Petrobras pediu a revogação da decisão na esfera administrativa, mas a ANP se recusou. A estatal então ingressou com procedimento na Corte Internacional de Arbitragem. Como o tribunal arbitral não fora instalado, a empresa entrou com ação cautelar na Justiça Federal do Rio de Janeiro em abril do ano passado.
O processo foi distribuído à 5ª Vara, que concedeu liminar favorável à estatal. Insatisfeita com a decisão, a agência recorreu; e a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange tanto o Rio como o Espírito Santo, cassou a determinação que suspendia a cobrança.
No meio do caminho, a Corte Internacional de Arbitragem deu início ao procedimento arbitral e proferiu decisão para proibir as partes de praticarem quaisquer atos que pudessem afetar a esfera de direitos uma da outra, enquanto não houvesse deliberação sobre a ação cautelar em curso na Justiça Federal. A ANP então ingressou com um novo processo para pedir a anulação da decisão do tribunal arbitral.
Sentença proferida pela 5ª Vara Federal indeferiu o pedido da ANP, que mais uma vez recorreu. A desembargadora federal Vera Lúcia Lima, ao apreciar o caso, concedeu a liminar requerida pela agência e suspendeu a tramitação da decisão arbitral — decisão essa que mais tarde foi confirmada pela 8ª Turma Especializada, da qual faz parte. Para o colegiado, é o Judiciário que deve se manifestar tanto sobre a competência, quanto sobre o mérito da questão.
Insatisfeita, a Petrobras foi ao STJ, apontando um conflito de competência, para tentar fazer valer a arbitragem. Na ação, a estatal afirmou que a decisão da ANP “tem o intuito declaradamente arrecadatório”, já que a concessão da área estava em vigor há 16 anos. A empresa alegou periculum in mora (perigo no caso de demora da decisão judicial). É que o não pagamento do título (no valor exato de R$ 2.093.895.353,88) na data prevista a sujeitava a multa de 50% do valor total do débito.
Além disso, a Petrobras também fora intimada a pagar, até esta quinta-feira (30/4), “outro elevado valor referente às participações governamentais correspondentes ao primeiro trimestre de 2015”, assim como a desenvolver modificações na área de concessão do Parque das Baleias.
Para o relator do caso no STJ os prejuízos alegados pela estatal eram evidentes. De acordo com ele, a “cláusula compromissória que serve de suporte a discussão em apreço, além de ser disposição padrão nos instrumentos que regem a espécie conflituosa em causa, mostra-se antiga, de sorte que sua alteração súbita e unilateral impacta os termos em que se deve desenvolver a fiscalização das atividades da Petrobras”.
Por isso, ele concedeu a liminar em favor da estatal. “Ante o exposto, e dada a excepcionalidade desta demanda, concede-se a liminar pleiteada para atribuir, provisoriamente, competência ao Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, paralisando, até o julgamento, deste conflito de competência, no que tange às medidas ou providências de natureza emergencial”, escreveu.
Na decisão, publicada no último dia 13 de abril no Diário da Justiça, Nunes Maia também determinou a suspensão de todas as ações judiciais e procedimentos administrativos relativos ao objeto do conflito.
Concomitantemente ao conflito de competência no STJ, a Petrobras havia ingressado com uma medida cautelar no TRF-2, também para pedir a manutenção da decisão arbitral. Por causa da decisão do tribunal superior, o vice-presidente da corte regional, desembargador Reis Friede, rejeitou o pedido.
“Compulsando-se os autos, verifica-se que também não restou configurado o requisito do periculum in mora, posto que o pleito ora formulado pela requerente foi alcançado com a decisão proferida, liminarmente, pelo Superior Tribunal de Justiça, no conflito de competência. Nesse sentido, é possível afirmar, inclusive, que houve a perda de objeto da presente medida cautelar”, escreveu na decisão, publicada nesta quarta-feira (29/4) no Diário da Justiça Eletrônico.
Clique aqui para ler a liminar do STJ.
Processo 139.519 (Conflito de Competência)
Por Giselle Souz, correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2015, 14h31

Novo CPC aumenta segurança jurídica ao mudar regras da coisa julgada formal

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A coisa julgada é um dos mais antigos institutos jurídicos. Sua origem vai além da Lei das XII Tábuas e inspira-se no brocardo latino bis de eadem re ne sit actio que, traduzido livremente, significa: sobre uma mesma relação jurídica não se pode exercer duas vezes a ação da lei, isto é, o processo.
A ideia de proibição na duplicidade do exercício da atividade jurisdicional constitui o núcleo de seu sentido, motivo pelo qual já tivermos oportunidade de defini-la como uma “situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros.”[1]
Infelizmente, talvez por culpa da técnica utilizada no CPC em vigor, no artigo 467, a coisa julgada tem sido amiúde abordada apenas sob o viés da imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da decisão judicial transitada em julgada, olvidando o intérprete que a interpretação literal e isolada não é adequada na medida em que os diplomas legais pretendem funcionar como um sistema lógico e harmônico. Por consequência, de suma importância, para a correta compreensão do instituto, o que dispõem o art. 301 e seus parágrafos 1º e 3º do CPC.
A ideia de proibição de reprodução (ou repetição) está bastante clara no parágrafo primeiro do referido dispositivo legal, assim redigido: verifica-se (…) a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. No parágrafo terceiro, de forma ainda mais evidente, está dito que há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida.
Daí por que é possível afirmar, com toda segurança, que a coisa julgada é, na verdade, uma concretização na proibição do bis in idem. Portanto, a proibição de repetição da ação (art. 301, §§1º e 2º do CPC) e a imutabilização da decisão judicial (art. 467 do CPC) são apenas técnicas para se proibir a duplicidade do exercício da jurisdição sobre o mesmo objeto e pelas mesmas partes.
Pois bem.
A relação que se estabelece entre coisa julgada e exercício da jurisdição não é ontológica, pois aquela não é indissociável desta. Embora raros nos dias atuais, há notícias de ordenamentos jurídicos do passado que não adotavam o instituto, como os direitos norueguês e canônico.
E não sendo a coisa julgada ontologicamente ligada ao exercício da jurisdição, faz-se necessário precisar em que patamar se firma essa relação. Segundo pensamos, essa conexão é teleológica, pois a adoção do instituto, pelos diversos ordenamentos jurídicos, visa a proteção de valores socialmente relevantes.
O professor Miguel Reale, com muita precisão, demonstra a profunda relação entre as perspectivas teológica e axiológica ao afirmar que “[u]m fim outra coisa não é senão um valor jurídico posto e reconhecido como motivo de conduta. Não existe possibilidade de qualquer fenômeno jurídico sem que se manifeste este elemento de natureza axiológica, conversível em elemento teleológico.” (Filosofia do Direito. 20ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 544).
O valor jurídico protegido pela coisa julgada é, indiscutivelmente, a segurança jurídica, um dos mais importantes imperativos do Estado de Direito – o qual, numa perspectiva constitucional, situa-se para além de contornos axiológicos, possuindo inegável conteúdo normativo (art. 5o., caput, XXXIII, CRFB). Enfim, o acolhimento desse instituto visa, acima de tudo, trazer estabilidade ao exercício da jurisdição. Aliás, a segurança que o sistema imprime ao resultado do exercício da jurisdição é tamanha que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVI, diz que nem mesmo a lei nova pode alterar a situação jurídica denominada de coisa julgada.
Assim, é correto dizer, com firmeza, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º inciso XXXV da CF). Contudo, a jurisdição só será exercida uma única vez, senda vedada sua repetição. O instituto que proíbe essa repetição, como já se enfatizou, é a coisa julgada.
A finalidade da jurisdição é o julgamento da afirmação de uma lesão ou ameaça de lesão a direitos subjetivos, o que será feito em ambiente normativo-processual, até como forma de se assegurar a legitimidade dela própria e do seu resultado (tutela jurisdicional). Naquilo que interessa, o processo estabelecerá uma relação lógica com o mérito, que é de continência: o processo, como forma, é o continente; o mérito, o conteúdo.
Tendo em vista essa duplicidade lógica (entre forma e conteúdo), o exercício da jurisdição não se restringirá à análise apenas do mérito, mas também da forma. Erros formais que descaracterizem o devido processo legal (art. 5º inciso LV da CF) podem impedir o magistrado de julgar o mérito. Nada obstante deva inexoravelmente ser priorizada na aludida relação o mérito – o novo CPC evidencia essa conclusão ao instituir, como norma fundamental, a primazia do julgamento do mérito (art. 4o.) –, não se pode descartar a indispensabilidade de uma forma adequada, sob pena de prejuízos no próprio julgamento.
Exatamente por isso os doutrinadores modernos reconhecem a existência de dois tipos diversos de sentenças: a) a definitiva, que julga o mérito; e b) a terminativa, que julga a forma (pressupostos processuais e condições da ação). A consequência inevitável dessa dualidade também reflete no instituto da res iudicata, gerando duas espécies distintas: a) a coisa julgada formal e b) a coisa julgada material.
Com base no conceito acima apresentado, é possível extrair duas conclusões: a) a coisa julgada material é a situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre decisão de mérito, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros (art. 334, §§ 1º e 4º e art. 499 do CPC); b) a coisa julgada formal, por seu turno, representa “a situação jurídica que se caracteriza pela proibição da repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre decisão terminativa, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros (art. 334, §§ 1º e 4º, art. 483, §1º e art. 499, todos do CPC).[2]
Como espécies do mesmo gênero, ambas guardam pontos de identidade e de diferenciação. A diferença reside no conteúdo da decisão judicial: a coisa julgada material incide sobre decisões de mérito, chamadas definitivas; a coisa julgada formal acoberta decisões relativas a questões formais, chamadas de terminativas. O ponto de identidade é a capacidade que têm de produzirem efeitos externos ao processo em que foi proferida a decisão judicial. Esta eficácia externa impede a repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, em processos futuros, sobre o mesmo objeto, que poderá ser o mérito, no caso de coisa julgada material, ou uma questão formal (como um pressuposto processual), no caso de coisa julgada formal.
Na vigência do CPC/73 foi desenvolvido um conceito equivocado de coisa julgada, que a equiparava a preclusão. Combatemos essa doutrina pelos seguintes motivos: a) porque profliga a essência do conceito de coisa julgada, que se destina a produzir efeitos externos ao processo (ou fase do processo) em que foi proferida a decisão judicial; b) porque confunde os conceitos de preclusão e de coisa julgada; c) porque se vincula ao preconceito de que as sentenças terminativas não podem produzir efeitos para além do processo em que foram proferidas.
O novo Código de Processo Civil, recentemente sancionado pela Presidente da República, acolheu a tese desenvolvida por um dos autores deste artigo[3] e desvinculou-se do mito de que as sentenças terminativas – e, portanto, a imutabildade que lhe é conferida com o trânsito em julgado – não podem gerar efeitos extraprocessuais. Nesse sentido, a norma parágrafo 1º do artigo 486 do novo texto, preceitua que “[n]o caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito”.
Ora, proibição de repetição da ação, com o mesmo vício que foi declarado em processo anterior, decorre, sem sombra de dúvida, da autoridade da coisa julgada formal. É imperativo concluir que, após a entrada em vigor do novo CPC, ficarão imutabilizadas pela coisa julgada formal as sentenças terminativas que tenham por conteúdo: a) o indeferimento da petição inicial; b) a falta dos pressupostos processuais; c) a legitimidade e o interesse processual; ou d) o acolhimento da alegação da existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência.
Portanto, com a promulgação do novo CPC ganha força legal essa tese que já vinha recebendo reconhecimento da jurisprudência, em apreço substancial à segurança jurídica. Ponto para a democracia!
[1] MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. p. 29.
[2] MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. Sobretudo, verificar o Capítulo 4.
[3] MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006.
Lúcio Delfino é advogado, pós-doutor em Direito (UNISINOS) e doutor em Direito (PUC-SP).
Por Luiz Eduardo Ribeiro Mourão é advogado, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP e pós-doutorando em Direito na UFES.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2015, 7h30

Tutela cautelar e de urgência na arbitragem (parte 1)

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No texto da Lei de Arbitragem (9.307/1996) só há uma referência às medidas cautelares, constante do parágrafo 4º do art. 22, que possui a seguinte redação:
Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. (…)
§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.
Referido dispositivo é impreciso e pode conduzir, como de fato conduziu em várias ocasiões ao longo dos anos, a interpretações equivocadas por parte da doutrina e da jurisprudência. Constata-se que há, pelo menos, quatro problemas originados da apresentação defeituosa dessa norma.
O primeiro deles decorre da própria estruturação do dispositivo, já que o parágrafo 4o acima transcrito está inserido no art. 22, que disciplina a produção de provas na arbitragem. Seria razoável, pelo menos do ponto de vista contextual, interpretar que as “medidas coercitivas ou cautelares” ali mencionadas seriam apenas aquelas relacionadas ao âmbito probatório (antecipação de provas, condução coercitiva de testemunhas, etc.).
A segunda falha diz respeito à ausência de qualquer previsão quanto às cautelares preparatórias. Tal constatação, aliada à equivocada contextualização do §4° dentro do artigo 22, gerou dúvidas e insegurança, havendo quem tenha, na doutrina, defendido o não cabimento de medidas cautelares em arbitragens[1], especialmente as cautelares preparatórias anteriores à instauração da arbitragem.
Há ainda outra omissão, que materializa o terceiro defeito do atual sistema de tutela de urgência da Lei de Arbitragem, que é a ausência de previsão de outras medidas de urgência, em especial a antecipação de tutela.
Por fim, o quarto problema decorre da redação imprecisa utilizada, já que o dispositivo estabelece que, “havendo necessidade (…) os árbitros poderão solicitar” medidas cautelares e coercitivas ao Poder Judiciário. Não se fala em solicitar o cumprimento, mas meramente “solicitar”. Omissão que, proposital ou não, poderia levar ao entendimento de que não caberia ao árbitro o exame do pedido, mas apenas a remessa burocrática ao magistrado, que seria, este sim, competente para analisar a cautelar. Outra confusão gerada pela falta de esmero da norma: poderia o juiz, ao receber a solicitação de cumprimento de uma cautelar deferida por um árbitro, reexaminá-la e proferir nova decisão?
Referidas falhas da norma foram, a partir da vigência da Lei de Arbitragem e ao longo dos anos, enfrentadas primeiro pela doutrina e posteriormente pela jurisprudência. São inúmeros os autores arbitrabilistas que se dedicaram ao problema, e certamente há centenas de julgados sobre a questão. Mas aqui irei destacar um julgado do STJ, que sintetiza de forma objetiva a melhor solução para os quatro problemas acima destacados. Nele se resumem anos de desenvolvimento doutrinário e maturação jurisprudencial. A ementa é a que segue:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. MEDIDA CAUTELAR. COMPETÊNCIA.
JUÍZO ARBITRAL NÃO CONSTITUÍDO.
1. O Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium.
2. Na pendência da constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem.”
(…). (REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012).
No contexto fático enfrentado no julgamento acima, quando do ajuizamento da medida cautelar não havia sido instaurada a arbitragem, o que só veio a ocorrer após a prolação de sentença pelo juiz de primeiro grau e antes do julgamento da apelação. O Tribunal de Justiça deu provimento à apelação para deferir a liminar da cautelar, que havia sido negada em primeira instância. No STJ, no entanto, entendeu-se que o tribunal já não teria mais jurisdição para analisar a cautelar quando do julgamento da apelação, uma vez que já instaurada a arbitragem.
O Poder Judiciário, quanto às medidas cautelares e de urgência anteriores à arbitragem, possuiria assim jurisdição precária, subsistindo apenas até a instauração do procedimento arbitral. No corpo do voto, a eminente ministra Nancy Andrighi assim consignou:
Nessa situação, superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, é razoável que os autos sejam prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. (…)
Sendo assim, me parece suficiente que o Juiz, ao encaminhar os autos ao árbitro, consigne a ressalva de que sua decisão foi concedida em caráter precário, estando sujeita a ratificação pelo juízo arbitral, sob pena de perder eficácia. Com isso, e sem que haja qualquer usurpação de competência ou conflito de jurisdição, evita-se a prática de atos inúteis e o prolongamento desnecessário do processo”.
Adotou-se no julgado acima a tese de que os árbitros poderiam sim apreciar medidas cautelares relacionadas ao litígio submetido à arbitragem. Essa é a solução ideal e lógica, não só porque a cautelar é sempre dependente do processo principal (art. 796 do CPC de 1973), mas também porque a Lei de Arbitragem revogou o art. 1.086 do Código de Processo Civil de 1973, que estabelecia ser vedado ao árbitro “empregar medidas coercitivas” ou “decretar medidas cautelares”. Ao revogar o referido artigo, deu ensejo à interpretação de que, apesar da redação ambígua do §4o do art. 22, a apreciação das cautelares deve ser submetida aos árbitros.
Quanto às medidas cautelares preparatórias, apesar do silêncio normativo, a solução encontrada no precedente acima decorre do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal). O Poder Judiciário, em caráter precário, pode conhecer e apreciar medida urgente, perdendo a sua jurisdição assim que instaurada a arbitragem. A jurisdição do magistrado seria provisória porque, após a convenção de arbitragem, firmada por cláusula compromissória ou compromisso arbitral, as partes afastam a jurisdição estatal e submetem seu litígio à arbitragem. Uma vez instaurada esta, o processo deveria ser imediatamente remetido para o(s) árbitro(s).
O precedente acima copiado possui singular importância, pois apresenta solução para os problemas decorrentes da imprecisão do sistema cautelar previsto na Lei de Arbitragem e apontados acima. A uma só vez, estabelece que (1) o árbitro pode apreciar medidas cautelares em geral e (2) o juiz deve examinar as cautelares anteriores à instauração da arbitragem, remetendo-as ao árbitro tão logo possível.
Por inferência lógica, eventual antecipação de tutela anterior à instauração da arbitragem haveria de ser encaminhada ao Poder Judiciário. Apesar de não estar expressamente consignado no precedente, é de se compreender que, sendo do árbitro a jurisdição para apreciar a medida cautelar, não poderia o juiz reexaminá-la caso chamado a dar cumprimento coercitivo à mesma.
Na próxima coluna examinarei a nova disciplina das tutelas cautelares e de urgência proposta no Projeto de Lei do Senado 406/2013, em vias de ser aprovado.
[1]Carlos Alberto Carmona menciona as posições de Paulo Furtado e Uadi L. Bulos, por exemplo, que entendiam que a Lei veda a concessão de medidas cautelares pelos árbitros (Lei de arbitragem comentada, Paulo Furtado e Uadi L. Bulos, Ed. Saraiva, 1997, p. 93). Carlos Alberto Carmona faz menção ainda à posição de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que defende a tese de que o árbitro somente poderia conceder medidas cautelares se assim estivesse disposto expressamente na convenção de arbitragem (Aspectos Processuais da nova lei de arbitragem: A nova lei brasileira (9.307/96 e a Praxe Internacional, Coord. De Paulo de Boraba Casella, São Paulo, Ed. Ltr, 1997, o. 131-156, esp. p. 148). Ambas as citações acima constam de CARMONA. Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/1996. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 324 e 325, nota de rodapé n. 54)
Por Caio Cesar Rocha é advogado, sócio do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados e membro da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de lei para revisar a Lei de Arbitragem. Tem doutorado em Processo Civil pela USP e pós-doutorado pela Columbia University, de Nova York.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2015, 10h35

Novo CPC reabre discussão sobre rescisória de sentença arbitral

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Sancionado pela Presidência da República, o novo Código de Processo Civil que entra vigor em março de 2016 já é alvo de grande discussão entre os operadores do direito, especialmente objeto de críticas e de elogios. Certo ou errado, fato é que o novo diploma legal aplicar-se-á aos processos em curso, cabendo sua exegese aos operadores do direito.
Nesse sentido, desde logo alguns dispositivos do novo códex chamam a atenção e geram curiosidade sobre sua aplicação na prática. É o caso da nova redação dada aos dispositivos legais relativos à coisa julgada e ação rescisória. Tais dispositivos aplicar-se-iam às sentenças arbitrais?
Muito se discutiu sobre o cabimento da ação rescisória contra as sentenças proferidas em sede de arbitragem, procedimento regulado pela Lei 9.307/96 (“LA”) que permite que as partes escolham um particular para julgar suas controvérsias sobre direitos disponíveis em caráter definitivo. A decisão do árbitro tem força de decisão judicial e é título executivo judicial.
Obviamente que a sentença arbitral possui procedimento de anulação regulado pela lei de arbitragem (art. 32 da LA), devendo obedecer às hipóteses legais e ser proposta no prazo de noventa dias contados da data da intimação das partes. No Código em vigor a questão parecia sanada no sentido de afastar-se o cabimento da rescisória para atacar a sentença arbitral.
A redação dada pelo legislador ao novo Código estabelece, por sua vez, que “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida”.
Ao utilizar a terminologia “decisão de mérito” em vez de “sentença de mérito”, como no CPC, o legislador pode ter pretendido fazer referência tanto a sentenças quanto a acórdãos (espécies do gênero decisão?). Poderia também ter se referido a decisões de mérito que não são sentenças e nem acórdãos.
Coincidência ou não, fato é que a redação atribuída ao caput do artigo 966 cria um flanco para que paire uma dúvida objetiva sobre o cabimento de ação rescisória da sentença arbitral. Afinal, a sentença arbitral é decisão de mérito. E mais, a sentença arbitral normalmente não é passível de recurso, portanto, se enquadra perfeitamente na definição do artigo 520 do novel Código: “Denomina- se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Ora, se toda decisão de mérito transitada em julgado é passível de ser rescindida, a sentença arbitral, como decisão de mérito que é, poderia ser atacada por rescisória dentro do prazo legal de 2 anos (art. 975 do NCPC)?
Diga-se, aliás, que as decisões homologatórias, antes sujeitas à querela nullitatis (art. 486 CPC) que se assemelha ao procedimento de nulidade da sentença arbitral previsto na LA, agora são também expressamente sujeitas à rescisória (pois qualificadas como decisão de mérito). Será que essa possibilidade se estende às sentenças arbitrais?
Mais a mais, a nomenclatura do procedimento de homologação de ato judicial estrangeiro, notadamente aplicável às sentenças estrangeiras proferidas em sede de arbitragem, também passou a adotar o termo “decisão” em vez de sentença (art. 960 NCPC).
Vamos além. A sentença arbitral é título executivo judicial (art. 515, VII NCPC).
Os títulos executivos judiciais podem ser objeto de ação rescisória (art. 525, §15 NCPC) no caso de “inexequibilidade ou inexigibilidade do título” (art. 475-L II, §2º CPC e art. 525, III NCPC), assim considerado o título “fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso” (art. 525, §12 NCPC).
Nesse contexto, se o fundamento da sentença arbitral for declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, poder-se-ia defender o cabimento da ação rescisória contra o referido título executivo judicial no prazo de 2 (dois) anos contados a partir do trânsito em julgado da decisão do STF (art. 525, §15 NCPC)?
Mas não é só.
Dentre as hipóteses de cabimento da rescisória, encontramos a possibilidade de ser rescindida a decisão de mérito “proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente” (art. 966, II, NCPC). A nova redação fala em juiz ou juízo. Caberia, nesse conceito de juízo, o juízo arbitral? Assim, se o juízo arbitral não era competente para proferir a sentença arbitral, poderia ela ser rescindida em 2 anos através do procedimento previsto nos artigos 966 e seguintes do NCPC?
Enfim, essa é mais uma entre tantas discussões que certamente serão enfrentadas pelos operadores do direito na exegese do NCPC, sendo certo que a aplicação do novo diploma legal a casos concretos e a consolidação da jurisprudência trará uma resposta aos questionamentos aqui levantados e a tantos outros que surgirão.
César Rossi Machado é advogado do Demarest Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2015, 6h33

Regulamento para arbitragem na administração é retrocesso

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Na semana retrasada, utilizei este espaço para discorrer de forma abrangente sobre inovações contidas no projeto de revisão da Lei de Arbitragem (PLS 406/2013). Defendi que seria um retrocesso condicionar à edição de um regulamento todas as arbitragens relacionadas à administração pública direta e indireta. No presente artigo explicarei, de forma mais aprofundada, o porquê desta minha posição.
A redação atual da Lei 9.307/1996 não faz qualquer referência expressa à Administração Pública. Decerto, o artigo 1º da Lei de Arbitragem apenas dispõe que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Durante algum tempo, a ausência de qualquer menção expressa na Lei à possibilidade de participação de entes da Administração em arbitragens fez pairar certa indefinição na doutrina e na jurisprudência quanto ao tema.
É de se destacar o julgamento paradigmático proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua 2ª Turma, no REsp 612.439/RS[1], relatado pelo ministro João Otávio de Noronha. Naquela ocasião o STJ pacificou que “são válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção e comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, artigo 173 parágrafo 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste”.
Nesse julgamento, o STJ ainda distinguiu as situações em que a sociedade de economia mista atua como empresa privada, buscando seu interesse econômico específico, daquelas em que eventualmente atua à luz do interesse público primário: “Em outras palavras, pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito – isto é, serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro –, os direitos e as obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbitragem (…) Por outro lado, quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal decorram do poder de império da Administração Pública e, conseqüentemente, sua consecução esteja diretamente relacionada ao interesse público primário, estarão envolvidos direitos indisponíveis e, portanto, não-sujeitos à arbitragem”.
Posteriormente, no julgamento do REsp 904.813[2], de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ definiu que “o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente”. Assim, pacificou-se que a Administração Pública direta ou indireta poderia submeter litígios à arbitragem, mesmo que ausente cláusula compromissória no contrato ou ainda previsão no edital.
Tendo por base a evolução jurisprudencial e doutrinária, a Comissão de Juristas constituída pelo Senado para revisar a Lei de Arbitragem sugeriu a inclusão de dois parágrafos ao art. 1º da mesma. Referida sugestão foi acolhida pelo Senado, e incorporada ao PLS 406/2013, com a seguinte redação:
“Art. 1º. (…)
§ 1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados.
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.”
Buscou-se, com tais inclusões, alcançar dois objetivos. O primeiro, positivar aquilo já pacificado pela jurisprudência do STJ, mas que, como não consta da Lei, ainda poderia ensejar discussões, principalmente naquelas unidades jurisdicionais de estados pouco habituados às arbitragens. Seria uma forma de perenizar e consolidar a solução adequada e favorável encontrada pelo STJ à arbitragem envolvendo entes da Administração Pública. O segundo objetivo foi dirimir eventuais dúvidas que poderiam surgir quanto a quem teria autonomia, por parte da Administração, para firmar a convenção de arbitragem. Buscou-se, portanto, reforçar e esclarecer.
Após a aprovação do Projeto de Lei no Senado, o texto foi enviado para a Câmara, que apresentou uma emenda para suprimir o parágrafo primeiro transcrito acima, substituindo-o pelo seguinte:
“§ 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desde que previsto no edital ou nos contratos da administração, nos termos do regulamento”.
Percebe-se, de plano, dois retrocessos. Condiciona a arbitragem a um regulamento, a ser editado posteriormente pelo Executivo. Desnecessário discorrer sobre o risco que isso representa, tanto em relação ao tempo, quanto em relação ao conteúdo. O tal regulamento pode demorar demais, pondo em risco as arbitragens existentes e em curso atualmente, relacionadas à Administração, e o dito regulamento, ficando à discrição do executivo, pode conter aspectos ainda mais restritivos, podendo limitar o uso da arbitragem a certos valores ou determinadas modalidades de contratos.
O segundo retrocesso apresenta-se na imposição de que a cláusula compromissória seja necessariamente prevista no edital ou firmada no contrato. Isso impede, por consequência, que a Administração firme um compromisso arbitral, ou seja, não pode acordar submeter um litígio à jurisdição arbitral sem que haja previsão no edital ou no contrato. Isso contraria o que hoje é pacífico no STJ, conforme decidido no REsp 904.813 acima mencionado.
Além disso, a persistir a emenda, surgiria outra dúvida: o regulamento nela referida deve ser promulgado por qual ente federativo? Seria necessário um regulamento no âmbito federal e outros regulamentos nos âmbitos de cada estado? São questões que permanecerão sem resposta por muito tempo, trazendo incertezas para o uso da arbitragem pela Administração Pública.
É de se esperar, portanto, que referida emenda seja suprimida pelo Senado, que irá analisar novamente o PLS 406/2013. Só assim poderá ser honrada a tradição brasileira de prestigiar-se a arbitragem e assegurar o seu uso pela Administração Pública.
[1] Julgado em 25 de outubro de 2005. Participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator os ministros Castro Meira, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon.
[2] Julgado em 20 de outubro de 2011. Participaram do julgamento, além da relatora, os ministros Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Caio Cesar Rocha é advogado, sócio do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados e membro da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de lei para revisar a Lei de Arbitragem. Tem doutorado em Processo Civil pela USP e pós-doutorado pela Columbia University, de Nova York.
Revista Consultor Jurídico, 29 de março de 2015, 8h00