XIV Encontro CONIMA

O CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Arbitragem e Mediação, em comemoração aos seu Jubileu de Prata, realizará o seu XIV ENCONTRO CONIMA, nos dias 17 e 18 de novembro, no Hotel Atlante Plaza, em Recife/PE.
Após 2 anos de eventos totalmente virtuais, realizaremos o XIV ENCONTRO CONIMA na forma híbrida – presencial e virtual. Com isso poderemos oportunizar o contato pessoal, estabelecer novos Networking e resgatar aqueles que não pudemos encontrar nos últimos anos.
O tema do XIV ENCONTRO CONIMA será “Um sonho, muitos ideais e grandes conquistas” No dia 17 de novembro, das 14 às 17 hs, teremos o Workshop – “Constituição de Câmaras de Arbitragem e Mediação” , com abordagem de aspectos práticos. O Workshop será apenas para os participantes presenciais e haverá preço especial para inscrições do combo: Encontro + Workshop.
Informações e inscrições, clique aqui
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Arbitragem bate recorde na pandemia e Brasil ocupa segunda posição em ranking mundial

A crise sanitária suspendeu a prestação de serviços e a entrega de insumos, o que levou muitas empresas a terem dificuldades para cumprir suas obrigações contratuais. Este cenário levou ao aumento no número de disputas e fez subir a procura pela arbitragem para a solução dos conflitos no mundo inteiro. No Brasil, foi observada alta principalmente em demandas societárias e contratuais, mas também houve crescimento nas discussões trabalhistas e de esporte.
Dados da Pesquisa Arbitragem em Números, da professora e advogada Selma Lemes, mostram que o número de arbitragens em andamento atingiu a marca recorde de 1.047 casos no ano passado, alta de 5% na comparação com 2020, quando foram contabilizados 996 processos arbitrais. Em 2019, último ano antes da pandemia, foram 967 casos. Para se ter uma ideia, nos últimos dois anos entraram 655 novos processos arbitrais nas oito câmaras analisadas pelo estudo, que juntos totalizaram R$ 55,2 bilhões só no ano passado.
Essa expansão fez o Brasil passar de terceiro para segundo no ranking mundial do uso de arbitragem em 2020, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil é o país mais representado na região (38%) com 150 casos (contra 133 em 2019). Na América Latina, ele foi seguido pelo México com 78 processos arbitrais (contra 51 em 2019), que ficou em 10º lugar no ranking mundial de classificação de nacionalidade. Os dados são da Corte Internacional de Arbitragem (ICC, na sigla em inglês).
“Apesar de pequenas oscilações sobre a quantidade de entradas de arbitragem nos últimos anos, os dados da última pesquisa ‘Arbitragem em Números’ refletem o aumento do número absoluto de procedimentos em andamento”, afirma o advogado Caio Lins Azuirson, do escritório Serur Advogados. “Esse cenário declara a consolidação da prática no Brasil, que tem se beneficiado de inovações jurídicas em áreas diversas, cada vez mais receptivas à sua realização, tais como a estipulação de arbitragem nos contratos com a Administração Pública Direta e Indireta (Parceria Público-Privada, Concessão em geral e de Parceria Pública de Investimento – PPI) ou do futuro aproveitamento pelas ‘Sociedades Anônimas do Futebol’ (Lei 14.193/2021).”
Principais áreas
Parte do incremento nos processos arbitrais durante a pandemia resulta das dificuldades das partes executarem os serviços ou fornecimento de produtos, conforme estipulado nos respectivos contratos. “A crise sanitária foi um evento disruptivo que desbalanceou as relações comerciais e gerou uma série de atritos no âmbito dos negócios”, avalia o advogado Pedro Batista Martins, sócio do escritório Batista Martins Advogados e um dos colaboradores da Lei de Arbitragem.
As matérias societárias lideraram o ranking em número de casos e valores, seguida de questões referentes a contratos de engenharia e energia, passando por matéria trabalhista e desportiva. Com o isolamento social determinado pelos governos na tentativa de reduzir o número de casos de Covid-19, muitas empresas foram afetadas. Trabalhadores em casa e falta de insumos criaram um círculo vicioso e as companhias não puderam prestar o seu serviço. Com isso, o cliente parou de pagar e foram necessárias revisões contratuais, um dos motivos do aumento no número de arbitragens.
“As arbitragens societárias podem ser divididas em arbitragens contratuais, em contratos de compra e venda de participação societária, e arbitragem societárias propriamente ditas (relação entre acionistas, cumprimento de acordos de acionistas, etc)”, destaca Mauricio Fabbri, sócio na área de Contencioso e Arbitragem, do escritório Cescon Barrieu.
IGP-M questionado
Um ponto que ganhou bastante destaque na pandemia foram as arbitragens questionando a aplicação do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) durante o período do meio de 2020 até início de 2021, quando o indicador se descolou de outros índices de correção monetária. “Foram muitas questões relativas à aplicação ou não deste índice das obrigações contratadas e se devia aplicar na plenitude ou se deveria mitigar o impacto”, comenta Martins. As discussões foram desde aluguéis comerciais até a indústria, que tinha várias de suas obrigações contratadas com a aplicação deste índice de correção. “Havia prática disseminada de utilização do IGP-M, mas o problema do dólar e da valorização das commodities levaram ao aumento do indicador e este pulo assustou empresas. As que não conseguiram chegar a um acordo, recorreram à arbitragem”, complementa o advogado Martins.
É importante destacar que o aumento da arbitragem foi observado no mundo inteiro. “Aqui houve um fator de incremento que foi a questão do IGP-M, mas todos os países sentiram o aumento no número de casos devido às dificuldades comerciais criadas com a pandemia”, explica Martins.
O fenômeno mundial foi comprovado pela ICC, que bateu novos recordes em 2020. A Corte Internacional de Arbitragem registrou 929 procedimentos, levando ao mais alto número de casos administrados de acordo com as regras de arbitragem da CCI (1.833), número de partes envolvidas (2.507) e número de compromissos ou confirmações de árbitros (1.520). Outros registros incluem a diversidade geográfica de árbitros (92 nacionalidades) e locais de arbitragem (65 países).
Fonte: Jota – 17/10/2022 12:21.
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A Influência da LGPD na Arbitragem Internacional

Resumo
Em uma sociedade em constante busca de conhecimento e informação, onde os dados pessoais tornaram-se uma moeda de troca e um verdadeiro parâmetro de pesquisa e influência, a Lei Geral de Proteção de Dados surge como uma ferramenta que visa assegurar o direito à privacidade, à liberdade e ao livre desenvolvimento da pessoa natural. Em vista disso, propõe-se um estudo dos aspectos principais da LGPD, seus objetivos, fundamentos, conceitos relevantes e determinações, bem como, a verificação da influência dessa nova legislação nas Câmaras Arbitrais e procedimentos de Arbitragem Internacional. Será demonstrada a necessidade de proteção dos dados tratados pelas Câmaras Arbitrais e as principais legislações internacionais que influenciaram direta ou indiretamente na criação da Lei Geral de Proteção de Dados através de uma análise bibliográfica e comparativa. Por fim, serão verificadas ainda as principais medidas preventivas a serem adotadas para proteger os dados coletados no âmbito das arbitragens internacionais.
Palavras-chave: Lei Geral de Proteção de Dados. Tratamento de Dados. Arbitragem Internacional. Direito Internacional. Câmaras Arbitrais.
 
INTRODUÇÃO
Os procedimentos arbitrais são geralmente protegidos por sigilo, sendo resguardados os atos procedimentais e provas obtidas durante o procedimento, porém, é inegável que por trás de todo procedimento, seja entre pessoas físicas ou jurídicas, são coletados diversos dados pessoais. O crescimento das relações negociais internacionais alavancou também a utilização da Arbitragem Internacional como um mecanismo de resolução de eventuais conflitos decorrentes das relações contratuais. Essas relações muitas vezes englobam o cadastro de dados pessoais dos sujeitos envolvidos no procedimento arbitral: partes, advogados, árbitros, experts, testemunhas, dentre outros. Além disso, a própria dilação probatória poderá coletar dados referentes a terceiros por meio de depoimentos e provas documentais.
Todas essas informações coletadas são armazenadas em um banco de dados, normalmente no sistema interno de uma Câmara Arbitral. Diante desse cenário, é necessário resguardar os dados armazenados e fazer a devida adequação das Câmaras Arbitrais às exigências apontadas pela Lei Geral de Proteção de Dados que entrou em vigor em 18 de setembro de 2020.
Ao longo deste estudo serão abordados os aspectos gerais da LGPD, seus principais conceitos e princípios, bem como, será realizada uma análise comparativa entre a Lei Geral de Proteção de Dados e sua antecessora na Europa: a General Data Protection Regulation – GDPR. Serão elencadas também algumas das recomendações elaboradas pela do Protocolo de Cybersegurança na Arbitragem Internacional da International Council for Commercial Arbitration -ICCA, em parceria com a New York City Bar Association e o International Institute for Conflict Prevention & Resolution.
Outro aspecto abordado será a necessidade de adequação das Câmaras Arbitrais às disposições da LGPD, a observância aos critérios de transferência internacional de dados e as medidas que podem ser adotadas a fim de garantir a segurança dos dados coletados e assegurar o direito dos titulares.
 
ASPECTOS GERAIS DA LGPD
A troca de conhecimento e informações sempre foi uma atividade presente no comportamento humano, porém, atualmente, muito mais do que apenas dados, essas informações tornaram-se mercadorias valiosas. Os dados coletados em diversas plataformas têm transformado as informações pessoais em um verdadeiro produto, vendido com o intuito de identificar padrões, preferências e opiniões sob o pretexto de melhor adequar os serviços às necessidades de seus clientes.
Mas a partir do momento em que essa coleta de informações é tratada como mercadoria, o titular se torna o produto e não mais o cliente. Apesar de o tratamento de dados ser uma prática recorrente e necessária para o bom funcionamento de diversos setores da sociedade, é preciso estabelecer limites para o tratamento desses dados a fim de assegurar a privacidade do titular dessas informações.
Além disso, a tecnologia e a inovação tem sido aspectos essenciais para o desenvolvimento da sociedade contemporânea, de modo que, a globalização proporcionada pelo acesso à internet e o crescimento da troca de informações online, bem como, das redes sociais e aplicativos, intensificou a necessidade de proteção dos dados que são compartilhados pelos usuários.
De acordo com FRAZÃO, TEPEDINO e OLIVA:
Com o acelerado desenvolvimento tecnológico e a consolidação de espaços públicos virtuais, a gestão da informação sobre si próprio tornou-se expressão fundamental do indivíduo. Por conseguinte, revela-se impossível cogitar a proteção integral à liberdade, à privacidade e ao desenvolvimento da pessoa natural sem que se lhe garanta eficaz defesa e controle de seus próprios dados – o que se traduz na expressão autodeterminação informativa. (FRAZÃO; TEPEDINO; OLIVA, 2019, p. 677/678)
A Lei Geral de Proteção de Dados surge com o intuito de atender aos aspectos jurídicos dessas novas demandas que são apresentadas pela Pós-Modernidade.
O Art. 1° da referida lei apresenta em termos gerais o objeto a ser regulado por ela e o objetivo da criação da LGPD:
Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. (BRASIL, 2018, Art.1º)
O objetivo da Lei Geral de Proteção de Dados é, portanto, assegurar o direito de privacidade e liberdade dos usuários, assim como, garantir o livre desenvolvimento da pessoa natural, resguardando seus dados pessoais.
Vale ressaltar que a lei abrange tanto os dados tratados por meio digital quanto por meios não- digitais, tratados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, devendo ser observada em todo o território nacional.
Segundo COSTA:
Em uma Era na qual reputação e credibilidade são julgadas tão rapidamente quanto o dedilhar dos limitados caracteres dos aplicativos de smartphones, e diante da flagrante fragilidade dos usuários da internet perante o tratamento e a manipulação dos seus dados, a preservação da privacidade, ancorada pela então frágil autodeterminação informativa, esta entendida como a faculdade de que toda e qualquer pessoa possa determinar os limites do uso de seus dados pessoais ganha aos poucos a proteção estatal. Ainda que a preocupação pela privacidade remonte à Antiguidade, é na sociedade moderna que o embate entre o avanço tecnológico e a invasão da vida privada carece cada vez mais de proteção, fazendo com que as legislações nacionais primem por legislar quanto à coleta, ao armazenamento, ao uso e à transmissão dos dados pessoais. (COSTA, 2019, p. 4)
No que diz respeito à abrangência da lei, o Art.3° da LGPD elenca também a possibilidade de aplicação da lei a dados em tratamento em outros países, desde que, a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços, o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional; ou ainda de dados que tenham sido coletados no território nacional, sendo assim considerado se a pessoa titular dos dados estiver no Brasil no momento da coleta.
O Art.5° da LGPD apresenta alguns conceitos extremamente relevantes para a abordagem da matéria, sendo essencial ressaltar alguns deles: o conceito de dado pessoal, tratamento, banco de dados, titular, controlador, operador, encarregado e agentes de tratamento.
O dado pessoal é toda informação relativa a uma pessoa identificada ou identificável, há ainda o dado pessoal sensível que diz respeito à aspectos raciais e étnicos, sexuais, dados referentes à saúde, genéticos ou biométricos, ou dados referentes a filiação a organizações religiosas, políticas, filosóficas ou sindicatos. Existe também o dado anonimizado que se refere ao caso em que não é possível identificar, através dos meios disponíveis no momento do tratamento, a pessoa natural titular da informação.
O tratamento consiste em toda operação realizada com dados pessoais, desde a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.
Outros conceitos importantes são os sujeitos envolvidos na operação de tratamento de dados. O titular é a pessoa a quem os dados tratados se referem, o controlador é o sujeito a quem compete as decisões acerca do tratamento desses dados, podendo ser tanto pessoa natural quanto jurídica, de direito público ou privado.
Há ainda o operador, aquele que de fato realiza o tratamento dos dados em nome do controlador, havendo também, o encarregado, a pessoa indicada para ser um canal de comunicação entre o controlador, os titulares e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Já a atuação conjunta do controlador e operador forma o conjunto de sujeitos denominados como agentes de tratamento.
A LGPD tem como princípios: a finalidade que determina que os dados coletados deverão ser usados apenas para o fim específico informado ao titular; a adequação da forma de tratamento utilizada à sua finalidade; a necessidade, devendo o tratamento restringir-se ao mínimo de informações necessárias para cumprir a finalidade; o livre acesso do titular às suas informações; a  qualidade dos dados coletados; a segurança; transparência; a prevenção; a não-discriminação; responsabilização e a prestação de contas.
O Art. 18 da LGPD lista ainda alguns dos direitos do titular, sendo estes o direito de obter do controlador dos dados a confirmação da existência de tratamento, o acesso aos dados tratados, a correção de dados que eventualmente estejam incompletos ou desatualizados, a anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, a portabilidade desses dados para outro fornecedor de produto ou serviço, informação sobre as entidades com as quais o controlador compartilhou esses dados, a revogação do consentimento e informações sobre a possibilidade de não dar o consentimento e as consequências de uma eventual negativa.
Em face do exposto, é possível verificar que o principal intuito desta legislação é proteger os dados pessoais dos titulares a fim de assegurar o direito à privacidade constitucionalmente estabelecido no Art. 5, X da Constituição Federal. A LGPD surge com o intuito de impedir a comercialização desenfreada de dados pessoais, visando preservar o direito ao livre desenvolvimento do indivíduo a fim de que este não seja transformado em um mero produto em meio à sociedade da informação.
 
LEGISLAÇÕES INTERNACIONAIS E ESTRANGEIRAS SOBRE PROTEÇÃO DE DADOS
A necessidade de proteção dos dados pessoais é um fator que não se limita ao território nacional, mas que tem se evidenciado mundialmente, gerando então o surgimento de diversas legislações e protocolos internacionais que buscam regular a matéria.
Com a expansão das relações pessoais, comerciais, negociais e jurídicas para além das fronteiras nacionais, surgiu a necessidade de observar, nas transações internacionais, as leis acerca do tratamento de dados.
Em decorrência disto, a criação da LGPD foi fortemente influenciada por outros dispositivos internacionais e estrangeiros que já vinham sendo implementado em outros países, uma dessas legislações foi a General Data Protection Regulation – GDPR, adotada pela União Europeia para proteger os dados pessoais referentes a seus cidadãos.
A criação da GDPR uniformizou os critérios para tratamento de dados em toda a União Européia, gerando uma forte pressão internacional a fim de que os demais países, inclusive o Brasil, se adequassem e implementarem normas mais rígidas de tratamento de dados para dar continuidade a suas relações comerciais com a Europa:
Além das questões éticas, a pressão internacional exercida pela General Data Protection Regulation (GDPR) da União Europeia (UE) foi uma motivação, definindo que apenas organizações de países com um nível maior ou igual de rigor para proteção de dados em legislação podem armazenar dados pessoais dos cidadãos da União Européia, impactando, por exemplo, diretamente os negócios brasileiros. (CARVALHO; OLIVEIRA; CAPPELI; MAJER, 2019, p.1)
A GDPR entrou em vigor em 25 de maio de 2018 sendo aplicável a todos os países membros da União Europeia e surgiu como uma verdadeira revolução acerca do conceito de privacidade ao regular o tratamento de dados pessoais de todos os cidadãos da União Europeia independentemente de onde esses dados serão tratados (GODDARD, Michel, 2017, p.703, tradução nossa).3
Existem claras semelhanças entre a GDPR e a LGPD que evidenciam o uso da legislação europeia como uma fonte de inspiração na elaboração da Lei Geral de Proteção de Dados, tal fato é constatado, por exemplo, na conceituação legal de alguns termos.
Tanto a LGPD em seu Art.5, inciso I quanto à GDPR em seu Art. 4 (1) definem dados pessoais como qualquer informação relativa a uma pessoa natural identificada ou identificável. Já o termo tratamento, conceituado no Art.5, X da LGPD e no Art.4°(2) da GDPR, apresenta algumas divergências entre as duas leis, sendo importante ressaltar que ambas apresentam um rol de operações realizadas com dados pessoais que se enquadram no conceito, levantando divergências acerca da taxatividade ou não desse dispositivo.
Ambas as legislações, na redação do conceito de tratamento de dados passam a ideia de um rol meramente exemplificativo:
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
X – tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração;” (BRASIL, LGPD, 2018, Art. 5º)
Art. 4º Para fins desta lei, considera-se:
(2) processamento’ significa qualquer operação ou conjunto de operações realizado em dados pessoais ou em conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não, como coleta, registro, organização, estruturação, armazenamento, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, uso, divulgação por transmissão, disseminação ou de outra forma disponibilizando, alinhamento ou combinação, restrição, apagamento ou destruição; (UNIÃO EUROPÉIA, GDPR, 2018, Art. 4º-2, tradução nossa).4
Essa inexatidão no conceito de tratamento de dados pode criar um cenário de enorme insegurança para os agentes de tratamento que precisam enquadrar-se nos parâmetros legais. Com um rol tão extenso e ampliável é preciso haver uma cuidadosa observância das medidas necessárias para proteção de dados pessoais.
Outra comparação necessária diz respeito aos princípios norteadores de ambas as legislações em análise. A LGPD em seu Art. 6 elenca 10 princípios que devem ser observados, já a GDPR em seu Art. 5 enumera 8 princípios, apesar de haver algumas divergências entre uma lei e outra, muitos desses institutos se correspondem em ambas as legislações.
O princípio da finalidade apresenta-se em ambas as leis com a mesma nomenclatura, já a adequação, prevenção e necessidade presentes na LGPD apresentam-se reunidos na GDPR como um mesmo princípio: a minimização de danos. O princípio do livre acesso, previsto na legislação brasileira não encontra um correspondente na lei adotada pela União Europeia.
A qualidade dos dados é nomeada na GDPR como o instituto da exatidão dos dados tratados, já os conceitos de não-discriminação e transparência foram reunidos em um único princípio: o da justiça e transparência. O conceito de segurança do tratamento de dados é nomeado na legislação Europeia como integridade e confidencialidade. No que concerne à responsabilidade e prestação de contas previsto pela LGPD, na GDPR consta apenas o princípio da prestação de contas.
Vale ressaltar que a GDPR adota um princípio que não foi incorporado à legislação brasileira: o instituto da limitação de armazenamento, que consiste na limitação do armazenamento dos dados por tempo não superior ao necessário para os fins os quais os dados são processados. Abre-se a exceção por períodos mais longos desde que os dados sejam processados para fins exclusivamente de interesse público, pesquisa científica, histórica ou fins estatísticos, devendo ser adotadas as medidas preventivas previstas pela GDPR.
Além da influência direta da GDPR, especificamente no que concerne à proteção de dados no âmbito da Arbitragem Internacional, a Lei Geral de Proteção de Dados foi precedida também por um protocolo elaborado pelo International Council for Commercial Arbitration -ICCA, em parceria com a New York City Bar Association e o International Institute for Conflict Prevention & Resolution por meio do Working Group on Cybersecurity in International Arbitration que traçou diretrizes gerais para melhorar a cibersegurança nos procedimentos arbitrais.
Esse protocolo tem o status de soft law, uma vez que, foi elaborado por organismos não- estatais visando traçar parâmetros gerais e orientações sobre proteção de dados:
Em síntese, normas não-estatais devem ser compreendidas como normas emanadas por entes não estatais e que não são consideradas vinculantes. Para fim do estudo sobre processo arbitral, são normas não estatais os instrumentos elaborados por organizações
internacionais, instituições arbitrais e entidades destinadas ao estudo e ao desenvolvimento da arbitragem. Podem ter a forma de leis-modelo, diretrizes, regulamentos, resoluções, regras, checklists, notas, códigos de conduta, entre outros, com a finalidade de organizar o procedimento arbitral, ou certos aspectos desse procedimento, e não possuem caráter mandatório ou vinculante. (MANGE; 2014, p. 194)
O Protocolo da ICCA de Cibersegurança na Arbitragem Internacional não tem como intuito estabelecer uma forma específica de proteção de dados no procedimento arbitral, mas oferece diretrizes, princípios gerais que podem ser considerados pelas partes e pelo Tribunal Arbitral, resguardada a autonomia da vontade das partes e a independência dos árbitros para julgar quais medidas seriam necessárias frente às circunstâncias de cada caso.
O Protocolo da ICCA ressalta a importância de que, uma vez estipuladas as medidas para proteção de dados, estas devem ser devidamente observadas por todos os envolvidos no procedimento arbitral, como dispõe o Princípio 3:
As partes, árbitros e instituições administradoras devem garantir que todas as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma arbitragem em seu nome estejam cientes e sigam quaisquer medidas de segurança da informação adotadas em um processo, bem como o impacto potencial de quaisquer incidentes de segurança (ICCA, 2020, p. 1, tradução nossa)5
A não observância das medidas de segurança adotadas pode gerar punições para aquele que eventualmente dê causa a um vazamento de informações e incidentes de segurança da informação podem gerar uma alocação dos custos entre as partes, conforme prevê o Princípio 13 do Protocolo da ICCA:
Em caso de violação das medidas de segurança da informação adotadas em procedimento arbitral ou na ocorrência de incidente de segurança da informação, o tribunal arbitral poderá, a seu critério: (a) alocar os custos relacionados entre as partes; e / ou (b) impor sanções às partes (ICCA, 2020, p. 3, tradução nossa).6
Para que sejam determinadas as medidas de proteção de dados adequadas a cada caso, o Protocolo sugere no Princípio nº 6 alguns fatores a serem considerados pelas partes, pela Câmara Arbitral e pelo Tribunal Arbitral: o perfil de risco da arbitragem; as práticas existentes de segurança da informação, infraestrutura e capacidade das partes; os encargos, custos e recursos; a proporcionalidade em relação ao tamanho, valor e perfil de risco da controvérsia e a eficiência do procedimento arbitral.
O instituto traz ainda uma lista das principais áreas de vulnerabilidade que precisam ser observadas e fortalecidas para garantir a maior proteção dos dados pessoais coletados durante um procedimento arbitral, como dispõe o Princípio nº 7 do Protocolo da ICCA:
Princípio 7 Ao considerar as medidas específicas de segurança da informação a serem aplicadas em uma arbitragem, devem ser consideradas as seguintes categorias:
  • gestão de ativos;
  • controles de acesso;
  • criptografia;
  • segurança das comunicações;
  • segurança física e ambiental;
  • segurança das operações; e
  • gestão de incidentes de segurança da informação. (ICCA, 2020, 2, tradução nossa)7
Diante disto, é possível verificar que, em todo o mundo, a proteção de dados, sejam eles armazenados em meio físico ou virtual, tem sido alvo de muitos questionamentos e estudos, havendo ainda um cenário de incerteza mesmo nos países que já regulamentaram a matéria. Assim como o modo de compartilhar informações está em constante mudança, a proteção dessas informações é uma atividade dinâmica e extremamente necessária. Nenhuma legislação foi capaz de trazer uma resposta definitiva acerca da segurança de dados, mas é evidente o crescimento desse setor no estudo do Direito.
 
A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DE DADOS NAS CÂMARAS DE ARBITRAGEM
A Lei de Arbitragem em seu Art. 10 estabelece a necessidade de qualificação das partes compromitentes, a fim de que haja identificação dos contratantes. A esse respeito o douto professor Carlos Alberto Carmona delineia:
O primeiro inciso do Art.10 preocupou-se com a qualificação, tão completa quanto possível, das partes compromitentes. O objetivo da regra sob análise é apenas o de deixar fora de qualquer dúvida a identificação dos contratantes. (CARMONA, 2009, p.198)
Essa qualificação dos sujeitos envolvidos no procedimento arbitral enquadra-se exatamente no conceito de dado pessoal apresentado pela LGPD, uma vez que, ao longo do procedimento arbitral serão coletadas diversas informações relativas às partes devidamente identificadas.
Vale salientar que, ainda que o procedimento envolva pessoas jurídicas, algumas das informações coletadas podem referir-se especificamente a pessoas naturais ocupantes de cargos
diretivos das empresas envolvidas, enquadrando-se, nesses casos, no conceito de dado pessoal protegido pela LGDP.
Como resultado dessa necessidade de qualificação e coleta de informações, as Câmaras Arbitrais possuem um enorme banco de dados acerca de seus clientes, árbitros, experts e testemunhas, seja por meio de um cadastro desses dados em seu sistema interno, seja através das provas coletadas no curso do procedimento arbitral, em decorrência disto, há a necessidade de regular o tratamento desses dados.
Em uma sociedade em que a reputação e a opinião pública são fatores tão relevantes para uma empresa quanto os seus próprios rendimentos, é preciso atentar para a adoção de ações preventivas para proteção de dados pessoais. As medidas de proteção de dados são tão necessárias quanto as ferramentas de compliance para afastar o envolvimento em atos anticoncorrenciais, as medidas para maior diversidade e inclusão, bem como, a preocupação com a consciência ambiental que atualmente são fatores extremamente relevantes para a imagem de uma empresa. A adoção dessas medidas já se tornou um fator diferencial na competitividade do mercado.
As Câmaras Arbitrais, tais quais as empresas privadas, devem grande parte de sua atuação ao prestígio a elas associado, de modo que, qualquer matéria capaz de interferir na credibilidade dessas instituições, precisa ser devidamente analisada.
Atualmente já existem casos de ataques cibernéticos a Câmaras Arbitrais, cabendo destacar o caso ocorrido em 2015 na Permanent Court of Arbitration em Haia, na Holanda, na qual ocorreu um ataque cibernético ao site da Câmara Arbitral no curso de um procedimento entre a China e as Filipinas acerca do controle do Mar do Sul da China. Ocorre que a invasão do site possibilitou o acesso aos computadores dos diplomatas e advogados envolvidos no caso, de modo que a China contou com uma vantagem indevida.
O próprio Judiciário brasileiro vem sendo alvo de ataques cibernéticos que já invadiram o sistema do Superior Tribunal de Justiça em 03 de novembro de 2020, o que gerou a suspensão dos prazos processuais e sessões de julgamento (VALENTE; VITAL; 2020, p.1). De igual modo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região sofreu um ataque cibernético pelo qual um perfil anônimo na rede social Twitter assumiu a autoria no dia 27 de novembro de 2020 (JURINEWS; 2020, p.1)
Os ataques cibernéticos são uma realidade assustadora tanto no setor público quanto no privado e causam danos irreparáveis às organizações atacadas. No âmbito das Câmaras Arbitrais esse prejuízo pode ser ainda maior, compreendendo não apenas danos econômicos, como também, possibilitando a realização de quebras de confiança que comprometeriam a credibilidade da instituição e colocariam em dúvida a independência e a imparcialidade dos árbitros.
A necessidade de proteção dos dados nas Câmaras Arbitrais não se restringe ao âmbito do procedimento arbitral, abrangendo também as informações armazenadas para além do procedimento a fim de que essas não venham a ser acessadas ilegalmente e utilizadas para outras finalidades.
No ano de 2015, a Cambridge Analytica, uma firma britânica, acessou dados pessoais de 87 (oitenta e sete) milhões de usuários do Facebook para fazer a análise dessas informações e através delas e influenciar os eleitores nos Estados Unidos da América (ISAAK E HANNA, 2018, p.56/59). Outro caso importante ocorreu em 2014, no Brasil, no qual a empresa de telecomunicação Velox foi acusada de vender dados pessoais de seus clientes a terceiros, ilegalmente, sendo condenada a pagar multa de R$3,5 milhões (ZANATTA, 2015, p.447/470). Ambos os casos, demonstram que, por mais irrelevante que a informação aparente ser, esta precisa ser resguardada e deve atender aos limites da finalidade para a qual foi coletada, sendo sempre observado o consentimento do titular.
Outro fator indispensável à adequação das Câmaras Arbitrais à LGPD é o da transferência internacional de dados, entendida com a transferência de dados pessoais para país estrangeiro ou organismo internacional do qual o país seja membro.
A LGPD regula o tema nos seus Artigos 33 a 36 e apresenta as hipóteses em que é autorizada a transferência internacional de dados:
Art. 33. A transferência internacional de dados pessoais somente é permitida nos seguintes casos:
  • – para países ou organismos internacionais que proporcionem grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei;
  • – quando o controlador oferecer e comprovar garantias de cumprimento dos princípios, dos direitos do titular e do regime de proteção de dados previstos nesta Lei, na forma de:
  1. cláusulas contratuais específicas para determinada transferência;
  2. cláusulas-padrão contratuais;
  3. normas corporativas globais;
  4. selos, certificados e códigos de conduta regularmente emitidos;[…](BRASIL, LGPD, 2018, 33)
Nota-se que um dos requisitos de autorização da transferência internacional de dados é através da comprovação do cumprimento dos direitos do titular por meio de cláusulas contratuais específicas que autorizam a transferência. Essa hipótese abre a possibilidade de inclusão de cláusulas contratuais acerca da transferência de dados juntamente com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória, a fim de legitimar a transferência desses dados em arbitragens internacionais.
Outro requisito observado é de que o país ou organismo internacional para quem esses dados serão transferidos deve proporcionar o mesmo grau de proteção dos dados previstos pela LGPD, ressalta-se que a GDPR, em seu Artigo 46, também apresenta esse requisito para
transferência de dados entre países da União Europeia e os demais países. Isso demonstra a tendência mundial e crescente de buscar relações comerciais, contratuais e jurídicas apenas entre instituições que possuam medidas adequadas para proteção de dados.
Tanto a GDPR em seu Artigo 46.2 quanto a LGPD no Artigo 34 estabelecem a necessidade de que o país ou organização de destino tenha uma regulamentação que atenda aos princípios gerais da proteção de dados pessoais e que adote medidas de segurança para resguardar os direitos dos titulares das informações.
Desse modo, a criação da Lei Geral de Proteção de Dados apresenta-se como uma verdadeira revolução não apenas no funcionamento de empresas, como também nos procedimentos de arbitragem internacional que, além de coletar informações, frequentemente transferem os dados coletados para outras instituições internacionais e estrangeiras.
 
1.   ADEQUAÇÕES NECESSÁRIAS PARA AS CÂMARAS ARBITRAIS
Um dos princípios norteadores da Lei Geral de Proteção de Dados é o princípio da prevenção que determina o dever dos agentes de tratamento de adotarem medidas para prevenir possíveis danos decorrentes do tratamento de dados pessoais, nos termos do Art. 6 da referida lei. Esse princípio, aliado ao princípio da segurança, da responsabilização e da prestação de contas gera a necessidade de adequação dos diversos agentes de tratamento aos termos da LGPD, bem como, a adoção de medidas preventivas que resguardem o direito dos titulares:
Outra fundamental característica da nova legislação consiste no significativo fomento ao aspecto preventivo, estabelecendo procedimentos mandatórios para os controladores e operadores de dados pessoais, tais como os deveres atinentes à implementação de severas políticas de segurança para proteção dos dados de acessos não autorizados. (FRAZÃO; TEPEDINO; OLIVA; 2019, p.681)
Diversas são as possibilidades de medidas a serem adotadas para proteger dados pessoais tanto por meio da criação de protocolos, imposição de limites de acesso e divulgação de informações, quanto por meio do estabelecimento de diretrizes em casos de ciberataques.
Uma vez que as partes e o tribunal tenham avaliado as custas e o procedimento, as partes e o tribunal podem então considerar os três princípios temáticos a seguir com relação à ameaça de ciberataques no contexto da arbitragem: (i) o estabelecimento de protocolos de segurança para o armazenamento e transferência de informações confidenciais, (ii) limitação da divulgação de informações confidenciais, e (iii) em caso de qualquer violação / ataque, o processo para notificar a pessoa afetada e para corrigir / mitigar a violação / ataque.(PASTORE; 2017, p. 1028)
No Brasil, não há uma regulamentação específica acerca da cibersegurança na arbitragem, deixando a critério de cada Câmara Arbitral o desenvolvimento de seus próprios meios de segurança. Faz-se necessário, portanto, que sejam estabelecidos protocolos internos nas instituições, contando com a expertise tanto de profissionais do direito quanto de profissionais da tecnologia especializados na área.
Além disso, é essencial a promoção de parâmetros gerais, diretrizes mínimas a serem seguidas pelos Tribunais Arbitrais do país todo, resguardada a autonomia dos árbitros para decisão das medidas de segurança mais adequadas para cada caso.
A criação de equipes multidisciplinares fixas dentro das Câmaras Arbitrais também se tornou um requisito inafastável, visto que, é necessário profissionais do direito para a compreensão dos aspectos jurídicos da LGPD e profissionais da tecnologia para colocar em prática as medidas de segurança.
O Protocolo da ICCA elenca diversas medidas de proteção de dados que podem ser adotadas pelos Tribunais Arbitrais que merecem ser destacadas para serem aplicadas também no Brasil. A primeira diretriz apresentada é a do Conhecimento e Educação, é essencial manter-se informado sobre as ameaças e soluções de segurança, a segurança de dados requer atenção contínua e constante atualização, sendo necessário que as instituições procurem estar sempre a par das medidas de proteção de dados mais atuais e repassem esse conhecimento para aqueles que possuem acesso às informações tratadas.
Outro aspecto importante é a gestão de ativos, a consciência de onde esses dados estão circulando e o investimento na qualidade da infraestrutura digital utilizada, bem como, a necessidade de estabelecer práticas e políticas organizacionais e dar ciência delas aos profissionais e partes que de alguma forma possuem acesso à informação, para que estas adotem as diretrizes necessárias, por exemplo, para proteger os dados acessados por meio de um dispositivo pessoal.
A própria minimização dos dados coletados também deve ser uma medida recorrente, que encontra previsão na LGPD e também foi adotada pela GDPR. Além disso, há a necessidade de evitar cópias desnecessárias de documentos e estabelecer práticas de retenção e destruição dessas informações desnecessárias, tanto no meio digital, quanto nas cópias físicas.
Outra medida que deve ser observada, principalmente no curso de arbitragens internacionais, é a limitação do acesso a dados confidenciais durante viagens. As arbitragens internacionais muitas vezes requerem um deslocamento entre um país e outro, de modo que, ao transitar entre diversas redes não seguras e acessar dados referentes ao procedimento arbitral, o árbitro, expert ou parte envolvida pode acabar facilitando o vazamento dessas informações.
Ademais, existe a necessidade de estabelecer um sistema de backups periódicos, tanto por meio da nuvem quanto através de dispositivos externos. Outra medida que pode ser implementada é a limitação do acesso a esses dados, estabelecendo quais indivíduos poderão ter acesso, implementando senhas fortes com alterações periódicas e até mesmo requerendo identificação biométrica ou identificação multifatorial.
A criptografia para a transmissão de dados também é uma medida indispensável na Arbitragem Internacional, uma vez que grande parte das comunicações oficiais do procedimento ocorrem por e-mail e frequentemente contêm informações sigilosas. Além da criptografia é possível recorrer a serviços especializados de compartilhamento de dados, sendo essencial orientar os usuários de como proceder para resguardar as informações e evitar vazamento de dados por falha humana.
Tanto a LGPD, quanto a GDPR e o Protocolo da ICCA ressaltam que a proteção de dados não se refere apenas às informações armazenadas em meio digital, como também, documentos salvos em meio físico. Em vista disso, há a necessidade ainda de resguardar o próprio espaço físico de armazenamento de documentos das Câmaras Arbitrais a fim de que não haja extravio de documentação armazenada fisicamente.
Para proteger adequadamente as informações é necessário investimento nas ferramentas eficientes, pois, apesar dos inúmeros recursos disponíveis gratuitamente e tendo em vista a natureza das informações compartilhadas nos procedimentos arbitrais, é necessário que as Câmaras Arbitrais se adaptem a essa nova legislação investindo amplamente na segurança dos dados tratados, a fim de garantir a privacidade dos titulares e resguardar a credibilidade da instituição.
 
2.   CONCLUSÃO
A proteção de dados pessoais é uma temática ainda pouco explorada e recentemente regulamentada pelo direito brasileiro, o tratamento de dados apesar de ser uma prática extremamente recorrente, somente ganhou um enfoque maior a partir das novas necessidades trazidas pelo desenvolvimento da tecnologia e das inovações relativas à coleta de informações.
A Lei Geral de Proteção de Dados foi elaborada objetivando assegurar o livre desenvolvimento da pessoa natural e garantir a liberdade e a privacidade dos titulares desses dados. Em vista disso, surge a necessidade de adequação dos agentes de tratamento às novas diretrizes traçadas pela LGPD a fim de prevenir o vazamento e mal uso de informações pessoais.
No contexto dos procedimentos arbitrais há uma necessidade ainda maior de proteção dessas informações, de modo que, as Câmaras Arbitrais, em observância ao princípio da prevenção, responsabilidade e prestação de contas, deverão adotar medidas minuciosas para resguardar esses dados.
Essas adequações são essenciais não apenas para assegurar o direito dos titulares, como também, proteger a credibilidade e reputação das Câmaras Arbitrais, uma vez que, as medidas preventivas tornaram-se parâmetros para avaliar a credibilidade dessas instituições. A elaboração de protocolos, a criação de setores especializados em cibersegurança e a exclusão periódica de dados desnecessários são apenas algumas das mudanças essenciais para proteger os procedimentos arbitrais domésticos e internacionais dos riscos trazidos pelo vazamento de dados pessoais.
Portanto, vislumbra-se claramente que a criação da Lei Geral de Proteção de Dados trouxe um avanço considerável nas discussões sobre segurança de informações, entretanto, no âmbito da arbitragem internacional ainda há muito a ser regulamentado e adequado para garantir a proteção dos dados pessoais e o direito constitucional à privacidade.
 
3.   REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).Brasília, DF: Presidência da República [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2018/Lei/L13709.htm. Acesso em: 24 nov 2020.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3ª Edição, São Paulo,Editora Atlas, 2009, p.198.
CARVALHO, Luís Paulo; OLIVEIRA, Jonice; CAPPELI, Claudia; MAJER, Violeta. Desafios de Transparência pela Lei Geral de Proteção de Dados. 2019. Programa de Pós-graduação em Informática, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ , p.1.
COSTA, Tiago R. Veloso. Proteção de Dados e Arbitragem: para além de uma questão legal. JOTA, 2019.Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/protecao-de-dados-e-arbitragem- para-alem-de-uma-questao-legal-29062019 Acesso em: 24 nov 2020.
FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato, A Lei Geral de Proteção de dados pessoais e suas repercussões no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, 2ª Edição, São Paulo, 2019,p. 677/678.
GODDARD, Michele. The EU General Data Protection Regulation (GDPR): European Regulation that has a Global Impact International Journal of Marketing Research. 2017. International Joural of Market Research, vol. 59, P. 703/705. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.2501/IJMR-2017-050?journalCode=mrea. Acesso em: 24 nov 2020.
ICCA; NYC Bar; CPR. Cybersecurity Protocol for International Arbitration. 2019. [S.I.], International Council for Commercial Arbitration, New York City Bar Association, and International Institute for Conflict Prevention and Resolution.
ISAAK, J., HANNA, M. J.User Data Privacy: Facebook, Cambridge Analytica, and Privacy Protection, 2018, IEEE, Computer 51 (8), p. 56/59.
VIROU moda: TRF1 sofre ataque hacker e site está fora do ar. Jurinews: notícias jurídicas. Publicado em 27 nov 2020. Disponível em: https://jurinews.com.br/tecnologia/virou-moda-site-do-trf1-sofre- ataque-hacker/. Acesso em: 29 nov 2020.
MANGE,Flavia Foz. Processo Arbitral: aspectos transnacionais. Editora Quartier Latin do Brasil, São Paulo, 2014.
PASTORE, Jim; Practical Approaches To Cybersecurity In Arbitration. Fordham International Law Journal, [S.I.], volume 14, 2017.
UNIÃO EUROPEIA. EU General Data Protection Regulation (GDPR). Disponível em: https://gdpr- info.eu. [S.I.]. Acesso em: 24 nov 2020.
VALENTE, Fernanda; VITAL, Danilo. STJ sofre ataque hacker e suspende prazos processuais até segunda-feira.CONJUR.Publicado em 04 nov 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020- nov-04/stj-sofre-ataque-hacker-suspende-prazos-segunda-911 Acesso em: 29 nov 2020.
ZANATTA, R. A Proteção de Dados entre Leis, Códigos e Programação: os limites do Marco Civil da Internet, 2015, São Paulo: Quartier Latin, p. 447/470.
Por Adriano Fernandes Ferreira, Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Maringá (2001), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorado em Ciências Jurídicas pela Universidad Castilha la Mancha, na Espanha (2014) e Pós-Doutor em Direito Pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha (2019). Atualmente é professor Adjunto IV, da Universidade Federal do Amazonas- UFAM – das disciplinas de Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado e Vice-Diretor da Faculdade de Direito da UFAM. E Eloah Scantelbury de Almeida, Membro do Grupo de Estudos em Arbitragem e Direito Empresarial- UFAM, do Núcleo de Estudos em Arbitragem do Norte, do Young International Council for Commercial Arbitration e do Comitê de Jovens Arbitralistas. Competidora do 27 Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot (2019) e da XI Competição Brasileira de Arbitragem da CAMARB (2020). Menção Honrosa na Competição Regional Norte de Arbitragem, 2020. Graduanda em direito na Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas.
Fonte: OAB/RJ – 11/10/2022.
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PLP 124/2022: propostas de alteração do Código Tributário Nacional

Como resultado dos trabalhos da Comissão de Juristas instaurada pelo Senado com vistas a promover alterações no processo administrativo e tributário nacional, foram apresentados anteprojetos de lei que resultaram no Projetos de Lei Complementar nº 124 e 125/2022 (PLP 124 e 125/2022), além dos Projetos de Lei nº 2.481, 2.483, 2.484, 2.485, 2.486, 2.488 e 2.490, todos de autoria do senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa.
Do rol dessas inovações legislativas, merece destaque o PLP 124/2022, que “Dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária”, promovendo alterações no Código Tributário Nacional (CTN).
O PLP 124/2022 introduz novos dispositivos ao CTN, altera a redação de outros e, curiosamente, não revoga nenhum dispositivo do Código.
Lamentavelmente, o PLP 124/2022 passou ao largo dos Capítulos IV e V, do Livro Segundo do CTN, salvo alteração pouco ousada introduzida ao artigo 138. Enfim, perdeu-se uma oportunidade de dar um melhor tratamento à parte do Código dedicada à sujeição passiva, reconhecida pela quase unanimidade da doutrina como o trecho de pior redação da Lei Complementar Tributária.
O PLP 124/2022 introduz ao CTN um artigo 113-A, com dois parágrafos, para tratar das penalidades pecuniárias.
De acordo com o caput do artigo 113-A, as multas por descumprimento de obrigações principais e acessórias deverão observar o princípio da razoabilidade e guardar relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo sujeito passivo.
Os §§1º e 2º do artigo 113-A estipulam um valor máximo a ser observado na fixação de penalidades pecuniárias, de modo que as multas decorrentes de procedimentos de ofício não poderão ser superiores ao valor do tributo exigido “ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo sujeito passivo”. Também fica estabelecido que a multas por dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio — também chamadas de multas qualificadas — não poderão ser superiores ao dobro da multa originalmente aplicada.
Até aí o PLP 124/2022 traz louvável modificação ao Direito Positivo, incorporando ao Código aquilo que já é uma tendência nos Tribunais, valendo a pena destacar os julgamentos, pelo STF, da ADI 551 (Ilmar Galvão, DJ de 14/02/2003), do RE 657.372 (Ricardo Lewandowski, DJ de 10/06/2013) e da ADI-MC 1.075 (Celso de Mello, DJ de 24/11/2006).
A questão do teto da fixação das multas, a propósito, será analisado pelo STF no julgamento de mérito do Tema 1.195, cujo RE 1.335.293, relatado pelo ministro Nunes Marques, ainda não tem previsão de pauta.
Neste ponto, todavia, o PLP 124/2022 poderia ter sido mais ousado, determinando o fim da imposição das multas por informações incorretas em  declarações, arquivos magnéticos e/ou escrituração nos casos em que for possível a retificação, mesmo após intimação dirigida pela fiscalização. Ora, se o contribuinte é intimado para retificar o erro e corrige o equívoco no prazo fixado pela autoridade lançadora, exigir penalidade mesmo após a retificação, tal como ocorre no artigo 62-B, II, “b”, da Lei nº 2.657/96-RJ, não estimula a conformidade à legislação tributária.
Na sequência, o PLP 124/2022 altera a redação do caput do artigo 138, do CTN, para deixar claro que a denúncia espontânea também afasta a imposição da multa de mora, rechaçando qualquer interpretação de que a multa pelo atraso não tem natureza punitiva. Neste ponto, o PLP 124/2022 é digno de aplausos porque afasta terrível jurisprudência formada no STJ contrariamente aos contribuintes quanto à matéria.
Mas o PLP 124/2022 poderia ter dado dois passos além em benefício do contribuinte no tratamento da denúncia espontânea da infração.
O primeiro passo diz respeito à espontaneidade pelo cumprimento a destempo, mas antes de qualquer intimação, das obrigações acessórias.
Como se observa da simples leitura do dispositivo legal em apreço, a redação do artigo 138, do CTN, não faz distinção quanto ao cumprimento espontâneo de obrigação principal ou acessória. Pelo contrário, o dispositivo deixa claro que o pagamento do tributo devido e dos juros de mora deverá ocorrer, se for o caso. Ou seja, o próprio Código prevê que há situações em que a espontaneidade poderá ocorrer sem o pagamento do tributo devido, caso típico das obrigações acessórias.
No entanto, a jurisprudência se consolidou em sentido contrário, vedando a aplicação do instituto da denúncia espontânea no cumprimento a destempo de obrigações acessórias, estando a matéria pacificada no STJ através de incontáveis acórdãos.
Logo, o PLP 124/2022 também poderia ter deixado expresso na lei que a denúncia espontânea também se aplica às obrigações acessórias cumpridas em atraso.
O segundo passo que poderia ter sido dado em favor do contribuinte neste tema diz respeito à aplicação da denúncia espontânea nos casos de parcelamento de tributos em atraso.
Ora, se o objetivo do instituto — e do próprio PLP 124/2022 — é o estímulo dos contribuintes à conformidade, nada mais justo do que assegurar o afastamento da multa de mora àquele que, antes de qualquer procedimento de ofício, procura o fisco para regularizar sua situação, ainda que de forma parcelada, visto não possuir recursos para o pagamento à vista.
Então seria o caso do PLP 124/2022 aproveitar a oportunidade para modificar a jurisprudência firmada no STJ no Tema 101 dos Recursos Repetitivos.
O artigo 139-A do CTN, introduzido pelo PLP 124/2022, traz inovação que já é conhecida dos contribuintes do ICMS no Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, os membros da Comissão de Juristas inspiraram-se no artigo 69-A, da Lei nº 2.657/96-RJ, para prever algo similar ao Aviso Amigável, previsto na legislação fluminense, estimulando o contribuinte à autorregularização do cumprimento de suas obrigações antes da realização de lançamentos de ofício.
Também merece destaque a alteração promovida ao artigo 142, do CTN, que pelo PLP 124/2022, passa a contar com três parágrafos. O atual parágrafo único transformou-se no §1º e dois “novos” parágrafos foram acrescentados.
O “novo” §2º do artigo 142 contém um deslize e nenhuma novidade para aqueles que conhecem a legislação tributária federal. Na verdade, à exceção do deslize, o §2º de que aqui se trata é cópia quase fiel do artigo 63, caput, da Lei nº 9.430/96.
Neste artigo 142, §2º, portanto, o PLP 124/2022 dispõe que “No lançamento destinado a prevenir a decadência de crédito tributário cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos II, IV e V do artigo 151 desta Lei, não será́ cominada multa de ofício ou multa de mora a ele relativo”.
Comparado ao artigo 63, da Lei nº 9.430/96, o novo §2º do artigo 142 do Código inclui a vedação de imposição de multa de mora nos lançamentos realizados para prevenir a decadência, bem como afirma — e aqui está o deslize — que as multas não serão aplicadas mesmo na hipótese da exigibilidade ter sido suspensa pelo depósito do montante integral (artigo 151, II, do CTN).
Ocorre que, à luz da jurisprudência pacífica do STJ, não cabe a realização de lançamento de ofício nos casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa por força do depósito do montante integral (EREsp 898.992, DJ 27/08/2007; EREsp 464.343, DJ 29/10/2007 e REsp 895.604, DJ 11/04/2008, entre outros).
O §3º introduzido ao artigo 142, do CTN, nada mais é do que o artigo 63, §1º, da Lei nº 9.430/96, esclarecendo que a hipótese de afastamento da penalidade nos casos especificados de suspensão da exigibilidade só terá cabimento quando o suspensão se verificar antes de qualquer procedimento de ofício, vale dizer, no mandado de segurança preventivo ou nas ações declaratórias de inexistência de relação jurídica.
A Comissão de Juristas, no que foi acompanhada pelo Senador Rodrigo Pacheco, propõe a instauração da arbitragem, quando da nomeação do árbitro, como uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, num inciso VII a ser incluído ao artigo 151, do CTN.
Também é proposta a inclusão de um inciso VIII ao artigo 151, de modo que a “a transação tributária, conforme decisão do representante da administração tributária, nos termos da legislação específica”, também suspenderá a exigibilidade do crédito tributário.
Neste caso, parece que o PLP 124/2022 está cometendo um equívoco, visto que a transação é hipótese de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156, III que, aliás, não foi revogado pelo Projeto.
Nesta ordem de ideias, o melhor é prever que a apresentação de pedido de transação ou a adesão à transação suspendem a exigibilidade do crédito tributário até que seja proferida decisão favorável pela autoridade administrativa competente.
O PLP 124/2022, introduzindo novo paradigma à conflituosa relação fisco-contribuinte, estimula os métodos alternativos para resolução de conflitos. Dentro deste espírito, a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado passa ser mais uma modalidade de extinção do crédito tributário (artigo 156, XII).
Na sequência, o projeto introduz um parágrafo 3º ao artigo 161 do CTN, que nada mais do que a reprodução do artigo 63, §2º, da Lei nº 9.430/96, afirmando, desta vez em lei complementar nacional, que “A interposição da ação judicial favorecida com medida liminar ou antecipação de tutela interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo”.
Quanto à transação tributária, o PLP incorpora ao artigo 171, do CTN, as modalidades de transação previstas pelo legislador federal na Lei nº 13.988/2020.
A rigor, esta matéria deveria permanecer sob a disciplina de lei ordinária, como aliás vem recorrendo em vários entes da federação. Disciplinar minuciosamente a transação em lei complementar pode causar indesejável engessamento e inibir o legislador ordinário de dispor de forma ampla sobre as hipóteses de acordo.
Os artigos 171-A e 171-B, no mesmo afã de introduzir soluções alternativas para a solução de litígios, dispõem que a arbitragem e a mediação serão utilizadas na solução das lides tributárias.
Consequentemente, o artigo 174, parágrafo único, do CTN, passa a dispor que a instauração do procedimento de mediação e a assinatura do compromisso arbitral serão causas de interrupção do prazo prescricional.
Novidade importante e muito bem-vinda é encontrada no artigo 194-A e no artigo 211-A, ambos estabelecendo critérios de dosimetria para a graduação das penalidades.
O artigo 194-B prevê que as decisões transitadas em julgado no STF e no STJ, em  Repercussão Geral ou nos Recursos Repetitivos favoráveis ao sujeito passivo, terão eficácia vinculante à Administração Tributária. Todavia, o Projeto prevê que a Fazenda Pública terá o prazo de 90 (noventa) dias para baixar os atos normativos necessários a adoção do que restou decidido no Tribunais Superiores.
Considerando a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões em Repercussão Geral/Recursos Repetitivos, a adoção de atos administrativos normativos pela Administração Tributária é totalmente desnecessária, não havendo motivo razoável para diferir a aplicação dos precedentes.
Com efeito, o PLP 124/2022 poderia aproveitar o ensejo para dispor que o reconhecimento de repercussão geral pelo relator no STF, a exemplo do disposto no artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil, também suspende todos os processos administrativos fiscais versando sobre a mesma matéria.
O artigo 194-C, proposto pelo PLP 124/2022, deixa expresso que o processo de consulta tributária existe, porém traz perigosa inovação ao dispor que a solução de consulta “será observada em relação a todos os demais sujeitos passivos não consulentes que se encontrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas, nos termos da legislação específica”.
Em seguida, o PLP 124/2022 cria todo um novo Capítulo ao Título IV do CTN (Capítulo IV) para traçar as normas gerais do processo administrativo tributário.
Percebe-se entre os artigos 208-A e 208-I que o PLP 124/2022 teve forte inspiração no Decreto nº 70.235/72 – que está sendo revogado pelo PL 2483/2022.
O artigo 208-B prevê os requisitos formais de validade de um auto de infração, todavia ignora a possibilidade de lançamentos de ofícios serem materializados por outros atos administrativos, tais como as notas ou notificações de lançamento. O mesmo dispositivo não indica como requisito de validade a indicação de local e data da lavratura, mas isto pode causar confusão na identificação de possível extinção pela decadência, sobretudo quando não constar manifestação expressa da ciência pelo sujeito passivo. Considerando que as legislações dispõem sobre a autoridade competente para a constituição do crédito tributário, seria conveniente que, ao menos a indicação do cargo ou função do autuante constasse como requisito de validade.
O artigo 208-C, I, prevê, desnecessariamente, que a impugnação tempestiva suspende a exigibilidade do crédito tributário. Ora, se o artigo 151, III, não foi alterado, este novo inciso I não precisa existir. Os incisos II, III, IV e VI são muito bem-vindos, confirmando a existência de um duplo grau de “jurisdição” no processo administrativo fiscal, tal como previsto na melhor interpretação do artigo 5º, LV, da Constituição.
Ainda no artigo 208-C, observa-se que o inciso V merece aprimoramento. Ao dispor que a uniformização das decisões divergentes somente ocorrerá quando houver uma instância superior, o PLP 124/2022 acaba por esvaziar esta importante fase do processo administrativo fiscal, responsável pela estabilização do processo e concretização da segurança jurídica. Deste modo, o melhor é deixar expresso que haverá uma instância especial com competência para apreciar os recursos objetivando a uniformização da coletânea de julgados administrativos.
Nesta mesma ordem de ideias, devem ser ajustados o inciso III e o §1º do artigo 208-D.
Digno dos maiores aplausos é o artigo 208-E, que deixa definitivamente de lado a ideia de uma possível revisão, via recurso hierárquico, das decisões definitivas favoráveis ao sujeito passivo.
A exemplo do que ocorre em relação ao artigo 194-B, também caberia no artigo 208-G a previsão de suspensão do processo administrativo tributário nos casos em que o relator no STF ou no STJ identificar matéria a ser apreciada pelo rito da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.
Seria muito bom se o artigo 208-H também autorizasse a realização de intimações na pessoa do procurador ou advogado do sujeito passivo, a exemplo do que ocorre no âmbito do processo judicial.
Considerando o período eleitoral, dificilmente haverá avanço na tramitação do PLP 124/2022 num curto prazo. De todo modo, diante da grande repercussão da matéria, será bastante conveniente que o Congresso Nacional promova audiências públicas para maior discussão do PLP 124/2022 visto que as sugestões da Comissão, como se vê, merecem aprimoramentos.
Por João Luís de Souza Pereira, advogado, mestre em Direito e professor convidado da pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-RJ).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2022, 16h02
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Autocomposição como forma de solução de conflitos em tempos de pandemia

1. A crise pandêmica
Em razão das medidas emergenciais e excepcionais de lockdown determinadas pelo poder público, preservando-se a vida (artigo 5º, caput, da Constituição) em detrimento das liberdades individuais (artigo 5º, inciso XV, da Constituição), os tribunais [1] decidiram pela suspensão do curso dos prazos processuais [2]. A paralisação, entretanto, agravou ainda mais a morosidade das ações e trouxe prejuízos infindáveis aos jurisdicionados.
Com os fóruns fechados, advogados e advogadas permaneceram por um longo período sem receber honorários advocatícios oriundos de valores depositados em processos judiciais, pois suspensas as expedições de precatórios, mandados de levantamento e requisições de pequenos valores. Ignorando-se o caráter alimentar da verba honorária.
Diante da mínima atividade jurisdicional [3] e o conseguinte choque para com o princípio da celeridade processual (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição), mostrou-se necessária a adoção de meios alternativos à jurisdição para a solução de conflitos.
O cenário pandêmico gerou uma mudança de paradigma, diante da impossibilidade — ainda que momentânea — de ganhos.
2. Métodos de solução de conflitos
Como formas de solução de conflitos, tem-se a divisão: autotutela, heterocomposição e a autocomposição.
A autotutela é a solução do litígio pelas próprias partes, mediante a utilização da força física, moral ou econômica. Apesar de vedada (GONÇALVES, 2020, p. 36), ainda há resquícios no ordenamento jurídico — a exemplo do desforço imediato (§ 1º do artigo 1.210 do Código Civil) e do direito de retenção (artigos 571 e parágrafo único, 578, 663, 681, 708, 742, 1.219, 1.220, do Código Civil).
Acerca da heterocomposição, solução determinada por terceiro, encontram-se: a jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição) e a arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996).
Autocomposição é a solução do litígio determinada de acordo com a autonomia de vontade das partes (DA SALLES et al., 2021, p. 143). São formas: a conciliação, a mediação (indiretas) e a negociação (direta) (Ibid., p. 143).
Por conta de uma maior aceitação da sociedade, a jurisdição, uma das formas de heterocomposição, tornou-se a principal forma de solucionar conflitos.
O termo jurisdição possui origem latina e advém da palavra juris dictio, que significa dizer o direito. Trata-se de uma das funções do Estado a aplicação da lei a um determinado caso, isso em substituição a vontade das partes, observando-se, sempre, a imparcialidade. Compete, por regra, aos órgãos do Poder Judiciário [4].
Ao longo dos anos, contudo, mostrou-se falha, pois tardia e insatisfatória às partes, em vista de não equilibrar dois princípios conflitantes para a materialização da segurança jurídica (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal): o da celeridade processual e o da ponderação. A rapidez diminui a qualidade da decisão e a qualidade abate a rapidez (ZANARDO, 2010, p. 10).
Conforme Boletim Estatístico do Superior Tribunal de Justiça (BOLETIM, 2022) e a título exemplificativo, apenas no mês de março de 2022 a Corte Superior recebeu 38.604 novos processos, num acervo final de 268.661 processos, tornando-se inegável o grande volume de ações.
O Supremo Tribunal Federal, composto por apenas 11 ministros (artigo 101 da Constituição), encontra-se com um acervo de 21.276 processos (ACERVO, 2022), maior parte (8.330) de Agravo em Recurso Extraordinário (ARE). Para cada Ministro, numa distribuição hipotética igualitária, há, em média, 1.934 processos [5].
Necessário ressaltar, entretanto, que o modelo conciliatório já vinha sendo utilizado há muitos anos pelo Processo do Trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, já previa a conciliação nos dissídios individuais ou coletivos (artigo 764). A obrigatoriedade conciliatória ao final da audiência constava desde 1943 (artigo 850). Contudo, a obrigação de composição inicial foi trazida apenas em 1995, conforme redação dada pela Lei nº 9.022 (artigo 846).
É certo que a nova perspectiva processual trazida pelo Código de Processo Civil com a promoção, a qualquer tempo (artigo 139, inciso V, CPC), da autocomposição (§ 3º do artigo 3º), tenta resgatar o equilíbrio da celeridade processual e o da ponderação, a fim de materializar a segurança jurídica.
Verifica-se, desse modo, a assaz necessidade e a importância na adoção de métodos alternativos à jurisdição para a solução de conflitos.
3. A solução de conflitos em tempos de pandemia
O Conselho Nacional de Justiça, numa tentativa de uniformizar os entendimentos, quando do início da crise pandêmica, editou a Resolução 313, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário, mas sem dispor de medidas para a retomada do curso dos prazos processuais.
Somente através da Portaria nº 61, de 31 de março de 2020, decidiu acerca de uma Plataforma Emergencial de Videoconferência para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário (artigo 1º). Tardiamente, em 20 de abril de 2020, editou nova Resolução, 314, tomando por regra as audiências virtuais (§ 3º do artigo 6º), mas com modelo de livre escolha, pelos tribunais, de plataformas.
Os advogados e as advogadas, diante da necessidade de sobrevivência, foram tomados pela iniciativa de aproximar as partes e buscar pela solução da lide.
Na época, a circulação de pessoas era mínima. Não se permitiam aglomerações, pois tais medidas seriam necessárias ao combate ao vírus.
Nesse cenário, houve uma eclosão na utilização de videoconferências — e lives. Através desse sistema, tornou-se possível a autocomposição online.
Cite-se:
“A expressão On-line Dispute Resolution (ODR) retrata a utilização de tecnologia da informação e da comunicação para compor conflitos, sendo tal uso referente à totalidade do procedimento ou somente a parte dele.
[…]
Para quem pode usufruir do acesso às redes eletrônicas, há evidentes vantagens, como economia de tempo, de dinheiro e conveniência por não haver gasto com deslocamentos. Contudo, apesar dos benefícios, a realização de sessões consensuais eletrônicas apresenta desafios ligados a fatores como dificuldade de acesso a meios tecnológicos (acentuada por desigualdades socioeconômicas), instabilidade da rede, distanciamento da parte com advogadas(os) e necessária adaptação à diferente forma de interação” (DA SALLES et al., 2021, p. 252).
Distâncias foram reduzidas e a comunicação foi alargada:
“Com a impossibilidade de encontros presenciais e a acelerada virtualização das relações, vimos um aumento exponencial do uso de plataformas de comunicação síncrona, em que as interações são realizadas simultaneamente, geralmente por meio e vídeo e/ou áudio para reuniões, aulas e encontros sociais. A familiarização com essas vias facilitou seu uso para audiências judiciais, inclusive de mediação e de conciliação. É de se esperar que esse movimento se consolide mesmo após a pandemia, dada a redução de custos e de deslocamentos decorrente de sua prática” (ASPERTI et al., p. 84). (grifo nosso)
O acesso à internet possibilitou, assim, a autocomposição.
Entretanto, não se quer negar as dificuldades do meio. Apesar de ser considerada como essencial [6], há inúmeras dificuldades, sociais e técnicas: nem todos possuem meio de acesso à conexão [7], alguns aparelhos não estão aptos em receber tecnologias atuais [8] e algumas pessoas possuem dificuldades técnicas no domínio das ferramentas virtuais.
Cite-se:
“É inadequado impor mediação ou conciliação digital quando a estrutura para que ela aconteça não pode ser provida aos vulneráveis. Nessa linha, ocorrendo instabilidade na conectividade não deverá haver deletéria consequência processual — exceto a redesignação —, arcando as partes com o ônus de suportar mais tempo para a resolução do conflito em curso” (ASPERTI et al., 2020, p. 208).
Diante das dificuldades apontadas, é necessária a busca por um início de comunicação em épocas de restrição da circulação e de atividade mínima judicial.
A primeira, através do telefone. Numa ligação cria-se um princípio de interação que possibilitará na finalização do ato negocial. Ainda que de forma um pouco mais arcaica, os serviços postais não deixaram de ser prestados, e foram considerados essenciais na época (artigo 3º, § 1º, inciso XXI, do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020). Poderão ser utilizados para um início de comunicação.
É certo que o cenário pandêmico redescobriu um leque de opções para a aproximação de pessoas. As ferramentas já estavam à disposição, mas foram essenciais na redução de distâncias em épocas de confinamento. Através delas, tornou-se possível a autocomposição online, uma das poucas saídas para os advogados e advogadas em tempos de crise, decorrente da suspensão do curso dos prazos processuais e a mínima atividade jurisdicional.
4. Conclusão
Conclui-se que a suspensão do curso dos prazos processuais trouxe prejuízos nefastos aos jurisdicionados e à advocacia, tornando-se necessária a utilização dos métodos alternativos na solução de conflitos.
Através da conciliação, mediação ou negociação, abate-se a carga emocional das partes trazida pelo litígio, resolvendo-o de forma rápida e com a menor onerosidade possível. Especialmente em tempos de pandemia, a autocomposição online constitui forma essencial, numa mudança ainda que momentânea de paradigma: da heterocomposição (jurisdição) para a autocomposição.
Os sujeitos processuais, além do dever de preservar a boa-fé (objetiva), são obrigados a cooperar entre si a fim de obterem, a justo prazo, solução definitiva da lide. Em sua essencialidade, a internet contribui para o desenvolvimento dessas relações e ressignifica o princípio da duração razoável do processo, ponderando-se princípios e materializando a segurança jurídica.
São inúmeros os meios redescobertos através da pandemia e à disposição da parte para iniciativa da autocomposição.
Em tempos de crise, a melhor solução é dialogar.
Referências
ACERVO do STF em 2022. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/single/?appid=e554950b-d244-487b-991d-abcc693bfa7c&sheet=9123f27b-bbe6-4896-82ea-8407a5ff7d3d&theme=simplicity&select=clearall. Acesso em 27 de abr. 2022.
ASPERTI, Cecilia; TARTUCE, Fernanda. A conciliação e a mediação online a partir da pandemia do novo Coronavírus: limites e possibilidades. Revista do Advogado, AASP, v. n. 148 (no prelo).
BOLETIM estatístico. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/verpagina.asp?vPag=0&vSeq=374. Acesso em 27 de abr. 2022.
DA SALLES, Carlos Alberto D.; LORENCINI, Marco Antônio Garcia L.; SILVA, Paulo Eduardo Alves. Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. São Paulo: Grupo GEN, 2021. 9786559640089. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559640089/. Acesso em: 27 abr. 2022.
DIDIER JR. Fredie. Novo código de processo civil: comparativo com o código de 1973. Fredie Didier Jr. e Ravi Peixoto. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
GONÇALVES, Marcus Vinicius R. Esquematizado – Direito processual civil. Editora Saraiva, 2020. 9786555590043. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555590043/. Acesso em: 27 abr. 2022.
HANTHORNE, Bruna de Oliveira Cordeiro. Métodos consensuais de solução de conflitos. Curitiba: InterSaberes, 2022.
NEVES, Daniel Amorim A. Novo CPC – Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. 3ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2016. 9788530970321. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530970321/. Acesso em: 28 de abr. 2022.
PESQUISA mostra que 82,7% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet. Disponível em: https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2021/abril/pesquisa-mostra-que-82-7-dos-domicilios-brasileiros-tem-acesso-a-internet, acesso em 29/04/2022. Acesso em 29/4/2022, às 10h14
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530992330. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530992330/. Acesso em: 29 abr. 2022.
ZANARDO, Tiago Salatino. Relativização da coisa julgada. 2010. 1 disco laser + 4¾ pol. Trabalho de conclusão de curso (graduação em Direito) – Universidade Católica de Santos, 2010.
[1] O Conselho Nacional de Justiça, numa tentativa de uniformizar os entendimentos, editou a Resolução 313, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário, no âmbito do Poder Judiciário, excetuando-se o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral.
[2] No Estado de São Paulo, o Conselho Superior da Magistratura editou o Provimento CSM nº 2545/2020, para o fim de determinar a suspensão dos prazos processuais, atendimento ao público, audiências de custódia e as Sessões do Tribunal do Júri.
[3] Atos urgentes, processos com réu preso e menor infrator não foram afetados.
[4] Outros Poderes poderão exercer a jurisdição através de suas funções atípicas.
[5] Número meramente exemplificativo no intuito de indicar o volume excessivo de processos.
[6] Conforme Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, foram consideradas essenciais as atividades de telecomunicações e internet, a teor do art. 3º, § 1º, inciso VI.
[7] Apenas 82,7% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet (PESQUISA, 2022).
[8] Os principais aplicativos de videochamada: Zoom MeetingsGoogle Meet (antigo Hangouts), Microsoft TeamsWhatsApp e Skype.
Por Tiago Salatino Zanardo, advogado especializado na área cível, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito pela Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Direito Processual Penal e em Direito Processual do Trabalho pela Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Processo Civil pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e relator do Tribunal de Ética e Disciplina — 14ª Turma Disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2022, 12h11
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Gilberto Giusti explica “dever de revelação” na arbitragem

O sucesso da arbitragem depende do extremo cuidado e zelo de todos os envolvidos: partes, advogados, árbitros, instituições e auxiliares. Dentre as etapas do processo, destaca-se a escolha do árbitro que, a teor do art. 13 da lei de arbitragem, deve necessariamente ter a confiança das partes.
Segundo o próprio texto da lei, espera-se do árbitro a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. E, para que as partes possam avaliar se o indicado desfruta desses atributos, é necessário que tenha conhecimento de qualquer informação relevante para a avaliação acerca de sua imparcialidade e independência.
Daí decorre o dever de revelação do árbitro, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem:
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.
Quem explica o tema é o advogado e especialista em arbitragem Gilberto Giusti, coordenador da área de arbitragem do escritório Pinheiro Neto Advogados; membro do Conselho Consultivo da American Arbitration Association (AAA) e ex- membro da Corte Permanente da London Court of International Arbitration – LCIA.
Dever de revelação
Giusti pontua que os indicados a árbitro devem revelar qualquer fato que denote dúvida quanto a sua imparcialidade. Para ele, o artigo 14 não deixa dúvidas de que ao árbitro e ao juiz aplica-se o mesmo tratamento no tocante à suspeição e ao impedimento.
“Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no CPC.”
Todavia, o advogado assinala que nem sempre é possível fazer uma equivalência absoluta entre os deveres e responsabilidade do juiz e do árbitro. Isto porque a arbitragem rege-se por princípios próprios, “que encontram guarida no basilar princípio da autonomia da vontade das partes”. Aos árbitros impõem-se atribuições até mais amplas, como a da disponibilidade.
Impedimento
No caso de impedimento, não só pode como deve o árbitro declinar da indicação, afirma Giusti.
“Em caso que possa configurar suspeição, deve a parte ‘arguir a respectiva exceção diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes’ (Lei de Arbitragem, Art. 15).”
Segundo o advogado, se a exceção não é acolhida no âmbito do próprio tribunal arbitral, em geral a parte pode requerer a formação de um comitê especial, indicado de acordo com o regulamento institucional de arbitragem adotado, que apreciará o pedido, nesse estágio normalmente referido como “impugnação”.
Violação ao dever de revelação – Crime?
Pode configurar crime o árbitro não declarar-se suspeito? A resposta simples e objetiva do causídico para a questão é “não”. Tal se dá porque não há qualquer tipo penal específico em que possa incorrer o árbitro que viole seu dever de revelação, subtraindo informação relevante sobre seu impedimento ou suspeição.
Mas o advogado observa que, embora muito improvável e excepcional, não se pode descartar a possibilidade de a violação do dever de revelação implicar responsabilização criminal do árbitro nos casos em que a falta de informação envolver um ilícito penal, como, por exemplo, falsidade documental.
“Nessa hipótese, não se trata de uma falha per se do dever de revelação que, repita-se, não configura crime, mas sim da configuração da autoria e materialidade de um crime daí decorrente.”
Já a responsabilização civil pela violação do dever de revelação, explica o especialista, seja por subtração de informação relevante na fase de formação da jurisdição ou no decurso do procedimento arbitral, na modalidade subjetiva, é possível, “devendo ser auferida caso a caso”.
Escolha do árbitro
Gilberto Giusti explica que quem elege a forma como se dá a escolha do árbitro ou árbitros são as próprias partes, ao negociar e firmar a convenção de arbitragem.
“É importante, portanto, sempre lembrar que as partes podem, sim, estabelecer a forma de escolha e impugnação dos árbitros que mais lhes parecer conveniente já na cláusula compromissória, desde que, obviamente, não torne o compromisso de arbitrar inválido.”
O que se vê na prática, porém, são cláusulas compromissórias que preveem o mínimo necessário para garantir sua eficácia, reportando-se, no mais, ao regulamento da instituição arbitral acordada para administrar o procedimento. “Os regulamentos das principais instituições, por sua vez, em geral são bastante eficientes e contêm regras apropriadas para a escolha dos árbitros.”
“Sem prejuízo, ainda se espera das instituições arbitrais maior objetividade e clareza no regramento justamente do dever de revelação daquele que é indicado para atuar como árbitro, não apenas aprimoramento os mecanismos que garantam que todas as informações efetivamente relevantes cheguem ao conhecimento das partes, como também inibindo impugnações abusivas que buscam apenas retardar o procedimento.”
Mudanças na lei?
Por fim, o advogado ressalta que, neste momento, não há necessidade de alteração na lei, a qual caminha para seus 26 anos.
Gilberto Giusti explica que as duas primeiras décadas da prática da arbitragem sob o ordenamento da lei apontaram questões importantes, e que ajustes legislativos necessários foram feitos em 2015.
“Essa importante revisão e atualização da Lei de Arbitragem, em conjunto com o amadurecimento da jurisprudência de nossos tribunais e do aperfeiçoamento dos regulamentos das câmaras arbitrais, fornecem aos jurisdicionados, hoje, a segurança necessária para adoção da arbitragem em nosso país.”
Ele lembra que o próprio sucesso e a ampliação da prática no Brasil trouxeram novas questões, as quais precisam ser constantemente debatidas e aprimoradas, entre elas a própria discussão sobre extensão do dever de revelação dos árbitros. Todas as questões apontadas pelo causídico, porém, já encontram supedâneo legal, regulamentar e jurisprudencial suficiente para que sejam pacificadas.
“Alterações legislativas desnecessárias, principalmente quando fruto de iniciativas de grupos isolados e que não envolvam – a exemplo do que exitosamente ocorreu na reforma de 2015 – a comunidade jurídica só servem para fulminar esse princípio basilar e, consequentemente, a própria essência da arbitragem como método eficiente de solução extrajudicial de conflitos.”
Por Redação
Fonte: Migalhas, terça-feira, 19 de julho de 2022
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Inviabilidade de reunião de processos arbitrais com partes diferentes

Recente e importante julgamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Conflito de Competência nº 185.702-DF, enfrentou inúmeras questões de direito processual, ao reconhecer a prevalência da atuação da companhia, titular do direito material, sobre a dos acionistas minoritários, que se precipitaram ao ajuizarem, na condição de substitutos processuais, ação de reparação de danos causados ao patrimônio da empresa.
Estes, na verdade, ostentam legitimidade ativa extraordinária apenas na hipótese de inércia da companhia. Como bem pontuou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, “a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili), por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária para o ajuizamento de ação social (artigo 159 da Lei n. 6.404/76)”.
Com esse entendimento, restou reconhecida a incompetência de tribunal arbitral, formado no âmbito de uma arbitragem que tramitava na Câmara de Arbitragem do Mercado, instaurada a pedido de acionistas minoritários da JBS, visando a responsabilizar os controladores da empresa pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos celebrados com o Ministério Público Federal, em 2017.
Dentre os vários aspectos processuais que emergem desse julgado, deveras interessante e muito bem fundamentado, irei me ater, nesse artigo, apenas à questão, também examinada, atinente à inviabilidade da reunião de processos arbitrais quando as partes são diferentes.
Pois bem, como esclarece, em pioneira monografia, o saudoso professor Tomás Pará Filho, a reunião de ações por força de conexão delineia-se imperiosa: “tanto em virtude do interesse público, como em razão do das partes. O primeiro porque, se cindirmos o julgamento de causas conexas, pode ocorrer que a sua decisão venha a ser contraditória, com o que se afetariam os fins visados pelo Poder Judiciário. O segundo, porque as partes têm interesse na celeridade e na economia das demandas, o que se pode obter pela reunião de causas análogas, no mesmo processo” (Estudo sobre a conexão de causas no processo civil, São Paulo, tese, 1964, pág. 24 — destaque meu).
Dentre os inúmeros mecanismos que o sistema predispõe em prol da aceleração da marcha do processo, inclusive, por certo, do processo arbitral, vem contemplada a reunião de ações por força de conexão.
Assim dispõe o regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, a respeito da conexão de procedimentos arbitrais: “6.2 – Conexão. Quando for apresentado um Requerimento de Arbitragem que tenha objeto ou causa de pedir comum a um outro procedimento arbitral já em curso e regido por este Regulamento, o Presidente da Câmara de Arbitragem, após ouvir as partes, levando em conta as circunstâncias e o progresso já alcançado no procedimento em curso, poderá determinar a reunião dos procedimentos para julgamento conjunto“.
Não obstante, na situação concreta enfrentada no aludido conflito de competência, apesar da similitude entre os elementos subjetivo e objetivos de três processos arbitrais, a rigor, somente havia entre eles identidade de pedidos.
Importa considerar que uma das características essenciais do processo arbitral é a liberdade que as partes têm para eleger os seus respectivos árbitros.
Com efeito, enfrentando esta importante questão, Nuno Ferreira Lousa, em artigo com título deveras sugestivo: A escolha de árbitros: a mais importante decisão das partes numa arbitragem? (V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 16-17), não tem qualquer dúvida em asseverar que: “a decisão quanto à escolha de árbitro é potencialmente a decisão mais importante que uma parte poderá tomar ao longo de uma arbitragem… Um dos traços distintivos da arbitragem como forma de resolução de litígios reside na possibilidade de as partes poderem participar na seleção das pessoas que decidirão qual a solução a dar a uma disputa existente entre elas”.
Este pormenor que conota a arbitragem — a escolha pelas partes do “melhor árbitro possível” — propicia aos litigantes uma confiança a mais quanto ao modo pelo qual será tratado o seu problema. E, assim, é sabido que a arbitragem emerge, em seus principais quadrantes, da vontade exclusiva das partes que se dispõem a aceitar uma decisão proferida por um tribunal arbitral, participando, na escolha dos membros do painel, “sendo certo que não há parte que selecione um árbitro para que ele decida de maneira oposta à salvaguarda do seu interesse” (cf. Frederico Gonçalves Pereira, O Estatuto do árbitro: algumas notas, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., página 165).
Nesse mesmo sentido é a lição de Redfern e Hunter, ao afirmarem que a maior atração da arbitragem para as partes é a que permite submeter o litígio a julgadores de sua própria escolha, visto ser usual cada uma delas indicar um árbitro (Nigel Blackaby et aliiRedfern and Hunter on International Arbitration, 5ª ed., Oxford, University Press, 2009, itens 4.30 e 4.31).
Na dicção do artigo 13 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), árbitro é a pessoa física indicada pelas partes para conhecer e julgar um litígio que tenha por objeto direito disponível.
A prerrogativa de indicar árbitro único ou, no painel colegiado, cada qual o seu árbitro, deve ser preservada a ambas as partes. Não obstante, havendo pluralidade de partes no polo ativo e/ou no polo passivo do processo arbitral — denominada multiparty arbitration — pode ocorrer que os respectivos litisconsortes não cheguem a um acordo quanto à seleção do árbitro comum.
A constituição do tribunal arbitral, neste caso, é um dos pontos nevrálgicos para uma arbitragem bem-sucedida. Por inúmeras razões, seria de todo desaconselhável a arbitragem se iniciar com um painel composto, de um lado, pelo árbitro indicado por uma das partes, e, de outro, por um árbitro apontado pela câmara de arbitragem na qual tramita o processo. Na verdade, verificando-se essa hipótese, estaria vulnerada a isonomia a ser necessariamente assegurada a todos os litigantes.
Recordo, a propósito, os termos do artigo 18, sob a rubrica Equal treatment of parties, da Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional: “As partes devem ser tratadas com igualdade e a cada parte deve ser concedida integral oportunidade para ser ouvida“.
Examinando este tormentoso problema, Starvos Brekoulakis (Multiparty and Multicontract Arbitration, QFinance, www.qfinance.com/operators) escreve que nas arbitragens com múltiplos protagonistas, a cada litigante deve ser garantido o direito de influir na constituição do tribunal; caso contrário, a sentença estará exposta ao risco de anulação (“open to annulment“).
A secundar tal doutrina, a Corte de Apelação de Paris, em janeiro de 1992, teve oportunidade de enfrentar situação concreta consubstanciada no famoso precedente Dutco Construction Co. v. Siemens AG-BKMI, no qual a empresa demandante Dutco procedeu, normalmente, à indicação de seu árbitro, enquanto os litisconsortes passivos Siemens AG e BMKI, diante de interesses colidentes, não chegaram a um consenso na escolha do respectivo árbitro. Instados pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) a efetivar a indicação, consignaram expresso protesto e, afinal, acabaram elegendo um árbitro comum. Posteriormente, submetida a questão ao controle do Poder Judiciário francês, foi declarada a nulidade da sentença arbitral, com fundamento na premissa de que, havendo litisconsortes, cada co-litigante tem o direito de apontar o seu árbitro, sob pena de violação do princípio da igualdade processual.
Como consequência dessas vicissitudes que se transformaram em verdadeiro leading case, a Corte Internacional de Arbitragem (CCI), em 1998, alterou o seu Regulamento de Arbitragem, ao dispor, no artigo 12.8, que os diversos requerentes ou requeridos deverão designar conjuntamente um árbitro; se não lograrem êxito em tal indicação conjunta, todos os membros do tribunal serão nomeados pela corte, podendo esta escolher qualquer pessoa que repute competente para atuar como árbitro. Tal disposição veio parcialmente reproduzida no artigo 12.2 da reforma introduzida em 2012.
Atento a esse problema, Daniel Proença de Carvalho e Antônio Abreu Gonçalves, apontam como um dos principais obstáculos à reunião de processos arbitrais exatamente a imposição de árbitro não escolhido pelo menos por uma das partes. Apenas quando todos os atores dos processos arbitrais expressarem seu consentimento quanto aos integrantes do tribunal arbitral, é que será possível admitir a conexão dos respectivos procedimentos (A apensação de processos arbitrais, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., págs. 184/185).
Ora, isso significa que, na hipótese submetida ao Superior Tribunal de Justiça, caso fosse reunida aos processos arbitrais, já pendentes, a arbitragem instaurada, posteriormente, a requerimento da companhia, estar-se-ia tolhendo dela o direito de participar da composição do tribunal arbitral, indicando árbitro de sua confiança. Impossível, portanto, defender esta solução!
Diante desse cenário, ficou então assentado no acórdão que:
“No caso dos autos, a Assembleia Geral Extraordinária deliberou expressamente não ser o caso de ingressar nas arbitragens anteriormente instauradas a requerimento de acionistas minoritários, ora interessados.
Conforme demonstrado, a companhia foi inicialmente indicada como ré em tais procedimentos, o que se mostrou manifestamente inadequado, já que é a titular do direito lesado ali em discussão. A companhia foi integrada na aludida arbitragem na sui generis condição de interveniente. Ainda que tenha obtido conhecimento dos atos até então praticados, a companhia não exerceria os direitos próprios de parte, no que se insere, principalmente, a possibilidade de participar da escolha dos árbitros.
Tampouco a condição de assistente litisconsorcial, nos procedimentos arbitrais intentados pelos acionistas minoritários, ora interessados, rejeitada pela companhia (de acordo com a deliberação assemblear, ressalta-se), daria-lhe a possibilidade de participar da escolha da arbitragem, o que se mostra, como assentado, basilar e inerente a toda e qualquer arbitragem.
Por tudo que se expôs, tem-se que o Procedimento Arbitral CAM 186/21, além de atender a preceito basilar da arbitragem (autonomia da vontade e da confiança, em toda a sua extensão), foi manejado, tempestivamente e de acordo com a autorização assemblear, pela companhia titular do direito lesado em discussão, em legitimidade ordinária, devendo, pois, prevalecer sobre os Procedimentos Arbitrais CAM 93-110, intentados por parte ilegítima, nos termos da presente fundamentação, os quais deverão ser extintos”.
Infere-se, em resumo, dessa passagem do julgado, que se descortina absolutamente inaceitável que se imponha à parte ou ao interveniente forçado um tribunal arbitral pré-constituído, sem que tenha ele participado de sua respectiva formação.
Decorre da corretíssima conclusão a que chegou a turma julgadora a patente inviabilidade de reunião de processos arbitrais quando diferentes forem as partes litigantes.
Por José Rogério Cruz e Tucci, sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2022, 8h02
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XI SECMASC (Seminário de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Santa Catarina)
TEMA CENTRAL: Diálogos dos MASCs com a Sociedade em Tempos de Transformações
Dias 01, 07, 12, 21 e 28 de julho de 2022
Transmissão 100% digital via Zoom

MAIS INFORMAÇÕES

Limites da competência dos juízos estatal e arbitral para apreciar medidas de urgência

Uma questão interessante a ser analisada versa sobre os limites da competência dos juízos estatal e arbitral para a apreciação de medidas de urgência tendo por objeto questão sujeita à arbitragem, presente a peculiaridade de que, no ato do ajuizamento da medida, ainda não havia a constituição do Tribunal Arbitral, formado somente no curso do procedimento preparatório, antes da prolação de sentença que se debruce sobre o direito à obtenção de tutela de urgência — sentença essa que não se confunde com eventual pronunciamento antecipando os efeitos da tutela pretendida.
Ora, como se sabe, a convenção de arbitragem implica impedimento ao exercício da jurisdição estatal. Há, nesses casos, legítima renúncia àquela jurisdição, optando as partes por submeter o seu eventual litígio a árbitros por elas nomeados.
No âmbito das tutelas cautelares e de urgência, o artigo 22-A da Lei de Arbitragem dispõe que “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência”, mas o artigo 22-B ressalva: “instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.
Nesse campo, o modelo de “competência coordenada” adotado nos referidos artigos 22-A, 22-B e no artigo 22-C da Lei de Arbitragem impõe uma atuação precária e contingencial do Poder Judiciário, limitada exclusivamente a casos em que haja urgência tamanha que impeça a parte de aguardar a regular constituição do Tribunal Arbitral, vale dizer, em que “o perigo na demora da constituição do tribunal arbitral puder colocar em risco o bem da vida perseguido na arbitragem” (Daniel Levy, “As interações entre Poder Judiciário e Arbitragem”, ‘in’ Daniel Levy e Guilherme Setoguti J. Pereira [coord.], “Curso de arbitragem”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2018, p. 335).
Com efeito, inviabilizado o acesso da parte ao juízo competente, admite-se que sejam provisoriamente desprezadas as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela de urgência a outro juízo. E isso é permitido “porque para a instituição do juízo arbitral são necessários vários passos, caminhos, assinaturas de documentos, não podendo a parte interessada esperar” (Carreira Alvim. Direito arbitral, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 335).
Logo, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “é possível o prévio ajuizamento de ação para adoção de medidas urgentes perante o Poder Judiciário, mas a atribuição para processá-la, após a instauração da arbitragem, passa imediatamente a ser do juízo arbitral, que, recebendo os autos, poderá reanalisar a medida eventualmente concedida” (REsp 1586383/MG, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 14/12/2017).
A questão analisada, contudo, exige que se defina se o juízo estatal é competente para prosseguir no processamento da medida cautelar depois que o Tribunal Arbitral é formalmente instituído — e qual a providência a ser adotada para evitar eventual conflito de competência.
Pois bem. Em caso hipotético, as partes envolvidas não discutem que firmaram cláusula compromissória e que, após o ajuizamento de medida de urgência preparatória à arbitragem, porém antes da prolação de sentença pelo juízo estatal, foi constituído Tribunal Arbitral.
Nessa situação, superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, é recomendado que os autos sejam prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela de urgência eventualmente conferida em caráter precário pelo juízo estatal, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão.
A esse respeito, Carlos Alberto Carmona anota que “a competência do juiz togado ficará adstrita (…) à análise da medida emergencial, passando a direção do processo na sequência aos árbitros, tão logo seja instituída a arbitragem (ou seja, tão logo os árbitros aceitem o encargo)” (Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 327).
No mesmo sentido o entendimento de Francisco José Cahali, para quem, instaurado o juízo arbitral, “a jurisdição sobre o conflito passa a ser do árbitro, e, assim, a ele deve ser encaminhada, também, a questão cautelar envolvendo o litígio. O juiz estatal perde, neste instante, a jurisdição, e as decisões a respeito passam a ser de exclusiva responsabilidade do árbitro” (Curso de arbitragem. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011, p. 231).
Sendo assim, instituído o Tribunal Arbitral, encerra-se a competência do juízo estatal, até mesmo para extinguir o processo, com ou sem resolução do mérito, de modo que apenas lhe resta remeter os autos ao juízo arbitral. Trata-se, nessa hipótese, de uma “simples remessa de competência” (Levy, Pereira, 2019, p. 319).
Isso porque, nos termos dos já citados artigos 22-A e 22-B da Lei de Arbitragem, com a apresentação do requerimento de arbitragem perante determinado órgão arbitral institucional e a posterior instauração da arbitragem, a única providência passível de ser adotada pelo juízo estatal seria somente a de remeter os autos ao Tribunal Arbitral competente devidamente constituído, que será o responsável por promover a análise do pedido cautelar formulado nos autos da medida de urgência preparatória para a sua manutenção, modificação ou revogação.
A constituição do Tribunal Arbitral e a consequente instauração da arbitragem no curso de medida de urgência ajuizada perante o juízo estatal ainda não decidida faz cessar imediatamente a competência precária conferida temporariamente àquele juízo, não podendo ensejar a prolação de sentença, com ou sem resolução do mérito sobre o pedido emergencial. Compete ao Tribunal Arbitral instituído reapreciar a medida de urgência e decidir, ao final da arbitragem, acerca do montante a ser pago pelas partes no que toca ao resultado do procedimento antecedente iniciado perante o juízo estatal, quando fizer a necessária ponderação dos ônus sucumbenciais no respectivo capítulo da sentença arbitral final.
Por Marcus Vargas, advogado do escritório RMMG Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2022, 9h02
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Especialistas debatem submissão do Estado à jurisdição privada em evento

A administração pública pode ser submetida à jurisdição privada, como ocorre na arbitragem? De que forma isso é possível? Qual é a vantagem, para a administração pública, ao buscar alternativas como a arbitragem?
Esses foram alguns dos questionamentos levantados pelo desembargador José Maria Câmara Júnior, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no evento “Arbitragem: Conquistas e Desafios”, promovida pela Escola de Negócios Trevisan.
O magistrado fez uma breve perspectiva dos avanços do regramento da arbitragem em relação a administração pública. Ele destacou o Código de Processo Civil que, na sua visão, tem ênfase na busca por formas alternativas de resolução de conflitos.
“O CPC tem várias passagens indicando a mediação e a conciliação. De modo que em dado momento pode-se apontar que essas formas de resolução de conflitos não são a alternativa, a alternativa nesse caso seria a sentença”, explica.
O julgador explicou os questionamentos brevemente, já que as duas primeiras questões, para ele, são simples: é possível submeter a administração pública à jurisdição privada, e o ambiente normativo existente já mostra como fazer.
A última questão, na sua opinião, é a mais complicada, mas para ela não há respostas prontas. “Os princípios da administração pública são compatíveis com essa lei que autoriza o poder público a buscar essa forma alternativa de resolução de conflitos? Será que a nova lei de improbidade administrativa que permite expressamente um pacto de não persecução civil não fere o princípio da igualdade?”, questiona.
O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que foi o elevadíssimo número de processos que envolvem a administração publica que levou à busca por resoluções alternativas de conflitos.
“A viabilidade disso se deu graças a Constituição Federal que concedeu uma série de direitos fundamentais a adotou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro. A Constituição de 1988 inaugurou no país o constitucionalismo moderno e isso permite a constitucionalização do direito administrativo com a relativização de paradigmas tradicionais relacionados ao interesse público”, explicou.
O ministro sustentou que, diante desse prisma, a centralidade do direito administrativo se desloca do Estado e da Lei para a Constituição. Nesse cenário, ele explica que a grande judicialização e a primazia da Constituição permitem a busca de meios alternativos de conciliação de conflitos. Por fim, ele defendeu que o Poder Executivo tem que atuar tanto em sua defesa como na prevenção desses conflitos.
O evento em homenagem ao ministro Moura Ribeiro teve apoio institucional da Associação Paulista da Magistratura (Apamagis), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A abertura ficou a cargo do presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti e da presidente da Apamagis, Vanessa Mateus.
Por Rafa Santos, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2022, 14h43
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