PLP 124/2022: propostas de alteração do Código Tributário Nacional

Como resultado dos trabalhos da Comissão de Juristas instaurada pelo Senado com vistas a promover alterações no processo administrativo e tributário nacional, foram apresentados anteprojetos de lei que resultaram no Projetos de Lei Complementar nº 124 e 125/2022 (PLP 124 e 125/2022), além dos Projetos de Lei nº 2.481, 2.483, 2.484, 2.485, 2.486, 2.488 e 2.490, todos de autoria do senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa.
Do rol dessas inovações legislativas, merece destaque o PLP 124/2022, que “Dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária”, promovendo alterações no Código Tributário Nacional (CTN).
O PLP 124/2022 introduz novos dispositivos ao CTN, altera a redação de outros e, curiosamente, não revoga nenhum dispositivo do Código.
Lamentavelmente, o PLP 124/2022 passou ao largo dos Capítulos IV e V, do Livro Segundo do CTN, salvo alteração pouco ousada introduzida ao artigo 138. Enfim, perdeu-se uma oportunidade de dar um melhor tratamento à parte do Código dedicada à sujeição passiva, reconhecida pela quase unanimidade da doutrina como o trecho de pior redação da Lei Complementar Tributária.
O PLP 124/2022 introduz ao CTN um artigo 113-A, com dois parágrafos, para tratar das penalidades pecuniárias.
De acordo com o caput do artigo 113-A, as multas por descumprimento de obrigações principais e acessórias deverão observar o princípio da razoabilidade e guardar relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo sujeito passivo.
Os §§1º e 2º do artigo 113-A estipulam um valor máximo a ser observado na fixação de penalidades pecuniárias, de modo que as multas decorrentes de procedimentos de ofício não poderão ser superiores ao valor do tributo exigido “ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo sujeito passivo”. Também fica estabelecido que a multas por dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio — também chamadas de multas qualificadas — não poderão ser superiores ao dobro da multa originalmente aplicada.
Até aí o PLP 124/2022 traz louvável modificação ao Direito Positivo, incorporando ao Código aquilo que já é uma tendência nos Tribunais, valendo a pena destacar os julgamentos, pelo STF, da ADI 551 (Ilmar Galvão, DJ de 14/02/2003), do RE 657.372 (Ricardo Lewandowski, DJ de 10/06/2013) e da ADI-MC 1.075 (Celso de Mello, DJ de 24/11/2006).
A questão do teto da fixação das multas, a propósito, será analisado pelo STF no julgamento de mérito do Tema 1.195, cujo RE 1.335.293, relatado pelo ministro Nunes Marques, ainda não tem previsão de pauta.
Neste ponto, todavia, o PLP 124/2022 poderia ter sido mais ousado, determinando o fim da imposição das multas por informações incorretas em  declarações, arquivos magnéticos e/ou escrituração nos casos em que for possível a retificação, mesmo após intimação dirigida pela fiscalização. Ora, se o contribuinte é intimado para retificar o erro e corrige o equívoco no prazo fixado pela autoridade lançadora, exigir penalidade mesmo após a retificação, tal como ocorre no artigo 62-B, II, “b”, da Lei nº 2.657/96-RJ, não estimula a conformidade à legislação tributária.
Na sequência, o PLP 124/2022 altera a redação do caput do artigo 138, do CTN, para deixar claro que a denúncia espontânea também afasta a imposição da multa de mora, rechaçando qualquer interpretação de que a multa pelo atraso não tem natureza punitiva. Neste ponto, o PLP 124/2022 é digno de aplausos porque afasta terrível jurisprudência formada no STJ contrariamente aos contribuintes quanto à matéria.
Mas o PLP 124/2022 poderia ter dado dois passos além em benefício do contribuinte no tratamento da denúncia espontânea da infração.
O primeiro passo diz respeito à espontaneidade pelo cumprimento a destempo, mas antes de qualquer intimação, das obrigações acessórias.
Como se observa da simples leitura do dispositivo legal em apreço, a redação do artigo 138, do CTN, não faz distinção quanto ao cumprimento espontâneo de obrigação principal ou acessória. Pelo contrário, o dispositivo deixa claro que o pagamento do tributo devido e dos juros de mora deverá ocorrer, se for o caso. Ou seja, o próprio Código prevê que há situações em que a espontaneidade poderá ocorrer sem o pagamento do tributo devido, caso típico das obrigações acessórias.
No entanto, a jurisprudência se consolidou em sentido contrário, vedando a aplicação do instituto da denúncia espontânea no cumprimento a destempo de obrigações acessórias, estando a matéria pacificada no STJ através de incontáveis acórdãos.
Logo, o PLP 124/2022 também poderia ter deixado expresso na lei que a denúncia espontânea também se aplica às obrigações acessórias cumpridas em atraso.
O segundo passo que poderia ter sido dado em favor do contribuinte neste tema diz respeito à aplicação da denúncia espontânea nos casos de parcelamento de tributos em atraso.
Ora, se o objetivo do instituto — e do próprio PLP 124/2022 — é o estímulo dos contribuintes à conformidade, nada mais justo do que assegurar o afastamento da multa de mora àquele que, antes de qualquer procedimento de ofício, procura o fisco para regularizar sua situação, ainda que de forma parcelada, visto não possuir recursos para o pagamento à vista.
Então seria o caso do PLP 124/2022 aproveitar a oportunidade para modificar a jurisprudência firmada no STJ no Tema 101 dos Recursos Repetitivos.
O artigo 139-A do CTN, introduzido pelo PLP 124/2022, traz inovação que já é conhecida dos contribuintes do ICMS no Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, os membros da Comissão de Juristas inspiraram-se no artigo 69-A, da Lei nº 2.657/96-RJ, para prever algo similar ao Aviso Amigável, previsto na legislação fluminense, estimulando o contribuinte à autorregularização do cumprimento de suas obrigações antes da realização de lançamentos de ofício.
Também merece destaque a alteração promovida ao artigo 142, do CTN, que pelo PLP 124/2022, passa a contar com três parágrafos. O atual parágrafo único transformou-se no §1º e dois “novos” parágrafos foram acrescentados.
O “novo” §2º do artigo 142 contém um deslize e nenhuma novidade para aqueles que conhecem a legislação tributária federal. Na verdade, à exceção do deslize, o §2º de que aqui se trata é cópia quase fiel do artigo 63, caput, da Lei nº 9.430/96.
Neste artigo 142, §2º, portanto, o PLP 124/2022 dispõe que “No lançamento destinado a prevenir a decadência de crédito tributário cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos II, IV e V do artigo 151 desta Lei, não será́ cominada multa de ofício ou multa de mora a ele relativo”.
Comparado ao artigo 63, da Lei nº 9.430/96, o novo §2º do artigo 142 do Código inclui a vedação de imposição de multa de mora nos lançamentos realizados para prevenir a decadência, bem como afirma — e aqui está o deslize — que as multas não serão aplicadas mesmo na hipótese da exigibilidade ter sido suspensa pelo depósito do montante integral (artigo 151, II, do CTN).
Ocorre que, à luz da jurisprudência pacífica do STJ, não cabe a realização de lançamento de ofício nos casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa por força do depósito do montante integral (EREsp 898.992, DJ 27/08/2007; EREsp 464.343, DJ 29/10/2007 e REsp 895.604, DJ 11/04/2008, entre outros).
O §3º introduzido ao artigo 142, do CTN, nada mais é do que o artigo 63, §1º, da Lei nº 9.430/96, esclarecendo que a hipótese de afastamento da penalidade nos casos especificados de suspensão da exigibilidade só terá cabimento quando o suspensão se verificar antes de qualquer procedimento de ofício, vale dizer, no mandado de segurança preventivo ou nas ações declaratórias de inexistência de relação jurídica.
A Comissão de Juristas, no que foi acompanhada pelo Senador Rodrigo Pacheco, propõe a instauração da arbitragem, quando da nomeação do árbitro, como uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, num inciso VII a ser incluído ao artigo 151, do CTN.
Também é proposta a inclusão de um inciso VIII ao artigo 151, de modo que a “a transação tributária, conforme decisão do representante da administração tributária, nos termos da legislação específica”, também suspenderá a exigibilidade do crédito tributário.
Neste caso, parece que o PLP 124/2022 está cometendo um equívoco, visto que a transação é hipótese de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156, III que, aliás, não foi revogado pelo Projeto.
Nesta ordem de ideias, o melhor é prever que a apresentação de pedido de transação ou a adesão à transação suspendem a exigibilidade do crédito tributário até que seja proferida decisão favorável pela autoridade administrativa competente.
O PLP 124/2022, introduzindo novo paradigma à conflituosa relação fisco-contribuinte, estimula os métodos alternativos para resolução de conflitos. Dentro deste espírito, a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado passa ser mais uma modalidade de extinção do crédito tributário (artigo 156, XII).
Na sequência, o projeto introduz um parágrafo 3º ao artigo 161 do CTN, que nada mais do que a reprodução do artigo 63, §2º, da Lei nº 9.430/96, afirmando, desta vez em lei complementar nacional, que “A interposição da ação judicial favorecida com medida liminar ou antecipação de tutela interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo”.
Quanto à transação tributária, o PLP incorpora ao artigo 171, do CTN, as modalidades de transação previstas pelo legislador federal na Lei nº 13.988/2020.
A rigor, esta matéria deveria permanecer sob a disciplina de lei ordinária, como aliás vem recorrendo em vários entes da federação. Disciplinar minuciosamente a transação em lei complementar pode causar indesejável engessamento e inibir o legislador ordinário de dispor de forma ampla sobre as hipóteses de acordo.
Os artigos 171-A e 171-B, no mesmo afã de introduzir soluções alternativas para a solução de litígios, dispõem que a arbitragem e a mediação serão utilizadas na solução das lides tributárias.
Consequentemente, o artigo 174, parágrafo único, do CTN, passa a dispor que a instauração do procedimento de mediação e a assinatura do compromisso arbitral serão causas de interrupção do prazo prescricional.
Novidade importante e muito bem-vinda é encontrada no artigo 194-A e no artigo 211-A, ambos estabelecendo critérios de dosimetria para a graduação das penalidades.
O artigo 194-B prevê que as decisões transitadas em julgado no STF e no STJ, em  Repercussão Geral ou nos Recursos Repetitivos favoráveis ao sujeito passivo, terão eficácia vinculante à Administração Tributária. Todavia, o Projeto prevê que a Fazenda Pública terá o prazo de 90 (noventa) dias para baixar os atos normativos necessários a adoção do que restou decidido no Tribunais Superiores.
Considerando a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões em Repercussão Geral/Recursos Repetitivos, a adoção de atos administrativos normativos pela Administração Tributária é totalmente desnecessária, não havendo motivo razoável para diferir a aplicação dos precedentes.
Com efeito, o PLP 124/2022 poderia aproveitar o ensejo para dispor que o reconhecimento de repercussão geral pelo relator no STF, a exemplo do disposto no artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil, também suspende todos os processos administrativos fiscais versando sobre a mesma matéria.
O artigo 194-C, proposto pelo PLP 124/2022, deixa expresso que o processo de consulta tributária existe, porém traz perigosa inovação ao dispor que a solução de consulta “será observada em relação a todos os demais sujeitos passivos não consulentes que se encontrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas, nos termos da legislação específica”.
Em seguida, o PLP 124/2022 cria todo um novo Capítulo ao Título IV do CTN (Capítulo IV) para traçar as normas gerais do processo administrativo tributário.
Percebe-se entre os artigos 208-A e 208-I que o PLP 124/2022 teve forte inspiração no Decreto nº 70.235/72 – que está sendo revogado pelo PL 2483/2022.
O artigo 208-B prevê os requisitos formais de validade de um auto de infração, todavia ignora a possibilidade de lançamentos de ofícios serem materializados por outros atos administrativos, tais como as notas ou notificações de lançamento. O mesmo dispositivo não indica como requisito de validade a indicação de local e data da lavratura, mas isto pode causar confusão na identificação de possível extinção pela decadência, sobretudo quando não constar manifestação expressa da ciência pelo sujeito passivo. Considerando que as legislações dispõem sobre a autoridade competente para a constituição do crédito tributário, seria conveniente que, ao menos a indicação do cargo ou função do autuante constasse como requisito de validade.
O artigo 208-C, I, prevê, desnecessariamente, que a impugnação tempestiva suspende a exigibilidade do crédito tributário. Ora, se o artigo 151, III, não foi alterado, este novo inciso I não precisa existir. Os incisos II, III, IV e VI são muito bem-vindos, confirmando a existência de um duplo grau de “jurisdição” no processo administrativo fiscal, tal como previsto na melhor interpretação do artigo 5º, LV, da Constituição.
Ainda no artigo 208-C, observa-se que o inciso V merece aprimoramento. Ao dispor que a uniformização das decisões divergentes somente ocorrerá quando houver uma instância superior, o PLP 124/2022 acaba por esvaziar esta importante fase do processo administrativo fiscal, responsável pela estabilização do processo e concretização da segurança jurídica. Deste modo, o melhor é deixar expresso que haverá uma instância especial com competência para apreciar os recursos objetivando a uniformização da coletânea de julgados administrativos.
Nesta mesma ordem de ideias, devem ser ajustados o inciso III e o §1º do artigo 208-D.
Digno dos maiores aplausos é o artigo 208-E, que deixa definitivamente de lado a ideia de uma possível revisão, via recurso hierárquico, das decisões definitivas favoráveis ao sujeito passivo.
A exemplo do que ocorre em relação ao artigo 194-B, também caberia no artigo 208-G a previsão de suspensão do processo administrativo tributário nos casos em que o relator no STF ou no STJ identificar matéria a ser apreciada pelo rito da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.
Seria muito bom se o artigo 208-H também autorizasse a realização de intimações na pessoa do procurador ou advogado do sujeito passivo, a exemplo do que ocorre no âmbito do processo judicial.
Considerando o período eleitoral, dificilmente haverá avanço na tramitação do PLP 124/2022 num curto prazo. De todo modo, diante da grande repercussão da matéria, será bastante conveniente que o Congresso Nacional promova audiências públicas para maior discussão do PLP 124/2022 visto que as sugestões da Comissão, como se vê, merecem aprimoramentos.
Por João Luís de Souza Pereira, advogado, mestre em Direito e professor convidado da pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-RJ).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2022, 16h02
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Autocomposição como forma de solução de conflitos em tempos de pandemia

1. A crise pandêmica
Em razão das medidas emergenciais e excepcionais de lockdown determinadas pelo poder público, preservando-se a vida (artigo 5º, caput, da Constituição) em detrimento das liberdades individuais (artigo 5º, inciso XV, da Constituição), os tribunais [1] decidiram pela suspensão do curso dos prazos processuais [2]. A paralisação, entretanto, agravou ainda mais a morosidade das ações e trouxe prejuízos infindáveis aos jurisdicionados.
Com os fóruns fechados, advogados e advogadas permaneceram por um longo período sem receber honorários advocatícios oriundos de valores depositados em processos judiciais, pois suspensas as expedições de precatórios, mandados de levantamento e requisições de pequenos valores. Ignorando-se o caráter alimentar da verba honorária.
Diante da mínima atividade jurisdicional [3] e o conseguinte choque para com o princípio da celeridade processual (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição), mostrou-se necessária a adoção de meios alternativos à jurisdição para a solução de conflitos.
O cenário pandêmico gerou uma mudança de paradigma, diante da impossibilidade — ainda que momentânea — de ganhos.
2. Métodos de solução de conflitos
Como formas de solução de conflitos, tem-se a divisão: autotutela, heterocomposição e a autocomposição.
A autotutela é a solução do litígio pelas próprias partes, mediante a utilização da força física, moral ou econômica. Apesar de vedada (GONÇALVES, 2020, p. 36), ainda há resquícios no ordenamento jurídico — a exemplo do desforço imediato (§ 1º do artigo 1.210 do Código Civil) e do direito de retenção (artigos 571 e parágrafo único, 578, 663, 681, 708, 742, 1.219, 1.220, do Código Civil).
Acerca da heterocomposição, solução determinada por terceiro, encontram-se: a jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição) e a arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996).
Autocomposição é a solução do litígio determinada de acordo com a autonomia de vontade das partes (DA SALLES et al., 2021, p. 143). São formas: a conciliação, a mediação (indiretas) e a negociação (direta) (Ibid., p. 143).
Por conta de uma maior aceitação da sociedade, a jurisdição, uma das formas de heterocomposição, tornou-se a principal forma de solucionar conflitos.
O termo jurisdição possui origem latina e advém da palavra juris dictio, que significa dizer o direito. Trata-se de uma das funções do Estado a aplicação da lei a um determinado caso, isso em substituição a vontade das partes, observando-se, sempre, a imparcialidade. Compete, por regra, aos órgãos do Poder Judiciário [4].
Ao longo dos anos, contudo, mostrou-se falha, pois tardia e insatisfatória às partes, em vista de não equilibrar dois princípios conflitantes para a materialização da segurança jurídica (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal): o da celeridade processual e o da ponderação. A rapidez diminui a qualidade da decisão e a qualidade abate a rapidez (ZANARDO, 2010, p. 10).
Conforme Boletim Estatístico do Superior Tribunal de Justiça (BOLETIM, 2022) e a título exemplificativo, apenas no mês de março de 2022 a Corte Superior recebeu 38.604 novos processos, num acervo final de 268.661 processos, tornando-se inegável o grande volume de ações.
O Supremo Tribunal Federal, composto por apenas 11 ministros (artigo 101 da Constituição), encontra-se com um acervo de 21.276 processos (ACERVO, 2022), maior parte (8.330) de Agravo em Recurso Extraordinário (ARE). Para cada Ministro, numa distribuição hipotética igualitária, há, em média, 1.934 processos [5].
Necessário ressaltar, entretanto, que o modelo conciliatório já vinha sendo utilizado há muitos anos pelo Processo do Trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, já previa a conciliação nos dissídios individuais ou coletivos (artigo 764). A obrigatoriedade conciliatória ao final da audiência constava desde 1943 (artigo 850). Contudo, a obrigação de composição inicial foi trazida apenas em 1995, conforme redação dada pela Lei nº 9.022 (artigo 846).
É certo que a nova perspectiva processual trazida pelo Código de Processo Civil com a promoção, a qualquer tempo (artigo 139, inciso V, CPC), da autocomposição (§ 3º do artigo 3º), tenta resgatar o equilíbrio da celeridade processual e o da ponderação, a fim de materializar a segurança jurídica.
Verifica-se, desse modo, a assaz necessidade e a importância na adoção de métodos alternativos à jurisdição para a solução de conflitos.
3. A solução de conflitos em tempos de pandemia
O Conselho Nacional de Justiça, numa tentativa de uniformizar os entendimentos, quando do início da crise pandêmica, editou a Resolução 313, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário, mas sem dispor de medidas para a retomada do curso dos prazos processuais.
Somente através da Portaria nº 61, de 31 de março de 2020, decidiu acerca de uma Plataforma Emergencial de Videoconferência para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário (artigo 1º). Tardiamente, em 20 de abril de 2020, editou nova Resolução, 314, tomando por regra as audiências virtuais (§ 3º do artigo 6º), mas com modelo de livre escolha, pelos tribunais, de plataformas.
Os advogados e as advogadas, diante da necessidade de sobrevivência, foram tomados pela iniciativa de aproximar as partes e buscar pela solução da lide.
Na época, a circulação de pessoas era mínima. Não se permitiam aglomerações, pois tais medidas seriam necessárias ao combate ao vírus.
Nesse cenário, houve uma eclosão na utilização de videoconferências — e lives. Através desse sistema, tornou-se possível a autocomposição online.
Cite-se:
“A expressão On-line Dispute Resolution (ODR) retrata a utilização de tecnologia da informação e da comunicação para compor conflitos, sendo tal uso referente à totalidade do procedimento ou somente a parte dele.
[…]
Para quem pode usufruir do acesso às redes eletrônicas, há evidentes vantagens, como economia de tempo, de dinheiro e conveniência por não haver gasto com deslocamentos. Contudo, apesar dos benefícios, a realização de sessões consensuais eletrônicas apresenta desafios ligados a fatores como dificuldade de acesso a meios tecnológicos (acentuada por desigualdades socioeconômicas), instabilidade da rede, distanciamento da parte com advogadas(os) e necessária adaptação à diferente forma de interação” (DA SALLES et al., 2021, p. 252).
Distâncias foram reduzidas e a comunicação foi alargada:
“Com a impossibilidade de encontros presenciais e a acelerada virtualização das relações, vimos um aumento exponencial do uso de plataformas de comunicação síncrona, em que as interações são realizadas simultaneamente, geralmente por meio e vídeo e/ou áudio para reuniões, aulas e encontros sociais. A familiarização com essas vias facilitou seu uso para audiências judiciais, inclusive de mediação e de conciliação. É de se esperar que esse movimento se consolide mesmo após a pandemia, dada a redução de custos e de deslocamentos decorrente de sua prática” (ASPERTI et al., p. 84). (grifo nosso)
O acesso à internet possibilitou, assim, a autocomposição.
Entretanto, não se quer negar as dificuldades do meio. Apesar de ser considerada como essencial [6], há inúmeras dificuldades, sociais e técnicas: nem todos possuem meio de acesso à conexão [7], alguns aparelhos não estão aptos em receber tecnologias atuais [8] e algumas pessoas possuem dificuldades técnicas no domínio das ferramentas virtuais.
Cite-se:
“É inadequado impor mediação ou conciliação digital quando a estrutura para que ela aconteça não pode ser provida aos vulneráveis. Nessa linha, ocorrendo instabilidade na conectividade não deverá haver deletéria consequência processual — exceto a redesignação —, arcando as partes com o ônus de suportar mais tempo para a resolução do conflito em curso” (ASPERTI et al., 2020, p. 208).
Diante das dificuldades apontadas, é necessária a busca por um início de comunicação em épocas de restrição da circulação e de atividade mínima judicial.
A primeira, através do telefone. Numa ligação cria-se um princípio de interação que possibilitará na finalização do ato negocial. Ainda que de forma um pouco mais arcaica, os serviços postais não deixaram de ser prestados, e foram considerados essenciais na época (artigo 3º, § 1º, inciso XXI, do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020). Poderão ser utilizados para um início de comunicação.
É certo que o cenário pandêmico redescobriu um leque de opções para a aproximação de pessoas. As ferramentas já estavam à disposição, mas foram essenciais na redução de distâncias em épocas de confinamento. Através delas, tornou-se possível a autocomposição online, uma das poucas saídas para os advogados e advogadas em tempos de crise, decorrente da suspensão do curso dos prazos processuais e a mínima atividade jurisdicional.
4. Conclusão
Conclui-se que a suspensão do curso dos prazos processuais trouxe prejuízos nefastos aos jurisdicionados e à advocacia, tornando-se necessária a utilização dos métodos alternativos na solução de conflitos.
Através da conciliação, mediação ou negociação, abate-se a carga emocional das partes trazida pelo litígio, resolvendo-o de forma rápida e com a menor onerosidade possível. Especialmente em tempos de pandemia, a autocomposição online constitui forma essencial, numa mudança ainda que momentânea de paradigma: da heterocomposição (jurisdição) para a autocomposição.
Os sujeitos processuais, além do dever de preservar a boa-fé (objetiva), são obrigados a cooperar entre si a fim de obterem, a justo prazo, solução definitiva da lide. Em sua essencialidade, a internet contribui para o desenvolvimento dessas relações e ressignifica o princípio da duração razoável do processo, ponderando-se princípios e materializando a segurança jurídica.
São inúmeros os meios redescobertos através da pandemia e à disposição da parte para iniciativa da autocomposição.
Em tempos de crise, a melhor solução é dialogar.
Referências
ACERVO do STF em 2022. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/single/?appid=e554950b-d244-487b-991d-abcc693bfa7c&sheet=9123f27b-bbe6-4896-82ea-8407a5ff7d3d&theme=simplicity&select=clearall. Acesso em 27 de abr. 2022.
ASPERTI, Cecilia; TARTUCE, Fernanda. A conciliação e a mediação online a partir da pandemia do novo Coronavírus: limites e possibilidades. Revista do Advogado, AASP, v. n. 148 (no prelo).
BOLETIM estatístico. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/verpagina.asp?vPag=0&vSeq=374. Acesso em 27 de abr. 2022.
DA SALLES, Carlos Alberto D.; LORENCINI, Marco Antônio Garcia L.; SILVA, Paulo Eduardo Alves. Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. São Paulo: Grupo GEN, 2021. 9786559640089. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559640089/. Acesso em: 27 abr. 2022.
DIDIER JR. Fredie. Novo código de processo civil: comparativo com o código de 1973. Fredie Didier Jr. e Ravi Peixoto. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
GONÇALVES, Marcus Vinicius R. Esquematizado – Direito processual civil. Editora Saraiva, 2020. 9786555590043. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555590043/. Acesso em: 27 abr. 2022.
HANTHORNE, Bruna de Oliveira Cordeiro. Métodos consensuais de solução de conflitos. Curitiba: InterSaberes, 2022.
NEVES, Daniel Amorim A. Novo CPC – Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. 3ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2016. 9788530970321. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530970321/. Acesso em: 28 de abr. 2022.
PESQUISA mostra que 82,7% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet. Disponível em: https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2021/abril/pesquisa-mostra-que-82-7-dos-domicilios-brasileiros-tem-acesso-a-internet, acesso em 29/04/2022. Acesso em 29/4/2022, às 10h14
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788530992330. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530992330/. Acesso em: 29 abr. 2022.
ZANARDO, Tiago Salatino. Relativização da coisa julgada. 2010. 1 disco laser + 4¾ pol. Trabalho de conclusão de curso (graduação em Direito) – Universidade Católica de Santos, 2010.
[1] O Conselho Nacional de Justiça, numa tentativa de uniformizar os entendimentos, editou a Resolução 313, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário, no âmbito do Poder Judiciário, excetuando-se o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral.
[2] No Estado de São Paulo, o Conselho Superior da Magistratura editou o Provimento CSM nº 2545/2020, para o fim de determinar a suspensão dos prazos processuais, atendimento ao público, audiências de custódia e as Sessões do Tribunal do Júri.
[3] Atos urgentes, processos com réu preso e menor infrator não foram afetados.
[4] Outros Poderes poderão exercer a jurisdição através de suas funções atípicas.
[5] Número meramente exemplificativo no intuito de indicar o volume excessivo de processos.
[6] Conforme Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, foram consideradas essenciais as atividades de telecomunicações e internet, a teor do art. 3º, § 1º, inciso VI.
[7] Apenas 82,7% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet (PESQUISA, 2022).
[8] Os principais aplicativos de videochamada: Zoom MeetingsGoogle Meet (antigo Hangouts), Microsoft TeamsWhatsApp e Skype.
Por Tiago Salatino Zanardo, advogado especializado na área cível, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito pela Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Direito Processual Penal e em Direito Processual do Trabalho pela Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Processo Civil pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e relator do Tribunal de Ética e Disciplina — 14ª Turma Disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2022, 12h11
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Gilberto Giusti explica “dever de revelação” na arbitragem

O sucesso da arbitragem depende do extremo cuidado e zelo de todos os envolvidos: partes, advogados, árbitros, instituições e auxiliares. Dentre as etapas do processo, destaca-se a escolha do árbitro que, a teor do art. 13 da lei de arbitragem, deve necessariamente ter a confiança das partes.
Segundo o próprio texto da lei, espera-se do árbitro a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. E, para que as partes possam avaliar se o indicado desfruta desses atributos, é necessário que tenha conhecimento de qualquer informação relevante para a avaliação acerca de sua imparcialidade e independência.
Daí decorre o dever de revelação do árbitro, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem:
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.
Quem explica o tema é o advogado e especialista em arbitragem Gilberto Giusti, coordenador da área de arbitragem do escritório Pinheiro Neto Advogados; membro do Conselho Consultivo da American Arbitration Association (AAA) e ex- membro da Corte Permanente da London Court of International Arbitration – LCIA.
Dever de revelação
Giusti pontua que os indicados a árbitro devem revelar qualquer fato que denote dúvida quanto a sua imparcialidade. Para ele, o artigo 14 não deixa dúvidas de que ao árbitro e ao juiz aplica-se o mesmo tratamento no tocante à suspeição e ao impedimento.
“Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no CPC.”
Todavia, o advogado assinala que nem sempre é possível fazer uma equivalência absoluta entre os deveres e responsabilidade do juiz e do árbitro. Isto porque a arbitragem rege-se por princípios próprios, “que encontram guarida no basilar princípio da autonomia da vontade das partes”. Aos árbitros impõem-se atribuições até mais amplas, como a da disponibilidade.
Impedimento
No caso de impedimento, não só pode como deve o árbitro declinar da indicação, afirma Giusti.
“Em caso que possa configurar suspeição, deve a parte ‘arguir a respectiva exceção diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes’ (Lei de Arbitragem, Art. 15).”
Segundo o advogado, se a exceção não é acolhida no âmbito do próprio tribunal arbitral, em geral a parte pode requerer a formação de um comitê especial, indicado de acordo com o regulamento institucional de arbitragem adotado, que apreciará o pedido, nesse estágio normalmente referido como “impugnação”.
Violação ao dever de revelação – Crime?
Pode configurar crime o árbitro não declarar-se suspeito? A resposta simples e objetiva do causídico para a questão é “não”. Tal se dá porque não há qualquer tipo penal específico em que possa incorrer o árbitro que viole seu dever de revelação, subtraindo informação relevante sobre seu impedimento ou suspeição.
Mas o advogado observa que, embora muito improvável e excepcional, não se pode descartar a possibilidade de a violação do dever de revelação implicar responsabilização criminal do árbitro nos casos em que a falta de informação envolver um ilícito penal, como, por exemplo, falsidade documental.
“Nessa hipótese, não se trata de uma falha per se do dever de revelação que, repita-se, não configura crime, mas sim da configuração da autoria e materialidade de um crime daí decorrente.”
Já a responsabilização civil pela violação do dever de revelação, explica o especialista, seja por subtração de informação relevante na fase de formação da jurisdição ou no decurso do procedimento arbitral, na modalidade subjetiva, é possível, “devendo ser auferida caso a caso”.
Escolha do árbitro
Gilberto Giusti explica que quem elege a forma como se dá a escolha do árbitro ou árbitros são as próprias partes, ao negociar e firmar a convenção de arbitragem.
“É importante, portanto, sempre lembrar que as partes podem, sim, estabelecer a forma de escolha e impugnação dos árbitros que mais lhes parecer conveniente já na cláusula compromissória, desde que, obviamente, não torne o compromisso de arbitrar inválido.”
O que se vê na prática, porém, são cláusulas compromissórias que preveem o mínimo necessário para garantir sua eficácia, reportando-se, no mais, ao regulamento da instituição arbitral acordada para administrar o procedimento. “Os regulamentos das principais instituições, por sua vez, em geral são bastante eficientes e contêm regras apropriadas para a escolha dos árbitros.”
“Sem prejuízo, ainda se espera das instituições arbitrais maior objetividade e clareza no regramento justamente do dever de revelação daquele que é indicado para atuar como árbitro, não apenas aprimoramento os mecanismos que garantam que todas as informações efetivamente relevantes cheguem ao conhecimento das partes, como também inibindo impugnações abusivas que buscam apenas retardar o procedimento.”
Mudanças na lei?
Por fim, o advogado ressalta que, neste momento, não há necessidade de alteração na lei, a qual caminha para seus 26 anos.
Gilberto Giusti explica que as duas primeiras décadas da prática da arbitragem sob o ordenamento da lei apontaram questões importantes, e que ajustes legislativos necessários foram feitos em 2015.
“Essa importante revisão e atualização da Lei de Arbitragem, em conjunto com o amadurecimento da jurisprudência de nossos tribunais e do aperfeiçoamento dos regulamentos das câmaras arbitrais, fornecem aos jurisdicionados, hoje, a segurança necessária para adoção da arbitragem em nosso país.”
Ele lembra que o próprio sucesso e a ampliação da prática no Brasil trouxeram novas questões, as quais precisam ser constantemente debatidas e aprimoradas, entre elas a própria discussão sobre extensão do dever de revelação dos árbitros. Todas as questões apontadas pelo causídico, porém, já encontram supedâneo legal, regulamentar e jurisprudencial suficiente para que sejam pacificadas.
“Alterações legislativas desnecessárias, principalmente quando fruto de iniciativas de grupos isolados e que não envolvam – a exemplo do que exitosamente ocorreu na reforma de 2015 – a comunidade jurídica só servem para fulminar esse princípio basilar e, consequentemente, a própria essência da arbitragem como método eficiente de solução extrajudicial de conflitos.”
Por Redação
Fonte: Migalhas, terça-feira, 19 de julho de 2022
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Inviabilidade de reunião de processos arbitrais com partes diferentes

Recente e importante julgamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Conflito de Competência nº 185.702-DF, enfrentou inúmeras questões de direito processual, ao reconhecer a prevalência da atuação da companhia, titular do direito material, sobre a dos acionistas minoritários, que se precipitaram ao ajuizarem, na condição de substitutos processuais, ação de reparação de danos causados ao patrimônio da empresa.
Estes, na verdade, ostentam legitimidade ativa extraordinária apenas na hipótese de inércia da companhia. Como bem pontuou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, “a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili), por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária para o ajuizamento de ação social (artigo 159 da Lei n. 6.404/76)”.
Com esse entendimento, restou reconhecida a incompetência de tribunal arbitral, formado no âmbito de uma arbitragem que tramitava na Câmara de Arbitragem do Mercado, instaurada a pedido de acionistas minoritários da JBS, visando a responsabilizar os controladores da empresa pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos celebrados com o Ministério Público Federal, em 2017.
Dentre os vários aspectos processuais que emergem desse julgado, deveras interessante e muito bem fundamentado, irei me ater, nesse artigo, apenas à questão, também examinada, atinente à inviabilidade da reunião de processos arbitrais quando as partes são diferentes.
Pois bem, como esclarece, em pioneira monografia, o saudoso professor Tomás Pará Filho, a reunião de ações por força de conexão delineia-se imperiosa: “tanto em virtude do interesse público, como em razão do das partes. O primeiro porque, se cindirmos o julgamento de causas conexas, pode ocorrer que a sua decisão venha a ser contraditória, com o que se afetariam os fins visados pelo Poder Judiciário. O segundo, porque as partes têm interesse na celeridade e na economia das demandas, o que se pode obter pela reunião de causas análogas, no mesmo processo” (Estudo sobre a conexão de causas no processo civil, São Paulo, tese, 1964, pág. 24 — destaque meu).
Dentre os inúmeros mecanismos que o sistema predispõe em prol da aceleração da marcha do processo, inclusive, por certo, do processo arbitral, vem contemplada a reunião de ações por força de conexão.
Assim dispõe o regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, a respeito da conexão de procedimentos arbitrais: “6.2 – Conexão. Quando for apresentado um Requerimento de Arbitragem que tenha objeto ou causa de pedir comum a um outro procedimento arbitral já em curso e regido por este Regulamento, o Presidente da Câmara de Arbitragem, após ouvir as partes, levando em conta as circunstâncias e o progresso já alcançado no procedimento em curso, poderá determinar a reunião dos procedimentos para julgamento conjunto“.
Não obstante, na situação concreta enfrentada no aludido conflito de competência, apesar da similitude entre os elementos subjetivo e objetivos de três processos arbitrais, a rigor, somente havia entre eles identidade de pedidos.
Importa considerar que uma das características essenciais do processo arbitral é a liberdade que as partes têm para eleger os seus respectivos árbitros.
Com efeito, enfrentando esta importante questão, Nuno Ferreira Lousa, em artigo com título deveras sugestivo: A escolha de árbitros: a mais importante decisão das partes numa arbitragem? (V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 16-17), não tem qualquer dúvida em asseverar que: “a decisão quanto à escolha de árbitro é potencialmente a decisão mais importante que uma parte poderá tomar ao longo de uma arbitragem… Um dos traços distintivos da arbitragem como forma de resolução de litígios reside na possibilidade de as partes poderem participar na seleção das pessoas que decidirão qual a solução a dar a uma disputa existente entre elas”.
Este pormenor que conota a arbitragem — a escolha pelas partes do “melhor árbitro possível” — propicia aos litigantes uma confiança a mais quanto ao modo pelo qual será tratado o seu problema. E, assim, é sabido que a arbitragem emerge, em seus principais quadrantes, da vontade exclusiva das partes que se dispõem a aceitar uma decisão proferida por um tribunal arbitral, participando, na escolha dos membros do painel, “sendo certo que não há parte que selecione um árbitro para que ele decida de maneira oposta à salvaguarda do seu interesse” (cf. Frederico Gonçalves Pereira, O Estatuto do árbitro: algumas notas, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., página 165).
Nesse mesmo sentido é a lição de Redfern e Hunter, ao afirmarem que a maior atração da arbitragem para as partes é a que permite submeter o litígio a julgadores de sua própria escolha, visto ser usual cada uma delas indicar um árbitro (Nigel Blackaby et aliiRedfern and Hunter on International Arbitration, 5ª ed., Oxford, University Press, 2009, itens 4.30 e 4.31).
Na dicção do artigo 13 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), árbitro é a pessoa física indicada pelas partes para conhecer e julgar um litígio que tenha por objeto direito disponível.
A prerrogativa de indicar árbitro único ou, no painel colegiado, cada qual o seu árbitro, deve ser preservada a ambas as partes. Não obstante, havendo pluralidade de partes no polo ativo e/ou no polo passivo do processo arbitral — denominada multiparty arbitration — pode ocorrer que os respectivos litisconsortes não cheguem a um acordo quanto à seleção do árbitro comum.
A constituição do tribunal arbitral, neste caso, é um dos pontos nevrálgicos para uma arbitragem bem-sucedida. Por inúmeras razões, seria de todo desaconselhável a arbitragem se iniciar com um painel composto, de um lado, pelo árbitro indicado por uma das partes, e, de outro, por um árbitro apontado pela câmara de arbitragem na qual tramita o processo. Na verdade, verificando-se essa hipótese, estaria vulnerada a isonomia a ser necessariamente assegurada a todos os litigantes.
Recordo, a propósito, os termos do artigo 18, sob a rubrica Equal treatment of parties, da Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional: “As partes devem ser tratadas com igualdade e a cada parte deve ser concedida integral oportunidade para ser ouvida“.
Examinando este tormentoso problema, Starvos Brekoulakis (Multiparty and Multicontract Arbitration, QFinance, www.qfinance.com/operators) escreve que nas arbitragens com múltiplos protagonistas, a cada litigante deve ser garantido o direito de influir na constituição do tribunal; caso contrário, a sentença estará exposta ao risco de anulação (“open to annulment“).
A secundar tal doutrina, a Corte de Apelação de Paris, em janeiro de 1992, teve oportunidade de enfrentar situação concreta consubstanciada no famoso precedente Dutco Construction Co. v. Siemens AG-BKMI, no qual a empresa demandante Dutco procedeu, normalmente, à indicação de seu árbitro, enquanto os litisconsortes passivos Siemens AG e BMKI, diante de interesses colidentes, não chegaram a um consenso na escolha do respectivo árbitro. Instados pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) a efetivar a indicação, consignaram expresso protesto e, afinal, acabaram elegendo um árbitro comum. Posteriormente, submetida a questão ao controle do Poder Judiciário francês, foi declarada a nulidade da sentença arbitral, com fundamento na premissa de que, havendo litisconsortes, cada co-litigante tem o direito de apontar o seu árbitro, sob pena de violação do princípio da igualdade processual.
Como consequência dessas vicissitudes que se transformaram em verdadeiro leading case, a Corte Internacional de Arbitragem (CCI), em 1998, alterou o seu Regulamento de Arbitragem, ao dispor, no artigo 12.8, que os diversos requerentes ou requeridos deverão designar conjuntamente um árbitro; se não lograrem êxito em tal indicação conjunta, todos os membros do tribunal serão nomeados pela corte, podendo esta escolher qualquer pessoa que repute competente para atuar como árbitro. Tal disposição veio parcialmente reproduzida no artigo 12.2 da reforma introduzida em 2012.
Atento a esse problema, Daniel Proença de Carvalho e Antônio Abreu Gonçalves, apontam como um dos principais obstáculos à reunião de processos arbitrais exatamente a imposição de árbitro não escolhido pelo menos por uma das partes. Apenas quando todos os atores dos processos arbitrais expressarem seu consentimento quanto aos integrantes do tribunal arbitral, é que será possível admitir a conexão dos respectivos procedimentos (A apensação de processos arbitrais, V Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa — Intervenções, cit., págs. 184/185).
Ora, isso significa que, na hipótese submetida ao Superior Tribunal de Justiça, caso fosse reunida aos processos arbitrais, já pendentes, a arbitragem instaurada, posteriormente, a requerimento da companhia, estar-se-ia tolhendo dela o direito de participar da composição do tribunal arbitral, indicando árbitro de sua confiança. Impossível, portanto, defender esta solução!
Diante desse cenário, ficou então assentado no acórdão que:
“No caso dos autos, a Assembleia Geral Extraordinária deliberou expressamente não ser o caso de ingressar nas arbitragens anteriormente instauradas a requerimento de acionistas minoritários, ora interessados.
Conforme demonstrado, a companhia foi inicialmente indicada como ré em tais procedimentos, o que se mostrou manifestamente inadequado, já que é a titular do direito lesado ali em discussão. A companhia foi integrada na aludida arbitragem na sui generis condição de interveniente. Ainda que tenha obtido conhecimento dos atos até então praticados, a companhia não exerceria os direitos próprios de parte, no que se insere, principalmente, a possibilidade de participar da escolha dos árbitros.
Tampouco a condição de assistente litisconsorcial, nos procedimentos arbitrais intentados pelos acionistas minoritários, ora interessados, rejeitada pela companhia (de acordo com a deliberação assemblear, ressalta-se), daria-lhe a possibilidade de participar da escolha da arbitragem, o que se mostra, como assentado, basilar e inerente a toda e qualquer arbitragem.
Por tudo que se expôs, tem-se que o Procedimento Arbitral CAM 186/21, além de atender a preceito basilar da arbitragem (autonomia da vontade e da confiança, em toda a sua extensão), foi manejado, tempestivamente e de acordo com a autorização assemblear, pela companhia titular do direito lesado em discussão, em legitimidade ordinária, devendo, pois, prevalecer sobre os Procedimentos Arbitrais CAM 93-110, intentados por parte ilegítima, nos termos da presente fundamentação, os quais deverão ser extintos”.
Infere-se, em resumo, dessa passagem do julgado, que se descortina absolutamente inaceitável que se imponha à parte ou ao interveniente forçado um tribunal arbitral pré-constituído, sem que tenha ele participado de sua respectiva formação.
Decorre da corretíssima conclusão a que chegou a turma julgadora a patente inviabilidade de reunião de processos arbitrais quando diferentes forem as partes litigantes.
Por José Rogério Cruz e Tucci, sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2022, 8h02
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XI SECMASC (Seminário de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Santa Catarina) – EDIÇÃO ONLINE

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XI SECMASC (Seminário de Conciliação, Mediação e Arbitragem de Santa Catarina)
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Dias 01, 07, 12, 21 e 28 de julho de 2022
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MAIS INFORMAÇÕES

Limites da competência dos juízos estatal e arbitral para apreciar medidas de urgência

Uma questão interessante a ser analisada versa sobre os limites da competência dos juízos estatal e arbitral para a apreciação de medidas de urgência tendo por objeto questão sujeita à arbitragem, presente a peculiaridade de que, no ato do ajuizamento da medida, ainda não havia a constituição do Tribunal Arbitral, formado somente no curso do procedimento preparatório, antes da prolação de sentença que se debruce sobre o direito à obtenção de tutela de urgência — sentença essa que não se confunde com eventual pronunciamento antecipando os efeitos da tutela pretendida.
Ora, como se sabe, a convenção de arbitragem implica impedimento ao exercício da jurisdição estatal. Há, nesses casos, legítima renúncia àquela jurisdição, optando as partes por submeter o seu eventual litígio a árbitros por elas nomeados.
No âmbito das tutelas cautelares e de urgência, o artigo 22-A da Lei de Arbitragem dispõe que “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência”, mas o artigo 22-B ressalva: “instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.
Nesse campo, o modelo de “competência coordenada” adotado nos referidos artigos 22-A, 22-B e no artigo 22-C da Lei de Arbitragem impõe uma atuação precária e contingencial do Poder Judiciário, limitada exclusivamente a casos em que haja urgência tamanha que impeça a parte de aguardar a regular constituição do Tribunal Arbitral, vale dizer, em que “o perigo na demora da constituição do tribunal arbitral puder colocar em risco o bem da vida perseguido na arbitragem” (Daniel Levy, “As interações entre Poder Judiciário e Arbitragem”, ‘in’ Daniel Levy e Guilherme Setoguti J. Pereira [coord.], “Curso de arbitragem”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2018, p. 335).
Com efeito, inviabilizado o acesso da parte ao juízo competente, admite-se que sejam provisoriamente desprezadas as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela de urgência a outro juízo. E isso é permitido “porque para a instituição do juízo arbitral são necessários vários passos, caminhos, assinaturas de documentos, não podendo a parte interessada esperar” (Carreira Alvim. Direito arbitral, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 335).
Logo, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “é possível o prévio ajuizamento de ação para adoção de medidas urgentes perante o Poder Judiciário, mas a atribuição para processá-la, após a instauração da arbitragem, passa imediatamente a ser do juízo arbitral, que, recebendo os autos, poderá reanalisar a medida eventualmente concedida” (REsp 1586383/MG, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 14/12/2017).
A questão analisada, contudo, exige que se defina se o juízo estatal é competente para prosseguir no processamento da medida cautelar depois que o Tribunal Arbitral é formalmente instituído — e qual a providência a ser adotada para evitar eventual conflito de competência.
Pois bem. Em caso hipotético, as partes envolvidas não discutem que firmaram cláusula compromissória e que, após o ajuizamento de medida de urgência preparatória à arbitragem, porém antes da prolação de sentença pelo juízo estatal, foi constituído Tribunal Arbitral.
Nessa situação, superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, é recomendado que os autos sejam prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela de urgência eventualmente conferida em caráter precário pelo juízo estatal, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão.
A esse respeito, Carlos Alberto Carmona anota que “a competência do juiz togado ficará adstrita (…) à análise da medida emergencial, passando a direção do processo na sequência aos árbitros, tão logo seja instituída a arbitragem (ou seja, tão logo os árbitros aceitem o encargo)” (Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 327).
No mesmo sentido o entendimento de Francisco José Cahali, para quem, instaurado o juízo arbitral, “a jurisdição sobre o conflito passa a ser do árbitro, e, assim, a ele deve ser encaminhada, também, a questão cautelar envolvendo o litígio. O juiz estatal perde, neste instante, a jurisdição, e as decisões a respeito passam a ser de exclusiva responsabilidade do árbitro” (Curso de arbitragem. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011, p. 231).
Sendo assim, instituído o Tribunal Arbitral, encerra-se a competência do juízo estatal, até mesmo para extinguir o processo, com ou sem resolução do mérito, de modo que apenas lhe resta remeter os autos ao juízo arbitral. Trata-se, nessa hipótese, de uma “simples remessa de competência” (Levy, Pereira, 2019, p. 319).
Isso porque, nos termos dos já citados artigos 22-A e 22-B da Lei de Arbitragem, com a apresentação do requerimento de arbitragem perante determinado órgão arbitral institucional e a posterior instauração da arbitragem, a única providência passível de ser adotada pelo juízo estatal seria somente a de remeter os autos ao Tribunal Arbitral competente devidamente constituído, que será o responsável por promover a análise do pedido cautelar formulado nos autos da medida de urgência preparatória para a sua manutenção, modificação ou revogação.
A constituição do Tribunal Arbitral e a consequente instauração da arbitragem no curso de medida de urgência ajuizada perante o juízo estatal ainda não decidida faz cessar imediatamente a competência precária conferida temporariamente àquele juízo, não podendo ensejar a prolação de sentença, com ou sem resolução do mérito sobre o pedido emergencial. Compete ao Tribunal Arbitral instituído reapreciar a medida de urgência e decidir, ao final da arbitragem, acerca do montante a ser pago pelas partes no que toca ao resultado do procedimento antecedente iniciado perante o juízo estatal, quando fizer a necessária ponderação dos ônus sucumbenciais no respectivo capítulo da sentença arbitral final.
Por Marcus Vargas, advogado do escritório RMMG Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2022, 9h02
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Especialistas debatem submissão do Estado à jurisdição privada em evento

A administração pública pode ser submetida à jurisdição privada, como ocorre na arbitragem? De que forma isso é possível? Qual é a vantagem, para a administração pública, ao buscar alternativas como a arbitragem?
Esses foram alguns dos questionamentos levantados pelo desembargador José Maria Câmara Júnior, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no evento “Arbitragem: Conquistas e Desafios”, promovida pela Escola de Negócios Trevisan.
O magistrado fez uma breve perspectiva dos avanços do regramento da arbitragem em relação a administração pública. Ele destacou o Código de Processo Civil que, na sua visão, tem ênfase na busca por formas alternativas de resolução de conflitos.
“O CPC tem várias passagens indicando a mediação e a conciliação. De modo que em dado momento pode-se apontar que essas formas de resolução de conflitos não são a alternativa, a alternativa nesse caso seria a sentença”, explica.
O julgador explicou os questionamentos brevemente, já que as duas primeiras questões, para ele, são simples: é possível submeter a administração pública à jurisdição privada, e o ambiente normativo existente já mostra como fazer.
A última questão, na sua opinião, é a mais complicada, mas para ela não há respostas prontas. “Os princípios da administração pública são compatíveis com essa lei que autoriza o poder público a buscar essa forma alternativa de resolução de conflitos? Será que a nova lei de improbidade administrativa que permite expressamente um pacto de não persecução civil não fere o princípio da igualdade?”, questiona.
O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que foi o elevadíssimo número de processos que envolvem a administração publica que levou à busca por resoluções alternativas de conflitos.
“A viabilidade disso se deu graças a Constituição Federal que concedeu uma série de direitos fundamentais a adotou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro. A Constituição de 1988 inaugurou no país o constitucionalismo moderno e isso permite a constitucionalização do direito administrativo com a relativização de paradigmas tradicionais relacionados ao interesse público”, explicou.
O ministro sustentou que, diante desse prisma, a centralidade do direito administrativo se desloca do Estado e da Lei para a Constituição. Nesse cenário, ele explica que a grande judicialização e a primazia da Constituição permitem a busca de meios alternativos de conciliação de conflitos. Por fim, ele defendeu que o Poder Executivo tem que atuar tanto em sua defesa como na prevenção desses conflitos.
O evento em homenagem ao ministro Moura Ribeiro teve apoio institucional da Associação Paulista da Magistratura (Apamagis), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A abertura ficou a cargo do presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti e da presidente da Apamagis, Vanessa Mateus.
Por Rafa Santos, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2022, 14h43
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Financiamento de litígio e democratização da Justiça

Nem todo mundo entende o conceito de “financiamento de litígios” e sua importância para a democratização do acesso à justiça. A definição para a expressão é a seguinte: prática por meio da qual um terceiro, que não é parte de determinada disputa, celebra contrato com uma parte litigante para propiciar suporte financeiro ou material e financiar uma parcela ou a totalidade dos custos dos processos.
O financiamento de litígios tem crescido no território nacional e em outros países de Civil Law, mas os mercados mais desenvolvidos certamente são os de Common Law: exemplo de Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. O common law é um sistema baseado em decisões dos Tribunais. Já o civil law é um sistema orientado pelo Direito codificado: para proferir julgamentos, árbitros e juízes baseiam-se no produto das decisões do processo legislativo.
Este tipo de ação possibilita retornos descorrelacionados com economia real, uma vez que dependem exclusivamente do mérito do caso, solvência da contraparte; e jurisdição que favoreça exequibilidade.
Hoje em dia é possível participar do financiamento de disputas como parte das carteiras dos fundos, com possibilidade de retorno exponencial, especialmente considerando a baixa necessidade de capital para financiamento quando comparada à compra do direito creditório.
Dentre as formas de financiamento de disputas, uma merece especial destaque: os chamados financiamentos de portfólios de litígios. Nestes casos, há disponibilização de suporte financeiro para custear um conjunto de ações que podem ser analisados na forma de um único investimento, propiciando uma diluição de riscos em caso de insucesso de alguma das disputas.
Dentre os perfis de portfólios de litígios, cabe ressaltar três. O de “Monetização”, onde se busca capital de forma adiantada; o de “Portfólios de Risco”, que avalia recuperações adicionais ou para escritórios que querem investir em novos negócios ou para expandir seus portfólios de risco; e o de “Despesas”, a mais conhecida das formas de financiamento. Esse tipo endereça os riscos que escritórios, companhias e pessoas físicas incorrem em arcar com custos de litígios, especialmente em disputas cujo valor é alto. O efeito alivia o fardo ao arcar com despesas que aumentam com a duração do caso, ajudando as partes a gerir risco e fluxo de caixa.
As oportunidades de negócios é que há empresas, escritórios ou pessoas físicas que necessitam ou não querem alocar recursos para custear um litígio. Por isso, o financiamento de disputas teve, inicialmente, foco em empresas que não tinham os meios materiais e econômicos de perseguir os seus direitos. Dessa forma, propiciaram e democratizaram o acesso à justiça.
Sua utilização foi se expandindo de tal modo que hoje essa operação pode interessar a qualquer empresa ou indivíduo, independentemente de possuir ou não os meios de sustentar a condução do processo. No Brasil, os advogados sempre foram, em certa medida, financiadores de litígios. A liberdade de negociação levou à prática de cobrança de honorários de êxito.
Ao se falar em financiamento de litígios de empresas, é oportuno mencionar o chamado affirmative recovery program. Referido projeto consiste na transformação do departamento jurídico da companhia em um verdadeiro gerador de ativos/caixa ao invés de mero mitigador de custos. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), companhias brasileiras possuem o maior montante de contingências decorrentes de disputas judiciais e administrativas em todo o mundo.
No entanto, as companhias não têm ciência dos potenciais créditos que também possuem por conta de ações judiciais e procedimentos arbitrais, ou da possibilidade de contarem com financiadores de litígios para evitar alocação de capital excessiva para disputas. O fato de as empresas poderem contar com os recursos financeiros e know-how de financiadores de litígios poderia mitigar muito passivos judiciais, arbitrais e administrativos de companhias no Brasil.
Atualmente, temos espaço para crescimento neste tipo de investimento, considerando que há menos de cinco players atuantes com capacidade para idealizar e auxiliar as companhias a desenvolverem referidas operações. Praticamente todo o mercado de financiamento de litígios está adstrito ao universo arbitral que, pelo fato de serem cobertos pelo sigilo na maioria dos casos, não é possível dizer com precisão o tamanho exato do negócio.
No exterior, temos exemplo de companhias bem-sucedidas no ramo:  Burford, Omni Bridgeway, Nivalion, Therium e Harbour. O sucesso destes casos vem da análise sobre os seguintes pontos: Jurisdição favorável para exequibilidade; capacidade de pagamento do réu; análise para aferição de mérito; valor realístico da reinvindicação (pelo menos R$50 milhões); adequação do budget proposto para o caso; e, finalmente, se financiarão esses títulos contra réus solventes, bem como se os advogados dos autores são litigantes experientes.
No fim de 2021, pesquisa feita pela Bloomberg Law mostrou que o mercado de financiamento de disputas comerciais, apenas nos EUA, movimentava entre US$ 10 e US$ 15 bilhões. Apesar de não se ter dados para o Brasil, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), divulgou que, entre 2015 e 2019, os casos geridos pela câmara totalizaram entre R$ 8,5 e R$ 17 bilhões. Em 2019, média do valor de arbitragens era de R$ 88 milhões.
A despeito de escassos os números sobre arbitragens e financiamento de litígios, é possível aferir que há uma infindável quantidade de oportunidades para financiadores, bem como a possibilidade de se lucrar com um mercado incipiente. Ao mesmo tempo, se provê acesso à justiça àqueles que, por vezes, não conseguiriam os meios necessários para perseguir seus direitos.
Além de ter a capacidade de equalizar balanços de empresas, não é exagero afirmar que o financiamento de litígios propicia a democratização da justiça ao garantir o acesso e propiciar que partes desiguais litiguem em condições de igualdade. É, na minha opinião, a melhor interpretação da relação “ganha-ganha”.
Por Pedro Mota dos Santos, sócio da Jive Investments e responsável pela área de Litigation Finance. E João Gabriel Rodrigues, analista da área de Litigation Finance da Jive Investments.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2022, 18h00
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Por que optar pela mediação em conflitos que envolvem propriedade intelectual

O Brasil é, culturalmente, um país de costume litigioso. Entretanto, já há alguns anos, diversas iniciativas vêm sendo tomadas por órgãos governamentais visando estimular a utilização de meios alternativos de resolução de conflitos, com o intuito de desafogar o poder judiciário, uma vez que se tem, na autocomposição, a vontade das partes em solucionar o conflito através de consentimentos espontâneos.
Um grande demonstrador disso é que em 2010 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituiu no Brasil a Resolução nº 125/2010, que tem como objetivo estimular a autocomposição e implementou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec). Do mesmo modo, não à toa o Código de Processo Civil — CPC/2015, em reiterados artigos dispõe sobre a mediação e conciliação, bem como possibilita a autocomposição nas ações judiciais, dentre outras medidas que claramente visam estimular a resolução alternativa de conflitos. Ainda, a Lei nº 13.140/2015 disciplina a mediação como meio de solução de controvérsias.
Entretanto, apesar desse movimento governamental de estímulo a autocomposição amigável, fato é que ainda existe certa resistência, seja por iniciativa das partes ou de seus procuradores/advogados, de compreender as inúmeras vantagens existentes na utilização de meios alternativos de resolução de conflito, o que se reflete nos dados disponibilizados pelo CNJ de 2020, de que a média de conciliação em ações judiciais em curso é de 12,5%.
No que tange à propriedade intelectual, o tema de resolução alternativa de conflito também não é novidade, visto que nos idos de 1996 a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), ou World Intellectual Property Organization (Wipo) em inglês, organizou a Conferência de Mediação, que tinha como objetivo avaliar a mediação como uma forma de resolução de conflitos bem como a sua adequação às peculiaridades exigidas pela PI.
Nesse passo, a utilização do instituto da mediação para resolução de conflitos relacionados a Direitos Autorais, Marcas, Desenhos Industriais, dentre outros, é perfeitamente viável e deve ser estimulada.
Buscando avançar em conformidade com este entendimento, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) possibilitou, por um determinado período, a opção de mediação para resolução de conflitos referentes a oposição de registro marcário, através do Centro de Defesa da Propriedade Intelectual do Inpi (Cedpi), conforme determinou a Resolução Inpi nº 84/2013. Infelizmente o Decreto nº 8.854/2016 revogou a estrutura anterior e extinguiu o Cedpi, incorporando suas atribuições às competências da Procuradoria.
A propriedade intelectual compõe o conjunto de ativos intangíveis que, com a devida proteção, constituirá o seu maior patrimônio. É através da sua marca, por exemplo, que ela encontra a identificação do público, o reconhecimento de bons serviços prestados e a confiança dos consumidores. A construção e manutenção da integridade da marca é fundamental para uma reputação sólida e, claro, receita positiva. Desta forma, protegê-la de forma enfática e eficiente é estrategicamente importante e a judicialização de temas que a envolvem nem sempre é a melhor solução.
Existem diversas vantagens na escolha da mediação como solução de conflito em propriedade intelectual. Alguma delas são:
1) confidencialidade do procedimento, o que pode ser muito vantajoso quando o assunto é PI, que envolve diversos ativos intangíveis da empresa;
2) celeridade, uma vez que ações judiciais costumam demorar anos até se resolverem de fato. Segundo dados do CNJ de 2020, o tempo médio entre a distribuição e a baixa de um processo nas Varas Estaduais é de sete anos e nas Varas Federais é de oito anos e três meses;
3) a presença do mediador, que é um terceiro imparcial, com amplo conhecimento das técnicas de mediação, que atuará como facilitador na construção da solução conjunta das partes para o conflito;
4) busca por uma solução que agrade todas as partes envolvidas, no formato “ganha-ganha”, com a possibilidade de manutenção da relação comercial e;
5) oralidade e informalidade, que permitem que as partes se sintam mais confortáveis e menos intimidadas, proporcionando um diálogo aberto e aumentando as chances de se chegar a um acordo em comum.
Ademais, a Ompi recomenda a utilização de mediação para resolução de conflitos de PI, por entender ser uma opção atrativa para as partes que pretendem manter a sua relação e que necessitam de confidencialidade e soluções rápidas, sem prejuízo à sua reputação. O seu centro de mediação e arbitragem, cujo regulamento entrou em vigor em 1994, é utilizado de forma ampla para resolução de conflitos envolvendo propriedade intelectual e possui uma taxa de 70% de acordos em procedimentos de mediação, até 2017.
Segundo os comitês de Alternative Dispute Resolution Committee (ADR) e Trademark Mediators Network Committee (TMN) da International Trademark Association (Inta) essa situação pode ser modificada com algumas atitudes básicas. São algumas delas:
1) mudar a mentalidade da comunidade jurídica;
2) considerar a mediação ou outros meios alternativos de disputa antes de ingressar com ação judicial;
3) a promoção pelos tribunais e escritórios oficiais ao enviar as partes para a mesa de negociações;
4) o compromisso de corporações e empresas;
5) a declaração pública das empresas;
6) a inserção de cláusulas de mediação ou outros meios de autocomposição nos contratos;
Nessa mesma linha, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) também vem promovendo e divulgando o Instituto da Mediação por meio de suas Câmaras de Mediação e de Arbitragem, bem como de sua Câmara de Solução de Disputas de Nome de Domínio.
Resta claro, pois, que não devemos deixar somente a cargo dos órgãos institucionais o papel de estimular a autocomposição em matéria de propriedade intelectual. Cabe também às partes, aos advogados e agentes da propriedade intelectual olhar com bons olhos à possibilidade de mediação, tornando-a uma opção cada vez mais difundida. Desta forma, espera-se que em breve, se torne a primeira opção de partes que desejam resolver o problema, sem adentrar em uma seara litigiosa e, então, deixe de ser um método “alternativo” de solução de controvérsias e sim a forma mais “adequada” de resolução de conflitos.
Por Paulo Parente Marques Mendes, sócio fundador do escritório Di Blasi, Parente & Associados. E Ana Beatriz Caldeira Lage, advogada do escritório Di Blasi, Parente & Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2022, 16h13.
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