É um mito que a arbitragem e a mediação reduzem o mercado para advogados

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O advogado Roberto Pasqualin vive meses agitados. Acompanhou de perto a reforma da Lei de Arbitragem e a redação do texto que pela primeira vez regulou a mediação no país, atento a cada passo legislativo ou presidencial. Agora que as duas normas já foram sancionadas, o trabalho continua no Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), entidade que preside e tem feito uma série de eventos pelo país propagando medidas para resolver conflitos sem passar pelo Judiciário.
Sócio sênior do escritório PLKC Advogados, ele integra o Conselho Diretor do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e atua ainda como árbitro em centros da International Chamber of Commerce (ICC), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Amcham (American Chamber of Commerce for Brazil), entre outras entidades.
É por isso que Pasqualin discorda de quem acredita que a arbitragem e a mediação podem reduzir o campo profissional dos advogados. Para ele, a área cria novas oportunidades para um trabalho “mais sofisticado”, sem exigir a correria em “porta de cartório”. A assessoria jurídica continuará sendo fundamental para as partes, afirma, e profissionais de Direito têm grande potencial para se tornar mediadores ou árbitros, como ele.
Talvez as universidades ainda não tenham se atentado a isso. “Processo Civil o estudante tem desde o primeiro ano até o quarto ou quinto ano. Que ensina o quê? Litigar, ganhar do adversário. A arbitragem ainda é uma criança no Brasil. A mediação é um bebê, está muito incipiente.”
Essa infância ganha agora empurrão com as leis 13.239 e 13.140/2015. Além do famoso discurso de desafogar o Judiciário, Pasqualin aponta uma série de benefícios para as partes, de decisões mais rápidas à confidencialidade do processo. Em certas ocasiões, avalia, a simples presença de um mediador ajuda as partes a se entenderem sobre questões contratuais que não ficaram muito claras na hora de brindar com champanhe e fechar o negócio.
O presidente do Conima critica, porém, vetos do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), que retiraram da Lei de Arbitragem as relações trabalhistas e de consumo. Segundo ele, o projeto aprovado no Congresso colocava o poder de decidir nas mãos do empregado e do consumidor. O advogado também aguarda nova discussão para liberar esse meio alternativo na área tributária.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, ele explica em linhas gerais como funciona a mediação — uma atividade que beira a Psicologia — e a arbitragem, que não permite recurso, ainda engatinha numa jurisprudência própria e ganhou agora uma espécie de ajuda do Judiciário para conduzir testemunhas de forma coercitiva.
Leia a entrevista:
ConJur — Para o leitor que não está acostumado com o tema, é possível explicar em poucas palavras quando vale procurar a mediação ou a arbitragem?
Roberto Pasqualin — São formas de resolver conflitos fora do Judiciário entre pessoas e entre empresas, agora também entre pessoas e empresas da Administração Pública. E por que fora do Judiciário? Porque o Judiciário hoje está entupido de processos, tem mais de 100 milhões de processos — segundo a última contagem do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] —, e as soluções das controvérsias que são levadas ao Judiciário demoram a sair, obviamente pelo acúmulo de processos, e não porque juízes, desembargadores ou ministros de tribunais superiores sejam lentos na solução. Não é por desídia ou negligência, é pela desumanidade desse volume impressionante de causas. A arbitragem e a mediação são maneiras de você abreviar a solução com segurança jurídica plena, de forma rápida.
ConJur — Quanto tempo pode ser considerado como rápido para resolver um processo?
Roberto Pasqualin — Um ano para a arbitragem, talvez um ano e meio. Na mediação, a nova lei aprovada fala em 60 dias. Aí você pergunta: quando devo escolher o caminho a seguir? Algumas questões só o Judiciário pode resolver, é uma imposição da legislação: relações de consumo e trabalhistas, matérias que tratem de direitos indisponíveis… Até hoje não se aceita que conflito tributário se resolva por arbitragem, mediação menos ainda.
Quando há matérias que podem ser resolvidas de forma alternativa, o cidadão ou as partes nos contratos podem escolher por conveniência de uma solução rápida e técnica, que muitas vezes permite a continuação do relacionamento de negócios. No Judiciário, as partes e os advogados entram em tal estado de beligerância, com acusações recíprocas, que acabam inviabilizando um relacionamento de negócios futuro. Na arbitragem e certamente na mediação isso acontece muito menos. Os mediadores procuram uma solução que atenda ao caso posto pelas partes com o máximo possível de justiça. Justiça quer dizer não lesar a outra parte desnecessariamente. Então, com uma decisão justa, rápida e técnica, o relacionamento das partes muitas vezes fica preservado.
A mediação, por definição, visa chegar a um acordo. É uma ferramenta útil e pode ser escolhida pelas partes sem dúvida como forma melhor de resolver conflitos imobiliários, negócios de compra e venda de empresas, relações entre acionistas… Sabemos que há partes que preferem ganhar tempo para resolver o problema, ou porque se encontram em situação financeira ruim ou por detalhes do próprio negócio. Então o Judiciário pode ser o caminho para alongar a solução. Muitas vezes esse tempo é necessário para recompor as suas finanças. A minha visão é que cada ferramenta tem uma utilidade e as pessoas precisam saber qual é a mais adequada para a sua situação.
ConJur — Quando duas empresas não se entendem sobre um contrato, o ideal seria a arbitragem?
Roberto Pasqualin — Eu diria que o ideal seria até a mediação antes, porque as partes têm o contrato. Às vezes as obrigações são mal definidas quando os envolvidos brindam e tomam champanhe para comemorar o fechamento do negócio. Às vezes, na execução das obrigações, as coisas desandam um pouco, então um mediador pode mostrar como voltar ao caminho desejado desde o começo. Ou acertar um ajustamento daquela situação que atenda suficientemente as partes.
ConJur — A cláusula de arbitragem geralmente é colocada no contrato. Também é usada a cláusula de mediação?
Roberto Pasqualin — Já é usada. A cláusula é um compromisso prévio de que, se surgir um conflito, os envolvidos devem seguir um caminho determinado. Mas as partes podem resolver pela arbitragem ou pela mediação mesmo sem ter a cláusula, quando surge o conflito. Você não faz um contrato pensando em ter um conflito, você faz um contrato pensando em cumpri-lo. Assim como no casamento.
ConJur — Com essas ferramentas, há uma corrente de advogados que temem perder trabalho caso as partes se entendam sozinhas…
Roberto Pasqualin — É um mito achar que a arbitragem e a mediação vão reduzir o mercado dos advogados. Ao contrário, acho que até geram mais trabalho. Só que é um trabalho de forma diferente, o profissional não vai ao fórum, ao tribunal de Justiça, bater na porta de cartório para consultar processo. É um trabalho mais sofisticado, vamos chamar assim. A presença do advogado é importante para aconselhar o cliente, orientar como a questão deve ser colocada, como apresentar evidências. O advogado continua sendo chamado pela necessidade, embora sua contratação não seja obrigatória. Quem vai desassistido a uma mediação ou arbitragem provavelmente fica numa posição enfraquecida.
Outra oportunidade é o trabalho de árbitro ou mediador. Pessoas de qualquer profissão podem atuar, mas, naturalmente, a experiência de alguém que é profissional do Direito é válida. Os árbitros mais conhecidos têm vivência na advocacia ou na engenharia.
ConJur — Como o advogado pode acompanhar o processo de clientes?
Roberto Pasqualin — Na arbitragem, o advogado deve ter procuração para representar a parte perante o tribunal. Todos os atos do procedimento arbitral — petição inicial, contestação, as ordens do tribunal para as partes, as perícias — têm que ser obrigatoriamente copiados aos advogados. O advogado nem precisa se deslocar para saber o que está acontecendo, ele recebe no seu escritório, por e-mail.
ConJur — Esses e-mails chegam a cada etapa?
Roberto Pasqualin — A cda petição minha, sou obrigado a copiar todo mundo, os três árbitros, a secretaria da instituição arbitral, os advogados da parte contrária… Isso faz parte dos regulamentos das câmaras. Na mediação, o mediador informa às partes quando quer fazer uma reunião com os dois, quando solicita evidências. O advogado com procuração é o destinatário desses pedidos.
ConJur — Tudo por e-mail.
Roberto Pasqualin — Você tem uma informalidade que o Judiciário não comporta. Pode-se até usar Skype. A lei que modernizou a arbitragem, inclusive, criou um instrumento de comunicação fantástico, que é a tal da carta arbitral. Se uma parte indica alguém para ser testemunha e essa pessoa é intimada e não comparece à audiência, o tribunal pode agora pedir que um juiz mande conduzir a testemunha a uma audiência previamente designada, se preciso até com força policial, como acontece no Judiciário. A testemunha pode chegar lá e não falar nada, mas deve ser levada até lá.
ConJur — Como uma ordem?
Roberto Pasqualin — Sim. Pode servir também para um perito que não cumpre o prazo de apresentação de um laudo, pode servir para que a parte seja obrigada a apresentar documentos, como o livro de atas do conselho. Quando um tribunal arbitral envia para um juiz, vira uma comunicação oficial, com segurança e que a lei diz: “olha, o juiz tem que atender…”
ConJur — Não pode ignorar, considerar um pedido menos importante?
Roberto Pasqualin — Tem que atender. Os fóruns e tribunais vão ter que criar um código, um cadastro para carta arbitral. Como o tribunal arbitral não tem poder coercitivo, a carta arbitral serve para suprir essa falta. Então é uma colaboração entre a arbitragem e o Judiciário.
ConJur — Existe algo semelhante no caso da mediação?
Roberto Pasqualin — Não, a carta arbitral é um instrumento de um procedimento que necessariamente deve chegar a um julgamento. A mediação é um procedimento consensual. Se uma parte quiser deixar a mediação pode desistir sem penalidade nenhuma. Se ela não quiser entregar os documentos, acabou.
ConJur — A arbitragem é semelhante a um julgamento comum?
Roberto Pasqualin — É um julgamento igual a um julgamento de juiz, só que não tem recurso.
ConJur — Nem embargo de declaração?
Roberto Pasqualin — A lei original de arbitragem já permitia esse pedido de esclarecimento sobre as decisões do tribunal arbitral.
ConJur — Quando a parte pode provocar o Judiciário contra a decisão arbitral?
Roberto Pasqualin — A Lei de Arbitragem traz um rol de situações em que a anulação pode ser feita. Só é possível apresentar ação quando o caso envolve procedimento equivocado, erro de processo, falta de equilíbrio entre as partes, parcialidade do juiz… Quando o projeto estava no finzinho da tramitação do Senado, conseguimos evitar que entrasse uma emenda que previa o retorno do processo ao tribunal arbitral, depois da sentença, se o tribunal não tivesse respondido a todas as questões apresentadas pelas partes. A expressão “questões” é muito ampla, muito vaga e poderia ser usada para adiar e anular decisões. No último minuto da tramitação, conseguimos mudar a expressão “questões” para “pedidos”. Então, se o tribunal não atender a todos os pedidos, o Judiciário pode mandar de volta o processo.
ConJur — Existe fiscalização de câmaras arbitrais para evitar fraudes?
Roberto Pasqualin — A câmara não é um órgão de julgamento, quem julga são os árbitros. Cada vez mais começam a aparecer instituições arbitrais inidôneas, que fazem isso apenas para ganhar dinheiro, não para resolver problema. Quando a fraude é um ilícito criminal, então podemos levar isso ao Ministério Público, à Polícia Federal, tratando como um crime de falsidade ou estelionato. Quem responde não é a câmara em si, mas seus dirigentes ou árbitros. Pode-se ter a reparação civil também? Pode ser indenizado. Se foi prejudicado, sofreu dano por conta de uma atividade ilícita, você pode recorrer ao Judiciário.
ConJur — O Conima faz essa fiscalização?
Roberto Pasqualin — O Conima é uma instituição sem fins lucrativos que reúne as câmaras de arbitragem e de mediação institucionalizadas. Faz parte dos princípios do Conima divulgar as boas práticas de arbitragem e de mediação e denunciar as más. Se quem atua irregularmente é filiado ao Conima, então nós temos um órgão interno de investigação e de penalização que pode até implicar na exclusão da instituição. Se quem pratica a fraude não é filiado ao Conima, o que a gente pode fazer e tem feito é denunciar isso ao Ministério Público ou à autoridade policial, porque nós não temos poder de apenar ninguém. Mas o foco do conselho é reconhecer boas práticas, fazendo auditorias e certificando instituições com uma espécie de selo para quem atua bem. Estamos tentando uma aproximação com entidades denunciadas por terceiros. Muitas vezes o problema não é fraude…
ConJur — Às vezes a instituição não sabe como fazer?
Roberto Pasqualin — Por ignorância. Então nossa ouvidoria quer se aproximar de entidades que foram denunciadas e saber o que está acontecendo. Falta instrução ou é má fé mesmo? Agora, dificilmente alguém leva casos importantes a uma instituição picareta, sem estrutura. Em geral, a parte está assistida por advogado, que conhece o ramo ou, se não, procura se informar.
As câmaras de arbitragens normalmente são entidades sem fins lucrativos. O árbitro ganha dinheiro? Sim. O mediador ganha? Sim. Porque eles estão trabalhando profissionalmente, mas a câmara só cobra uma taxa de administração para manter a sala onde se fazem as audiências, bancar equipamentos, ter uma secretária para receber as comunicações…
ConJur — No ato do contrato já se determina qual câmara será escolhida ou isso pode ser feito no futuro?
Roberto Pasqualin — É aquilo que nós chamamos de cláusulas compromissórias vazias ou cláusulas cheias. Cláusulas vazias não indicam a câmara, não indicam a lei, só dizem que vai ser por arbitragem. Isso pode criar uma dificuldade na hora de começar, quando as relações entre as partes já estão azedas. Por isso a gente recomenda cláusulas cheias, que determinam qual é a câmara que vai administrar o procedimento. Quando não é designada, existe um procedimento dentro da lei de arbitragem que permite que você vá ao juiz para que ele determine onde será feita a arbitragem. É mais uma ação colaborativa do Judiciário.
ConJur — O senhor comentou sobre entidades que têm surgido no setor. Esse mercado tem crescido ou as entidades que já existem estão se consolidando mais?
Roberto Pasqualin — Tem crescido. O interesse pela arbitragem hoje é muito maior do que 15 anos atrás. A arbitragem está consolidada, mas apenas nos grandes centros: São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife. A Confederação das Associações Comerciais do Brasil [CACB] criou uma rede de câmaras de arbitragem nas associações comerciais do país inteiro. Então a arbitragem está crescendo rapidamente, as filiadas do Conima são uma parte desse universo. Eu tenho uma opinião pessoal, particular, de que a existência de um número muito grande de instituições arbitrais em uma mesma localidade acaba encarecendo o serviço. Porque quem presta o serviço na verdade são os árbitros, e você vai ver que os árbitros são mais ou menos os mesmos em todas as câmaras de arbitragem: Brasil-Estados Unidos, Brasil-Canadá, no Instituto de Engenharia, na Fiesp, na Fundação Getulio Vargas.
O ideal seria haver menos câmaras no mesmo lugar e mais alternativas regionais. Quem está em Presidente Prudente pode fazer a arbitragem em São Paulo, mas o ideal seria ter naquela região uma boa câmara de arbitragem com árbitros reconhecidos. Neste ano, o Conima fez um congresso em Goiânia, no ano passado, no Recife. Estamos levando o assunto para outros centros onde a gente imagina que, se as pessoas passarem a conhecer a mediação e a arbitragem, vão passar a praticar.
ConJur — As universidades estão prontas para isso?
Roberto Pasqualin — As universidades ainda não têm posto a arbitragem na grade delas.
ConJur — Até porque você tem que ter um profissional da área para poder lecionar…
Roberto Pasqualin — Isso já existe. Temos bons conhecedores da arbitragem que já são da academia, com pós-graduação, mestrado, doutorado no Brasil e na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Suíça… Gente boa mesmo e que leciona, mas a estrutura das faculdades de Direito ainda não incluiu a arbitragem. Processo Civil o estudante tem desde o primeiro ano até o quarto ou quinto ano. Que ensina o quê? Litigar, ganhar do adversário. A arbitragem ainda é uma criança no Brasil. A mediação é um bebê, está muito incipiente. Já tem bons profissionais, que conhecem e praticam, mas continua pouco conhecida. E o mediador precisa até de mais capacitação do que na arbitragem, precisa usar técnicas de levar as partes ao consenso, usar psicologia. O árbitro é receptivo, ele recebe as alegações das partes, ouve as testemunhas, examina as provas e decide. Na mediação, a interação entre o mediador e os mediandos, como a gente chama, é muito grande.
ConJur — A cláusula de confidencialidade funciona?
Roberto Pasqualin — A lei não obriga isso, mas o regulamento das câmaras, sim. Há uma quebra da confidencialidade quando se procura anular a arbitragem. E aí vai para a Justiça, onde não existe, em geral, a confidencialidade. A nova legislação prevê que seja respeitado o segredo de Justiça quando o conflito arbitrado ou mediado vai parar no Judiciário.
Conjur — Isso seria automático ou cabe ao juiz analisar?
Roberto Pasqualin — Toda vez que vai ao Judiciário a decisão é do juiz. Se ele não conceder, você pode recorrer.
ConJur — Os juízes estão prontos para julgar processos envolvendo arbitragem?
Roberto Pasqualin — Os tribunais de Justiça, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e o STF [Supremo Tribunal Federal] já estão bem acostumados em analisar arbitragem e já têm jurisprudência. Em primeira instância, ainda existem algumas dificuldades. Eu tive um caso, por exemplo — que é judicial, então já de conhecimento público —, em que pedimos ao juiz para indicar qual câmara deveria julgar, já que a cláusula do contrato não previa nenhuma. O juiz indicou duas câmaras, ao invés de uma.
ConJur — Mais atrapalhou do que ajudou?
Roberto Pasqualin — Isso, as partes tiveram que recorrer ao tribunal. Ainda há na primeira instância um desconhecimento da prática. E há também certa resistência. Os tribunais trabalhistas…
ConJur — A lei acabou deixando de fora os conflitos trabalhistas…
Roberto Pasqualin — Isso foi vetado. Os tribunais trabalhistas têm historicamente o entendimento de que o empregado é hipossuficiente por definição e que ele não tem como ser equiparado ao empregador. Por isso, a arbitragem seria danosa ao empregado e sempre favoreceria ao empregador. É um erro filosófico até.
ConJur — Mesmo porque seria só no alto escalão, segundo o projeto.
Roberto Pasqualin — Na proposta de alteração da lei, seriam apenas para diretores estatutários e administradores de alto escalão. E o projeto de lei dizia que, mesmo quando existisse cláusula de arbitragem, o empregado poderia negar a arbitragem e ir à Justiça do Trabalho. Então ele ficava totalmente protegido. Poderia existir um regulamento indicando que o empregado não paga, quem paga é o empregador. Ou determinar que o sindicato pagasse, não o empregado. Vetar [esse trecho] foi um erro grosseiro, a meu ver, assim como afastar a arbitragem do direito do consumidor também. Na relação de consumo também tinha a mesma proteção, só iria para a arbitragem se o consumidor quisesse.
ConJur — No geral, o senhor avalia que as duas leis são positivas?
Roberto Pasqualin — Muito positivas. Havia planos para vetar a carta arbitral, mas o Conima e outras instituições foram lá na Casa Civil mostrar que é uma ferramenta tão útil que já está no Código de Processo Civil, inclusive. A proposta nasceu de uma conjunção, começou quando uma portaria do [presidente do Senado] Renan Calheiros criou uma comissão de juristas, dirigida pelo ministro [do STJ] Luis Felipe Salomão. O anteprojeto elaborado pelo grupo virou um projeto de lei encaminhado ao Senado. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Reforma do Judiciário [vinculada ao Ministério da Justiça] criou uma comissão de especialistas e também propôs um texto. E a Advocacia-Geral da União, que já tem uma câmara para solucionar conflitos entre os órgãos da Administração Pública federal, também apresentou um anteprojeto para regular essas questões entre os órgãos. Então foram criados três projetos tratando mais ou menos do mesmo assunto, além do novo Código de Processo Civil, que já estava avançando nisso. O que aconteceu? Na Câmara dos Deputados foi feito um substitutivo juntando as partes boas desses três projetos. A lei de mediação poderia ser mais completa? Poderia, mas do jeito que está já é um grande avanço, vai incentivar a prática cada vez mais.
ConJur — Os juizados especiais nasceram com a proposta de agilizar tudo, mas nem sempre as decisões saem rapidamente. Como não acontecer o mesmo na mediação?
Roberto Pasqualin — Na mediação judicial, esse cenário pode até acontecer. A lei exige uma capacitação dos mediadores judiciais com dois anos de formação, então você pode chegar ao Judiciário e não ter mediadores suficientes. Hoje já se pratica a mediação judicial, só que os mediadores são voluntários, eles não recebem nada. Para se tornar uma política pública, é preciso se estruturar.
ConJur — Com o sigilo, não fica faltando uma jurisprudência da arbitragem?
Roberto Pasqualin — Isso começa com as decisões do Judiciário a respeito de patologias de arbitragem, porque a jurisprudência sempre vai tratar das patologias. O Conima está apoiando a criação de um banco de decisões sem o nome das partes ou informações de circunstâncias que permitam identificá-las. Se a parte autorizar, não há problema de você divulgar. Ter acesso a decisões pode servir como uma orientação geral. Em arbitragens de casos complexos, existem estudos jurídicos ótimos, pareceres que são usados como elementos de defesa para um argumento ou para outro. Esse trabalho está sendo feito pela Câmara de Arbitragem do Instituto dos Advogados de São Paulo.
ConJur — Como resolver o impasse da arbitragem quando uma das partes não tem dinheiro para pagar?
Roberto Pasqualin — A arbitragem é suspensa e acaba arquivada. Nos Estados Unidos, já existem mecanismos de financiamento das partes. Você financia a parte e cobra uma remuneração pelo financiamento, empréstimo ou o que seja. Existem instituições lá que entram como investidores na arbitragem. Se uma causa é boa e o sujeito não tem como custear a arbitragem, entra alguém que dá o dinheiro necessário em troca de 30% do que a parte ganhar, por exemplo. Deveríamos ter mecanismos para resolver isso. Ou financiamento público, como você tem na Justiça gratuita. A legislação não enfrentou essa questão.
O segundo ponto que deveríamos avançar é permitir a arbitragem para questões tributárias. Hoje mais de 50% dos casos são casos no Judiciário têm envolvida a Administração Pública. Se a alíquota máxima do ITCMD [imposto pago por quem recebe herança] foi fixada em 5% pelo Senado, o Fisco estadual não pode cobrar 7%. Discutir isso é uma questão de Direito, não é questão de fato. Por que um tema como esse não pode ser resolvido por um árbitro ou por um tribunal de três ou cinco árbitros?
Teríamos que quebrar muitos tabus, muitas resistências, mas seria importante incluir, essa é a hora de a gente fazer isso. Como acabou o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que tem passado por mudanças desde que virou alvo de operação zelotes, da Polícia Federal], poderíamos criar outro mecanismo.
Por Felipe Luchete, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2015, 9h26

Especialistas debatem se árbitro deve denunciar suspeita de corrupção

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Prevista para entrar em vigor no fim de julho, a Lei 13.129/2015, que atualizou a Lei de Arbitragem (9.307/1996) e de forma expressa autorizou a adoção deste procedimento pela Administração Pública, está no centro de uma polêmica. Especialistas nesta área se questionam se os árbitros têm a mesma obrigação dos juízes de comunicar o Ministério Público caso suspeitem que o contrato em apreciação pode resultar de um crime — mais especificamente, de corrupção.
Esse foi um dos temas tratados por advogados no Seminário Arbitragem e Mediação na Administração Pública, que a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) promoveu nesta sexta-feira (17/7).
Em tempos de “lava-jato”, operação que investiga indícios de corrupção em diversos contratos da Petrobras, especialistas debateram se a regra prevista no artigo 40 do Código de Processo Penal seria aplicável, por analogia, aos árbitros. Segundo o dispositivo, “quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”.
Um dos palestrantes, José Roberto de Castro Neves, advogado do escritório Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados, destacou a necessidade de se dar atenção a essa questão para “que a arbitragem não seja transformada em um reduto para se esconder atos de corrupção”. Na avaliação dele, mesmo com as diversas denúncias, o Brasil está evoluindo, pois as investigações estão ajudando “a construir um país melhor”.
Mas, segundo destacou o procurador do estado do Rio de Janeiro e sócio do Tauil & Chequer Advogados, Gustavo Fernandes de Andrade, não existe na lei um dispositivo que obrigue o árbitro a “comunicar um fato que ele acha que pode ser um crime, mas que não tem certeza, pois não há uma investigação”.
“O árbitro tem outras obrigações quando assume essa função. Uma delas é a confidencialidade. Ele, então precisa comunicar? Essa é a discussão”, disse.
O advogado explicou que toda a discussão ainda é doutrinária — não há nenhum caso concreto sobre o tema no Judiciário, muito menos jurisprudência. Diante de parâmetros, ele avalia ser possível o árbitro comunicar sua suspeita ao Ministério Público, se achar que deve fazer isso.
Entretanto, Andrade entende que o profissional não deve ser responsabilizado caso opte por não fazê-lo. “Não vejo que ele tenha essa obrigação. E não acho que ele tenha que estar sujeito a consequências penais ou administrativas se não o fizer. Isso me parece um exagero”, afirmou.
A norma que alterou a Lei de Arbitragem está prevista para entrar em vigor no dia 27 de julho — exatos 60 dias desde a sua publicação no Diário Oficial. A fim de desafogar o Poder Judiciário, que sofre com uma imensa quantidade de ações que tem o poder público como parte, o texto legal inovou e abriu à administração direta e indireta a possibilidade de se submeterem ao procedimento para dirimir conflitos.
Por Giselle Souza, correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 18 de julho de 2015, 10h03

Condenado em sentença arbitral tem 15 dias para pagar o que deve, diz STJ

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A multa para quem deixa de pagar espontaneamente condenação no prazo de 15 dias, válida na área cível, também pode ser aplicada no caso de sentença arbitral. A decisão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso repetitivo, e forma uma nova jurisprudência.
O caso julgado envolve um débito de quase R$ 3,5 milhões da FRB-PAR Investimentos com quatro executivos que ingressaram no Conselho de Administração da companhia aérea Varig no momento de recuperação judicial da empresa, em 2005. A permanência deles durou apenas seis meses. Em arbitragem, eles conseguiram direito a ser indenizados pela destituição sem justa causa.
Eles executaram a sentença arbitral na Justiça do Rio de Janeiro cobrando a dívida da Fundação Rubem Berta. Foi assim que se iniciou a controvérsia sobre o período em que réus de questões arbitrais devem cumprir decisões.
Para o relator, ministro Marco Buzzi, o Código de Processo Civil e a Lei da Arbitragem (Lei 9.307/1996) conferem a natureza de título executivo judicial à sentença arbitral, distinguindo apenas o instrumento de comunicação processual do executado. “A execução da sentença arbitral condenatória de obrigação de pagar quantia certa observa o mesmo procedimento previsto para as sentenças civis de idêntico conteúdo, qual seja, o regime previsto nos artigos 475-J a 475-R do CPC”, avaliou o ministro.
Buzzi afirmou que a multa tem o objetivo de dar maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional e que afastar sua incidência no âmbito do cumprimento da sentença arbitral representaria um desprestígio ao procedimento da arbitragem. Isso enfraqueceria seu principal atrativo, que é a expectativa de rápido desfecho na solução do conflito.
Novo entendimento
A tese fixada para efeitos do artigo 543-C do CPC é: “No âmbito do cumprimento de sentença arbitral condenatória de prestação pecuniária, a multa de 10% do artigo 475-J do CPC deverá incidir se o executado não proceder ao pagamento espontâneo no prazo de 15 dias contados da juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos (em caso de título executivo contendo quantia líquida) ou da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial (em havendo prévia liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral)”.
A decisão foi unânime na Corte Especial, que reúne os 15 ministros mais antigos do tribunal. O acórdão ainda não foi publicado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.102.460
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2015, 14h27

Juristas pedem para Congresso liberar arbitragem trabalhista e de consumo

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Um grupo de juristas se movimenta para estimular o Poder Legislativo a “ressuscitar” as regras que permitiriam a arbitragem em algumas causas trabalhistas e nas relações de consumo. Esses pontos ficaram de fora da nova lei sobre a ferramenta (13.129/2015), sancionada no dia 26 de maio pelo vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB). Mas o Congresso pode votar o tema em sessão da próxima terça-feira (30/6).
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Ministro Luis Felipe Salomão entregou nota técnica ao senador Renan Calheiros.
O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, entregou na semana passada uma nota técnica ao presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). Salomão presidiu a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto da reforma da lei anterior, de 1996. Membros do grupo dizem que Calheiros sinalizou disposição em derrubar os vetos — o que exige votos da maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).
No projeto de lei que passou pelo Senado, a arbitragem seria liberada para consumidores e também trabalhadores com cargo de confiança ou executivos. Os ministérios da Justiça e do Trabalho barraram esses trechos do texto. Integrantes da comissão defendem que as regras entrem na lei, negando que poderiam causar prejuízos a hipossuficientes.
“As arbitragens na relação de trabalho estavam direcionadas apenas a cargos de alta direção, como CEOs, que o próprio Tribunal Superior do Trabalho trata de forma diferenciada”, afirma o advogado Caio Cesar Rocha, membro da comissão e colunista da revista Consultor Jurídico. “A jurisprudência do TST em relação a esse tipo de contrato diz que se aplicam regras do Código Civil, e não da CLT.”
Outro membro, o advogado José Roberto de Castro Neves, defende que o consumidor ficaria com a “chave” para decidir como resolver controvérsias: na arbitragem, que seria mais rápida, ou no Judiciário. “Queremos que a inteligência prevaleça. Não é objetivo nenhum criar um tribunal arbitral que exploraria o consumidor.”
Vento favorável
“Acredito que as forças do Senado estão bem favoráveis à derrubada do veto. Estamos trabalhando para isso. Os argumentos do veto, na minha opinião, são frágeis”, afirma o advogado Marcelo Nobre, também integrante da comissão.
Todos se reuniram na última segunda-feira (22/6) no lançamento do livro Arbitragem e Mediação – A Reforma da Legislação Brasileira (Editora Atlas), coordenado por Caio Rocha e pelo ministro Salomão e com artigos de mais 16 autores. O evento ocorreu na sede da Associação dos Advogados de São Paulo.
A expectativa de derrubada dos vetos, de acordo com Rocha, é “fincada na realidade”. Mesmo que a lei continue como está, ele afirma que a arbitragem nas relações de trabalho e consumo não ficam proibidas. “O que queremos é incluir condições e aumentar o âmbito da aplicação, acabar com esse preconceito de que a arbitragem é destinada a resolver litígios de grande monta. Nosso intuito era trazer a lei para o litígio comum, uma realidade mais ao alcance do jurisdicionado.”
Tese contrária
A Associação Brasileira de Procons e outras entidades alegam que o consumidor poderia ser induzido a aceitar a arbitragem sem informações claras, abrindo mão de proteções do Código de Defesa do Consumidor.
O Ministério da Justiça disse que os dispositivos não deixavam claro que o consumidor pode pedir a instauração de juízo arbitral no decorrer do contrato, e não apenas no momento de sua assinatura. Para o Ministério do Trabalho e Emprego, liberar que só executivos usassem a arbitragem “acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados”.
Por Felipe Luchete, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2015, 14h01

Vetos presidenciais impedem evolução da arbitragem e não devem ser mantidos

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No último dia 26 de maio, foi sancionada a Lei 13.129/2015. Confirmaram-se importantes alterações na Lei de Arbitragem (9.307/1996) decorrente do Projeto de Lei 406/2013 do Senado Federal, resultado do trabalho realizado pela Comissão de Juristas criada por aquela Casa Legislativa e presidida pelo eminente ministro Luís Felipe Salomão.
Na ocasião da sanção, para surpresa de muitos e especial decepção dos membros da Comissão, foram apresentados vetos aos parágrafos 2º, 3º e 4º, do artigo 4º da Lei. Os dispositivos disciplinavam a arbitragem no âmbito das relações de consumo e do trabalho. Aquelas alterações sinalizavam um movimento de democratização da arbitragem, que poderia finalmente deixar de ser método de resolução de litígios “de elite”.
Os fundamentos dos vetos[1], e os motivos pelos quais devem ser rejeitados pelo Congresso, já foram abordados de maneira inteligente e bem fundamentada em artigo publicado aqui na ConJur[2], de autoria do professor José Rogério Cruz e Tucci, que integrou a Comissão de Juristas.
O presente artigo visa, modestamente, acrescentar alguns poucos argumentos ao que já foi muito bem defendido pelo professor Tucci, especialmente no que diz respeito a noções de arbitrabilidade.
Arbitrabilidade é a característica inerente a um litígio que possibilita sua resolução por arbitragem. Pode tanto referir-se à matéria discutida (arbitrabilidade objetiva), quanto à capacidade das partes em firmar a convenção (arbitrabilidade subjetiva). Interessa ao presente artigo a arbitrabilidade objetiva, já que foi ela a afetada pelos vetos.
Os limites à arbitrabilidade objetiva são impostos pela legislação de cada país e encontra fundamento no “… interesse do legislador de limitar o poder das partes em excluir da apreciação pelo Poder Judiciário alguns litígios que possam suscitar discussões referentes a políticas públicas de natureza sensível. Considera-se que determinados tipos de litígios não devem ser retirados da solução pública por envolverem o interesse geral”[3].
Mesmo nos países mais entusiastas da arbitragem, há matérias universalmente reconhecidas como não arbitráveis. Dentre elas, destacam-se os litígios envolvendo direitos de família e direitos da pessoa; direitos personalíssimos (direito à vida, à liberdade, à integridade etc); matérias criminais; questões relacionadas a créditos da Fazendo Pública, dentre outras.
Outros temas, no entanto, embora considerados sensíveis, situam-se em zona limítrofe entre a arbitrabilidade e a não arbitrabilidade. A solução, para um lado ou para outro, depende diretamente da política legislativa ou da interpretação jurisprudencial de cada país. Nesta categoria, destacam-se as questões relativas à falência, propriedade intelectual, matérias relativas à concorrência, questões ambientais, matérias que versam sobre direitos difusos e coletivos, e, em menor grau, litígios que envolvam partes hipossuficientes, como aqueles decorrentes das relações de consumo e do trabalho.
No Brasil, os aspectos objetivo e subjetivo da arbitrabilidade são definidos no artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), ao estabelecer que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
A redação atual do parágrafo 2º do artigo 4º, dispõe que “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”. Não custa relembrar que nem todo contrato de adesão reveste relação consumeirista, e nem toda relação de consumo decorre de contrato de adesão. Daí dizer que este dispositivo toca apenas indiretamente as relações de consumo e não conferiu suficiente segurança, ao longo do tempo, para que os litígios de consumo fossem confiados tradicionalmente à arbitragem.
No cenário internacional, há quem vislumbre inclusive a “morte da inarbitrabilidade”[4]. Descreve-se, assim, o fenômeno de expansão da liberdade das partes em submeter seus conflitos à arbitragem. Litígios que antes eram infensos a solução arbitral, passaram a ser considerados arbitráveis. Esta tendência é observada tanto nas nações com postura mais liberal em favor da arbitragem, notadamente nos Estados Unidos, Suíça, Alemanha, como também naquelas mais conservadoras, inclusive em países em desenvolvimento, como os considerados de terceiro mundo e do Oriente Médio[5]. No Canadá, alguns litígios têm, por força de lei, a arbitragem como método de resolução não só preferencial mas até mesmo prioritário, e só poderão ser submetidos ao Judiciário se houver expressa renúncia das partes firmada em contrato[6].
Atenta à tendência mundial em favor da arbitragem, certa de ser este um dos caminhos adequados à constante busca pela efetividade da jurisdição, a Comissão de Juristas do Senado aceitou o desafio de tentar expandir a arbitrabilidade objetiva, sem desconsiderar as nossas peculiaridades.
Importante destacar que o trabalho da Comissão, desenvolvido ao longo de 6 meses e 13 longas reuniões, foram realizados com ampla transparência e sempre no sentido de ouvir e buscar contribuições. Foram enviados mais de 150 ofícios a diversas entidades representantes de diversos segmentos da sociedade civil. As 23 entidades que se prontificaram, participaram de audiências públicas realizadas ao longo de 4 longos dias de debates e trabalho. As sugestões manifestadas foram todas apreciadas, inclusive mais de 150 enviadas por canal virtual disponibilizado no site do Senado Federal especificamente para este fim.
Daí propostos os três parágrafos ao artigo 4º, em substituição ao parágrafo 2º, que passariam a ter a seguinte redação:
§ 2º Nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado.
§ 3º Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordar, expressamente, com a sua instituição.
§ 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar, expressamente, com a sua instituição.
Agora, com inegável atraso, surgem manifestações esparsas contrárias à arbitragem no âmbito do consumo e do direito do trabalho.
No que diz respeito às relações de consumo, verifica-se, pela simples leitura, que não há que se falar em qualquer risco ao consumidor – pelo menos não em risco maior do que o já existente! Pelo contrário, nas relações de consumo decorrentes de contratos de adesão (que certamente são a grande maioria), as arbitragens só poderiam ser instauradas pelo próprio consumidor, ou se houvesse sua concordância expressa.
Uma das mais respeitadas autoridades em direito do Consumidor no Brasil, Cláudia Lima Marques, resumiu em importante artigo publicado aqui na ConJur[7] motivos pelos quais, na sua visão, os vetos devem ser mantidos. Em síntese, defende que: (1) na arbitragem não se aplicaria o Código de Defesa do Consumidor; (2) a arbitragem seria sigilosa; (3) a arbitragem pode gerar abusos; e (4) os consumidores, caso aceitassem a jurisdição arbitral, poderiam deixar de ser beneficiados por súmulas, decisões judiciais repetitivas ou ações coletivas.
Apesar da aparente pertinência das considerações feitas, com a devida vênia, elas não se sustentam. E por um motivo simples, que dispensaria até uma análise mais profunda: todos estes pseudoproblemas se fossem existentes, já existiriam hoje, com a redação atual, independente dos vetos. Em outras palavras, quem defende os vetos esquece de se fazer uma pergunta: se a arbitragem representa ameaça ao direito dos consumidores, em que os vetos propostos os beneficiam? Ora, não há nada na atual Lei de Arbitragem que proíba a arbitragem no âmbito do consumo. O que a nova redação busca propor são maiores garantias ao consumidor!
Para não fugir ao debate, importante aprofundar a discussão. Primeiro, não é necessariamente verdadeiro afirmar que na arbitragem não se aplica – ou não se aplicaria – o Código de Defesa do Consumidor e ela será impreterivelmente dirimida por equidade. Pelo contrário, ousaria dizer que a intepretação sistemática conduziria a uma conclusão diversa. Da leitura do artigo 2º e parágrafos da Lei de Arbitragem, se pode extrair que as regras aplicáveis à arbitragem devem respeitar a ordem pública (parágrafo 1º, artigo 2o), e o Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, afirma que suas normas são “de ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias” (artigo 1º, Lei 8.078). É mesmo inimaginável, nos dias atuais, examinar-se uma relação de consumo sem aplicar o Código de Defesa do Consumidor. Somente uma arbitragem de má-fé, levada a cabo por árbitros conscientemente mal intencionados, o desconsideraria. Se o compromisso contivesse cláusula de equidade seria nulo, e a sentença da arbitragem consequentemente nula (artigo 32, inciso I).
Não é, outrossim, correto dizer que a arbitragem privada é sigilosa. É certo afirmar que ela é geralmente sigilosa. Mas não necessariamente, o que depende do órgão em que se desenvolve, e sobretudo da vontade das partes. Ainda assim, o só fato de ser sigilosa não representa, por si, prejuízo ao consumidor.
Na arbitragem podem ocorrer abusos ou desvirtuamento do processo. Isto é fato inconteste, que vale não só para arbitragens relacionadas a matérias de consumo, mas para todas as arbitragens em geral. O que pode trazer credibilidade à instituição é a prática e a realidade. Só sai à rua quem confia que está seguro. Se o “clima” for de insegurança, melhor ficar em casa. Usar o exemplo malsucedido de uma câmara arbitral isolada é tão preconceituoso quanto afirmar que o Poder Judiciário é corrupto com base na conduta de um único juiz desonesto.
Por fim, afirmar que ao escolher a arbitragem o consumidor será privado do benefício de súmulas, decisões repetitivas, ou mesmo de ações coletivas é exercício de adivinhação. Quanto às ações coletivas, não se pode olvidar a lição do ministro Teori Zavascki, segundo o qual o substituído, titular do direito postulado, é levado a conservar-se inerte. Se agir correrá “…um risco adicional: aos litisconsortes, o de sofrer os efeitos da sentença de improcedência da ação coletiva; e aos demandantes individuais, o risco de não se beneficiarem da sentença de improcedência”[8].
Não se pode, de igual modo, projetar que na arbitragem necessariamente irá decidir-se contra o direito do consumidor estabelecido em súmulas ou decisões proferidas em incidentes repetitivos. Ora, a própria afirmação pressuporia, que todas – repito, todas! – as súmulas e decisões proferidas em incidentes repetitivos fossem benéficas aos consumidores…
No que diz respeito às relações de trabalho, a Comissão foi cautelosa, sendo até criticada por isso. Baseou sua posição principalmente no fato de que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho já diferencia o tratamento dado aos cargos de direção e executivos, ao entender que possuem com as empresas relação regida pela lei civil, e não pela CLT. Exemplo dessa distinção é a Súmula 269[9] daquela corte.
Razão não há para afastar a arbitragem quando houver litígio envolvendo executivos com cargo de direção. Ainda assim, usou-se da mesma garantia utilizada na relação de consumo: a arbitragem só poderia acontecer se fosse iniciada pelo trabalhador, ou a ela houvesse anuência expressa.
Feitas estas considerações, percebe-se que os vetos não devem se sustentar. Caberá ao Congresso demonstrar qual direção pretende seguir, e qual sinal pretende passar para a sociedade. O escopo das matérias arbitráveis, dependem da confiança depositada e da atitude com que certos países encaram a arbitragem. No Brasil, a evolução da arbitragem nos últimos 20 anos é inconteste. Resta saber se esta evolução continuará sendo estimulada ou, ao contrário, se é chegado o momento de vetar esta saudável evolução.
[1] www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-162.htm
[2] Vetos inusitados conspiram contra o futuro promissor da arbitragem
[3] GONÇALVES, Eduardo Damião. Arbitrabilidade objetiva. 2008. Tese (Doutorado) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. P. 14.
[4] YOUSSEF, Karim. The death of inarbitrability. In. Arbitrability – International & Comparative Perspectives. Edited by. Loukas A. Mistelis and Stavros L. Brekoulakis. Wolters Kluwer Law & Business, The Netherlands. P. 47.
[5] “The evolution is particularly evident in the U.S. and Europe. Expansive approach to arbitrability are most evolved in common law jurisdictions, but the liberal trend is also clearly noticeably in many civil law States. It has accelerated, in recent years, to reach emerging jurisdictions, and in some cases, to ultimately extend to domestic arbitration, as is the case in the U.S.” (IN. YOUSSEF, Ob. Cit. pp. 51/52)
[6] O Quebec Professional Artists Act, traz a seguinte disposição no seu art. 37:
“In the absence of an express renunciation, every dispute arising from the interpretation of the contract shall be submitted to an arbitrator at the request of one of the parties”.
[7] É preciso manter veto à arbitragem privada de consumo
[8]In. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo – Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo, Revista dos Tribunais,, 2006, p. 203.
[9] “O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego.”
Por Caio Cesar Rocha, advogado, sócio do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados e membro da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de lei para revisar a Lei de Arbitragem. Tem doutorado em Processo Civil pela USP e pós-doutorado pela Columbia University, de Nova York.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2015, 10h38

Especialistas avaliam decreto que dispõe sobre arbitragem no setor portuário

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Foi publicado na última terça-feira, 9, no DOU, decreto 8.465/15, que dispõe sobre os critérios de arbitragem para resolver litígios no setor portuário. A norma dividiu a opinião de especialistas.
Para o advogado Paulo Guilherme de Mendonça Lopes, do escritório Leite, Tosto e Barros – Advogados Associados, o decreto não se encontra em conformidade com o disposto na lei de Arbitragem.
“Por exemplo, ao dispor que, obrigatoriamente, um dos árbitros deva ser bacharel em direito (§2º do art. 3º), o decreto criou exigência não contida na lei de arbitragem. O mesmo ocorre quando estabelece que ‘os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes’ (§ 3º do art. 3º), e daí por diante.”
Em sua opinião, a cláusula compromissória de arbitragem, prevista no artigo 6ª do decreto, pode afastar os investidores do setor.
“Está longe de ser um fator atrativo de investimentos uma cláusula compromissória que acompanhe as disposições do citado decreto. Se presente no edital, vai é afastá-los”.
Dispõe o § 1º, art. 60 da lei 12.815/13, que nos litígios relativos aos débitos a que se refere o caput (obrigações financeiras junto à administração do porto e a Antaq), poderia ser utilizada a arbitragem, nos termos da lei de arbitragem. “Ora, em vez de o decreto em questão se ater aos termos da Lei de Arbitragem, resolveu inovar, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico, tornando-o inválido naquilo que se aparta da lei de arbitragem”.
O advogado Renato Almada, sócio da banca Chiarottino e Nicoletti – Advogados, entretanto, tem opinião distinta.
“Apesar de se tratar de uma regulamentação específica para dirimir litígios do setor portuário, o decreto é um importante sinal de valorização do instituto da arbitragem, que a cada dia ganha maior número de adeptos. Essa regulamentação vai ao encontro do espírito da lei 13.129, de 26 de maio de 2015 que, entre outras alterações, promoveu a ampliação do âmbito de aplicação da arbitragem, permitindo que a administração pública direta e indireta utilize-se desse instituto para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, como é a situação tratada no aludido decreto.”
Para ele, a edição dessa norma é benéfica, “antes de tudo, por possibilitar uma tramitação mais efetiva em termos de celeridade na solução dos litígios nela previstos”. O especialista aponta como principais vantagens da arbitragem a celeridade de sua tramitação em relação aos conflitos levados ao conhecimento do Poder Judiciário, assim como a simplificação e a flexibilidade do procedimento.
Na avaliação de Roberto Pasqualin, sócio do PLKC Advogados e presidente do CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, o decreto, apesar de limitado ao setor portuário, indica a posição do Executivo quanto à regulamentação Federal para arbitragens com a Administração Pública.
“Está permitida a arbitragem institucional administrada por Câmara em funcionamento há pelo menos 3 anos, ao lado da ad hoc, escolhida de comum acordo sem licitação e sem termo aditivo. A arbitragem pode seguir o Regulamento da Câmara escolhida mas a parte privada deve adiantar sozinha todos os custos da arbitragem.”
Pasqualin destaca que arbitragem para recompor o equilíbrio econômico-financeiro não pode ser contratada a priori, mas apenas por compromisso arbitral quando surgir o desequilíbrio, e por acordo das partes — a Administração pode não querer.
Fonte: Migalhas – quinta-feira, 11 de junho de 2015