Meios alternativos tendem a ocupar maior espaço no campo empresarial

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Segundo as últimas estatísticas do Conselho Nacional de Justiça, há cerca de cem milhões de processos pendentes de julgamento no Brasil. Número muito acima da capacidade do Poder Judiciário, que traz consigo um resultado previsível: a morosidade na resolução dos litígios judiciais, que podem demorar mais de uma década.
Se para as pessoas físicas toda essa demora traz insuportável angústia, sentimentos de injustiça e até mesmo a ruína econômica, para as empresas as consequências não são menos drásticas. Litígios judiciais, devido ao estado de incerteza a eles inerentes, elevam os custos de transação que decorrem de intercâmbios econômicos.
Qualquer interação econômica requer o uso (em maior ou menor grau) de recursos pelas partes. Para a celebração de um contrato, por exemplo, é preciso considerar, além dos custos de produção propriamente ditos, as despesas de monitoramento de seu cumprimento pela outra parte (por exemplo, confirmação do pagamento das parcelas) e a eficácia dos remédios oferecidos pela lei e pelo contrato em caso de inadimplemento. Se esses custos forem muito elevados, não haverá vantagem em fechar o negócio.
Nestes termos, cria-se um expressivo custo de oportunidade com a pendência de uma demanda judicial e o estado de litigiosidade sobre determinado bem, impedindo sua plena fruição pelo titular e eventualmente impondo, no caso das empresas, que seja providenciado contingenciamento contábil atrelado ao litígio, a depender do prognóstico de êxito, que deverá permanecer em seus balanços por longo período — anos; às vezes, décadas. Ou seja, um benefício deixa de ser usufruído por uma possibilidade renunciada ou impedida.
Na sociedade contemporânea, em que o tempo se torna um recurso cada vez mais escasso, há cada vez menos espaço para litígios que se arrastam por vários anos.
Não por acaso, o Brasil tem acompanhado, desde a década de 1990, a consolidação dos meios alternativos à jurisdição estatal, que prometem uma solução mais célere para os litígios e, sobretudo, mais eficiente do ponto de vista econômico. Entre os vários meios alternativos, destaca-se a arbitragem, que consiste no julgamento de litígios patrimoniais disponíveis, entre partes capazes de contratar, por árbitros — ou seja, pessoas que não integram os quadros do Poder Judiciário.
Seu desenvolvimento no âmbito empresarial desde a Lei 9.307/1996 foi tão notável que levou o Brasil, mesmo sem tradição na matéria, ao posto de quarto pais mais ativo em arbitragens comerciais internacionais.
A evolução da mediação é mais recente. Referido meio alternativo corresponde a uma forma consensual de solução de conflitos proporcionada pela atuação de um terceiro, que visa à facilitação do diálogo, assistindo e conduzindo as partes a identificarem os pontos de conflito e, posteriormente, desenvolverem propostas que ponham fim à controvérsia. Uma das maiores vantagens da mediação está justamente no restabelecimento do diálogo, o que é muito importante não apenas nos conflitos familiares (outro campo em que a mediação tem encontrado grande espaço para se desenvolver), mas também em determinadas relações empresariais, que necessitam sobreviver ao litígio.
O novo Código de Processo Civil, recentemente aprovado pelo Congresso, reflete o importante papel reservado à arbitragem e à mediação. Para além de regular a figura do mediador judicial, que deverá ser cadastrado nos tribunais e preencher requisitos de capacitação mínima, o novo CPC prevê também, como regra geral, a audiência preliminar de conciliação ou de mediação, com vistas a proporcionar, sempre que possível, solução célere e eficiente para os litígios.
Por outro lado, a reforma passou a regular de forma mais detalhada as relações entre juiz e árbitros, disciplinando, por exemplo, a figura da carta arbitral, através da qual o árbitro pode solicitar ao Judiciário a execução de medidas coercitivas, como a apreensão de um bem ou a condução forçada de uma testemunha.
Os meios alternativos tendem a ocupar, cada vez mais, um espaço importante na economia brasileira, sobretudo no campo empresarial. Não seria exagero, a essa altura, considerar que a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem são meios adequados para certos litígios, já não mais apenas alternativos ao clássico (e demorado) julgamento por juízes. É chegada a hora de todos — empresas, advogados e demais profissionais do direito — buscarmos nos capacitar, cada vez mais, para lidar com essa nova realidade.
Andre Vasconcelos Roque é advogado, doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ e professor adjunto em Direito Processual Civil da FND-UFRJ.
Francisco Carlos Duarte é advogado e procurador do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito Público pela UFSC, possui pós-doutorado pela Università degli Studi di Lecce (Itália) e pela Universidad de Granada (Espanha). Também é professor titular de Direito Processual Civil da PUC-PR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2015, 11h00

Mediação e Arbitragem no Novo CPC

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O Novo Código de Processo Civil, que teve texto final aprovado ano passado, trouxe novidades também para a arbitragem e mediação cujas mudanças principais, segundo o advogado Joaquim Tavares de Paiva Muniz, sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados, são “a regulamentação das Câmaras de Mediação e Conciliação, as Cartas Arbitrais e o segredo de justiça atribuído à arbitragem”.
Outro ponto de destaque do Novo CPC é a possibilidade de redução de custos dos processos.
“Considero que a uniformização da jurisprudência e a supressão do juízo de admissibilidade contribuirão, significativamente, para a redução dos custos, eis que diminuirão o tempo de duração das demandas”, explica o advogado.
Em entrevista ao Jus Econômico, Joaquim Tavares de Paiva Muniz falou sobre o estímulo da conciliação na resolução de conflitos, os retrocessos em relação à arbitragem e de temas controversos como desconsideração da personalidade jurídica, penhora on-line, depósito em conta corrente ou aplicação financeira e limitação das hipóteses do agravo de instrumento. Ele ainda avaliou os pontos positivos e negativos da regulamentação da mediação. “A regulamentação da mediação em geral foi positivo, mas há algumas falhas. A maior delas me parece a disposição de que o advogado que trabalha como mediador em uma determinada seccional da OAB não poderá praticar a advocacia nessa mesma seccional”.
Jus Econômico – Quais as principais mudanças trazidas com relação à mediação e arbitragem pelo novo Código de Processo Civil?
Joaquim de Paiva Muniz – Na minha opinião, as principais mudanças são: a regulamentação das Câmaras de Mediação e Conciliação, as Cartas Arbitrais e o segredo de justiça atribuído à arbitragem.
Quanto às Câmaras de Mediação e Conciliação, o Novo CPC delegou em grande parte sua regulamentação aos Tribunais de Justiça Estaduais e ao CNJ. Tais câmaras deverão não somente manter registro próprio perante os tribunais estaduais, mas também informar todos os casos que lá tramitam ou que tenham sido resolvidos no âmbito dessas câmaras. Isso pode, de certa forma, ser prejudicial por força da limitação da confidencialidade. Apesar da lei prever a confidencialidade e manter toda e qualquer discussão existente durante a conciliação ou mediação fora de uma eventual demanda (impedindo, por exemplo, o seu uso na instrução probatória), a necessidade de registro dos casos de mediação/conciliação nos TJs irá, inevitavelmente, impactar a confidencialidade, característica de extrema importância para o sucesso desses institutos.
Quanto à carta arbitral, por sugestão da OAB/RJ, cuja comissão de arbitragem eu presido, e da PUC/SP, na pessoa do Professor Francisco Cahali, foram incluídos artigos que regulamentam a comunicação entre advogados e árbitros, permitindo que o Poder Judiciário apoie de maneira mais efetiva os processos arbitrais.
Além da carta arbitral, vale destacar que ao contrário das disposições sobre a mediação e a conciliação, a redação do Novo CPC foi muito feliz em estipular que os processos que versem sobre arbitragem devem tramitar em segredo de justiça (desde que a confidencialidade prevista na arbitragem seja comprovada perante o juízo). Essa também foi uma sugestão da OAB/RJ e da PUC/SP.
Jus Econômico – De que maneira o novo CPC irá contribuir para a redução dos custos dos processos?
Joaquim de Paiva Muniz – Considero que a uniformização da jurisprudência e a supressão do juízo de admissibilidade contribuirão, significativamente, para a redução dos custos, eis que diminuirão o tempo de duração das demandas. Enquanto a uniformização da jurisprudência busca impedir a perpetuação de recursos protelatórios, a supressão do juízo de admissibilidade da apelação visa acabar com o “vazio” juízo de admissibilidade positivo, o qual, ao fim e ao cabo, se sujeita à apreciação do segundo grau de jurisdição.
Além disso, a valorização do processo eletrônico (e.g., nos termos do art. 940, todos os atos processuais praticados pelo juiz poderão ser feitos eletronicamente) certamente contribuirá para a redução dos custos do processo, já que as partes não terão mais o ônus de imprimir documentos e petições, o que muitas vezes avoluma imensamente os autos físicos, bem como acarreta em falta de espaço físico nos cartórios (gerando ainda mais custos com o aluguel de espaços adicionais). Interessante notar, também, que o Novo CPC ajuda a sanar um dos grandes clamores da advocacia desde o surgimento do processo eletrônico. Sabe-se que a repentina adaptação do Código de 1973 à realidade digital causou transtornos à muito advogados, sendo o pior deles a perda de prazos processuais. Costumo brincar que o processo é digital, mas o CPC, a seu turno, analógico. Pela redação no Novo CPC, contudo, os advogados podem pedir a devolução de prazos, caso justifiquem problemas técnicos no sistema eletrônico dos tribunais. Essa disposição, sem dúvida, contribuirá para a redução dos custos dos processos, ao evitar que discussões dessa natureza sejam decididas pelos Tribunais Superiores, retardando o curso da lide.
Por fim, vale salientar o estímulo do Novo CPC para a mediação e conciliação, consubstanciado, por exemplo, na obrigatoriedade de se realizar uma audiência de conciliação ou de mediação antes do oferecimento da contestação. A possibilidade de extinção sumária do conflito provavelmente propiciará uma análise do custo e benefício na manutenção do litígio pelas partes, reduzido, assim, os custos atrelados aos processos.
Jus Econômico – O novo CPC estimula a conciliação, inclusive fala na criação de centros judiciários para a solução consensual de conflitos. E quanto à arbitragem?
Joaquim de Paiva Muniz – O Novo CPC estimula a utilização da arbitragem, como se pode observar já em seu art. 3º, §1º (“É permitida a arbitragem, na forma da lei.”). Conforme mencionado anteriormente, há, também, dispositivos que impulsionam o instituto da arbitragem, quais sejam, a Carta Arbitral e o segredo de justiça atribuído às discusões judiciais decorrentes de arbitragem. Além destes, podemos citar, ainda, o fato de a sentença que julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem produzir efeitos imediatamente, bem como o fato de ser possível interpor agravo de instrumento contra a rejeição da alegação da convenção de arbitragem.
Jus Econômico – Comente se o tratamento dado a arbitragem pelo novo CPC traz algum risco ou prejuízo.
Joaquim de Paiva Muniz – A despeito de conter dispositivos que prestigiam o instituto da arbitragem e impulsionam a sua utilização, curiosamente durante a votação do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado n. 166 de 2010, votou-se por suprimir a Alegação de Convenção de Arbitragem (também conhecida como “exceção de arbitragem”). Pode-se considerar tal supressão como um retrocesso para um CPC que claramente busca fomentar o uso da arbitragem. Na redação anterior, restava permitido às partes alegar a existência de uma cláusula compromissória em momento anterior ao oferecimento da contestação. Porém, a exceção de arbitragem foi retirada do Anteprojeto do Novo CPC, por supostamente ir de encontro à tendência de se retirar as exceções do Novo CPC. Essa tendência se justificaria na premissa de que as exceções somente delongam o tempo de duração dos processos.
No caso da exceção de arbitragem, contudo, a intenção é justamente o prestígio ao princípio da celeridade. Conforme mencionado no Manifesto da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB, que apresentou essa proposta, originalmente feita pela OAB/RS. nas pessoas dos Professores Guilherme Amaral e Ricardo Ranzolin, a parte que fosse equivocadamente demandada perante o juízo estatal, quando deveria sê-lo perante o juízo arbitral, não teria que apresentar defesa exaustiva perante o Poder Judiciário, inclusive em relação ao próprio mérito da disputa, a qual está fadada a ser extinta e posteriormente resolvida por arbitragem. Dessa forma, o texto final do Novo CPC lamentavelmente consagrou maior poder a quem deseja violar o instituto e retardar a solução da lide, ao invés de apoiar a arbitragem como método de solução alternativa de disputas.
Jus Econômico – Fale da importância da carta arbitral e de como foi tratada no texto final.
Joaquim de Paiva Muniz – A carta arbitral supre uma grave lacuna legal sobre a forma da comunicação entre árbitros e o Poder Judiciário. Muitas vezes o juiz demora a cumprir decisão de painel arbitral devido à ausência de forma prevista dessa comunicação. A carta arbitral fará com que essas decisões sejam executadas de forma mais célere.
Jus Econômico – Como ficou, na sua avaliação, a regulamentação da mediação?
Joaquim de Paiva Muniz – A regulamentação da mediação em geral foi positivo, mas há algumas falhas. A maior delas me parece a disposição de que o advogado que trabalha como mediador em uma determinada seccional da OAB não poderá praticar a advocacia nessa mesma seccional. Não há dúvidas que a intenção do texto era em manter a imparcialidade. Entretanto, em um campo relativamente jovem e pouco desenvolvido no Brasil, isso pode levar a um déficit de mediadores qualificados. Não seria exagero dizer que a maioria dos mediadores existentes são advogados, e os mais bem-sucedidos não desejarão estar sujeitos a esse impedimento.
Jus Econômico -O texto final deu a atenção merecida a temas como desconsideração da personalidade jurídica, penhora on-line, depósito em conta corrente ou aplicação financeira e limitação das hipóteses do agravo de instrumento?
Joaquim de Paiva Muniz – Esse é um assunto polêmico. Por um lado, não há dúvida que a discussão sobre esses pontos foi extensa. Por outro, não significa dizer que foi suficiente ou que as decisões certas foram tomadas. Muitas vezes o ímpeto da inovação pode acabar por prejudicar um projeto de lei. O antigo CPC, tendo sido feito em 73, tem um caráter conservador em muitas de suas disposições. A tentativa de se distanciar disso não é por si só ruim, mas em certos casos pode “jogar fora” um sólido conhecimento adquirido e utilizado com sucesso por muitos anos.
Em primeiro lugar, a desconsideração da personalidade jurídica a qualquer tempo é discutível, pois, por se tratar de medida drástica e excepcional, deve, necessariamente, anteceder uma busca pela justa solução da lide, com a possibilidade de uma ampla instrução probatória. Isso tudo de modo a evitar injustiças.
Quanto à penhora on-line de dinheiro sem ouvir o executado, o que está em jogo é a ampla defesa e o contraditório. Não me parece correto permitir se imputar um ônus para o executado, sem observância dos direitos de defesa constitucionais, bem como do princípio da menor onerosidade do devedor.
Por fim, a limitação das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento é questionável. A tentativa de prever um rol taxativo de casos teratológicos e de violação e comprometimento de direitos pode, na minha opinião, acabar por fomentar o uso deturpado do mandado de segurança. A despeito da louvável tentativa de prestígio ao princípio da celeridade, entendo que extirpar esse importante recurso do CPC pode, por via transversa, causar mais transtornos do que vantagens.
Entrevistador: Catia Santana Data: 22/01/2015
Entrevistado: Joaquim Tavares de Paiva Muniz
Fonte: Juseconomico

Arbitragem na Administração Pública não precisa de regra posterior

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A arbitragem é uma forma de solução extrajudicial de controvérsias regulada na Lei 9.307/96. As partes num contrato podem estabelecer que os conflitos dele surgidos sejam dirimidos por árbitros, independentes e imparciais. Tanto as pessoas de direito público, como privado podem dispor da arbitragem.
Tramita no Congresso Nacional projeto de lei (PLS 406/13 e PL-CD 7.018/14) que pretende alterar a Lei de Arbitragem (LA), com o objetivo de aprimorar seu texto. Na área da Administração Pública, a alteração proposta condiciona a arbitragem a uma regulamentação posterior, a ser editada pelo Executivo, sendo que não há utilidade e necessidade dessa previsão.
Arbitragem não é matéria de Direito Administrativo, mas de Direito Civil e de Direito Processual Civil, selou o Supremo Tribunal Federal (AI 52.181, RTJ 68/382).
A questão é simples. Pode firmar cláusula compromissória que pode contratar. Assim é que nos Contratos de Concessão de Obras e Serviços Públicos e nas Parcerias Público-Privadas (PPPs), tudo que diga respeito a direito patrimonial disponível, isto é, tudo que tenha reflexo econômico pode ser dirimido por arbitragem. Não está em discussão ato administrativo, mas cláusulas contratuais que regulam a equação econômico-financeira do contrato.
Não depende de nenhuma condição ou premissa a ser regulada posteriormente. A Administração Pública, levando em consideração a natureza do contrato a ser firmado, avaliará se disporá da arbitragem, como método de solução de conflitos oriundos daquele contrato, ou não.
A principal justificativa em se optar pela arbitragem nos contratos privados e públicos é preponderantemente econômica. A arbitragem, instrumento jurídico, é também ferramenta econômica. Estudos demonstram que esta cláusula gera economia nos custos de transação, isto é, se o contratante privado tiver conhecimento que a Administração Pública optará pela solução de conflitos por arbitragem, o preço do serviço ou fornecimento de bem objeto do contrato será menor. Poderá gerar uma economia de até 58% nos custos do processo, se optar pela arbitragem em vez de demanda judicial.
Estudos de economistas efetuados em mil contratos de concessão de serviços e obras públicas nos países da América Latina e Caribe, entre 1989 e 2000, demonstram que prever a arbitragem facilita a renegociação, bem como pode representar uma diminuição de até 20% do valor das tarifas pagas pelos usuários. Não é sem razão que os bancos de fomento internacional, tal como o Banco Mundial, tenham a previsão da arbitragem ao financiarem obras públicas.
Desde a edição da Lei Federal das PPPs e de suas congêneres estaduais e municipais há dez anos, a arbitragem vem sendo estudada e regulada em contratos administrativos. Cada ente da Administração Pública direta e indireta, federal, estadual e municipal tem liberdade de estabelecer o conteúdo da clausula arbitral e o procedimento a ser seguido. A cláusula compromissória observa a mesma premissa das demais cláusulas do contrato administrativo. Nos contratos de concessão e PPPs, o contratado privado (investidor) é um parceiro da Administração. Todos têm interesse em que esses acordos com até 30 anos de vigência sejam cumpridos, consoante as premissas fixadas no edital e no contrato.
Vincular a utilização da arbitragem pela Administração Pública à regulamentação posterior no texto da LA cria dois óbices desnecessários. Primeiro, não se sabe quando sairá essa regulamentação, o que poderá obstaculizar o andamento de projetos de PPPs e concessões por anos, a par do que ocorre em outros setores. Segundo, gera incerteza e insegurança, pois não se sabe quais serão os requisitos e restrições que disporá.
Não há nenhuma necessidade de se atravancar algo que vem sendo adequado e competentemente utilizado. Só nos estados de São Paulo e Minas Gerais, já há uma dezena de contratos de PPPs prevendo a arbitragem. São contratos complexos, bem planejados e estudados com acuidade pelas assessorias jurídicas desses estados, que orientam a redação adequada de cláusulas compromissórias e seus respectivos conteúdos. A Administração pode até prever e regular normas internas sobre a questão, mas não precisa de nenhuma disposição na LA para isso.
Neste ano a LA completou 18 anos de vigência. A alteração proposta no PL para a utilização da arbitragem na Administração Pública é um presente de grego para a sociedade brasileira.
Selma Ferreira Lemes é advogada, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo. Também é autora do livro Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica (São Paulo, Quartier Latin, 2007)
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2015, 8h18

As diretrizes da IBA relativas a conflitos de interesses em arbitragem internacional – versão de 2014

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(A) Introdução – O processo de revisão das diretrizes da IBA relativas a conflitos de interesses em arbitragem internacional
1. No dia 23 de outubro de 2014, em Tóquio, o Conselho da IBA (International Bar Association) aprovou a mais recente versão das Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional (“Diretrizes da IBA” ou “Diretrizes”), ainda não traduzida oficialmente para o português.
2. Como se sabe, as Diretrizes da IBA são regras de caráter não cogente (referidas, em direito internacional, como soft law), mas que, ao longo dos dez anos de sua existência, ganharam destaque e aceitação entre muitos que utilizam a arbitragem como método de resolução de disputas nacionais e internacionais, tais como árbitros, partes, advogados, instituições arbitrais e também tribunais judiciais.
3. As Diretrizes buscam assegurar a imparcialidade e a independência de árbitros e dos demais sujeitos atuantes em arbitragens comerciais e de investimento, sejam eles advogados ou não. Indicação, revelação e impugnação de árbitros são alguns dos intrincados temas tratados pelas Diretrizes da IBA com o propósito de incentivar e fortalecer a segurança jurídica buscada pela arbitragem.
4. Nesse passo, as novidades trazidas pelas Diretrizes da IBA de 2014 refletem as experiências vividas em várias partes do mundo e a evolução dos assuntos relacionados à sua aplicação, que foram objeto de estudo pelo Comitê de Arbitragem da IBA desde 2012. Embora os propósitos e as abordagens das Diretrizes de 2004 não tenham sido modificados em sua essência (“If it ain’t broken, don’t fix it” foi um dos motes do processo de revisão), as novidades trazem diretivas inéditas e esclarecimentos acerca de dúvidas textuais e problemas de interpretação que têm sido discutidos no passado recente. Algumas das mais relevantes modificações serão brevemente comentadas a seguir.
(B) O período de extensão dos deveres de imparcialidade, independência e revelação dos árbitros – GS (1)
5. A Parte I das Diretrizes estabelece sete princípios gerais relativos à imparcialidade, à independência e à revelação dos árbitros e, em cada um deles, a sua fundamentação em uma breve nota explicativa. O General Standard (1) é o primeiro princípio geral que, naturalmente servindo de base para os demais, prevê que os deveres de imparcialidade, independência e revelação do árbitro se mantêm até o final do procedimento arbitral.
6. As modificações de 2014 esclarecem que esses deveres perduram até o prazo final de correções e/ou interpretações da sentença final pelos árbitros, mas não se estendem ao período em que a sentença pode ser impugnada perante os tribunais judiciais competentes. A exceção a essa regra consiste na hipótese em que a sentença arbitral retorne, por qualquer motivo, para nova decisão a ser proferida pelo tribunal arbitral. Nesse caso excepcional, a versão 2014 das Diretrizes da IBA estabelece que novas verificações de potenciais conflitos de interesses deverão ser realizadas quando a arbitragem voltar a prosseguir.
(C) A validade e a eficácia de Advance Declarations ou Advance Waivers pelas partes – GS (3)
7. O General Standard (3) é o terceiro princípio geral, também alterado pela nova versão das Diretrizes, e trata do dever do árbitro de revelar às partes quaisquer fatos ou circunstâncias que possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade ou à sua independência. Trata-se de dever contínuo durante todo o procedimento, conforme se introduziu acima, e como as Diretrizes expressamente estabelecem.
8. A nova versão das Diretrizes da IBA permanece silente quanto à validade e à eficácia de declarações antecipadas ou renúncia ao dever de revelação (os chamados advance declarations ou advance waivers) – questão que deve ser avaliada sob o prisma da lei aplicável. No entanto, as Diretrizes enfatizam expressamente que tais declarações e/ou renúncia não tornam o árbitro isento do dever contínuo de revelação. A revelação pelo árbitro deveria ocorrer, portanto, independentemente de haver uma advance declaration ou um advance waiver pelas partes.
(D) Escopo de aplicação ampliado: a independência e a imparcialidade dos secretários administrativos, secretários do tribunal e assistentes – GS (5)
9. A nova versão das Diretrizes também torna o escopo de sua aplicação mais abrangente, porquanto o General Standard (5) passou a determinar que os deveres de imparcialidade, independência e revelação não se aplicam apenas ao tribunal arbitral, mas igualmente aos secretários administrativos, aos secretários do tribunal e a eventuais assistentes dos árbitros. Cabe ao próprio tribunal arbitral, aliás, assegurar que esses deveres sejam respeitados por todos os sujeitos envolvidos no curso do procedimento.
(E) Sócios e associados de escritórios de escritórios de advocacia atuando como árbitros – GS (6)
10. As modificações incorporadas ao sexto princípio, o General Standard (6), são de especial relevância para os escritórios cujos advogados atuam como árbitros ou representantes de partes. Em que pese o tom mais restritivo ao afirmar que os árbitros devem assumir a identidade do escritório em que atuam, as Diretrizes recomendam que, na análise de existência de conflito de interesses, sejam levados em consideração diversos fatores nesse tocante, como a real relação do árbitro com o escritório, e a natureza e o escopo de suas atividades no âmbito da sociedade de advogados.
11. Desta feita, conflitos de interesses envolvendo a sociedade de advogados da qual o árbitro ou o advogado façam parte devem ser analisados conforme suas especificidades; a mera existência de relação com o escritório de advocacia não necessariamente fará nascer o conflito. Essa alteração tem como propósito conciliar, de um lado, a intenção das partes de que sócios de escritórios sejam indicados como árbitros e, de outro, a inafastável observância dos deveres de independência, imparcialidade e revelação pelos árbitros.
(F) Third-party funders e seguradoras – GS (6)
12. As pessoas físicas e jurídicas com interesse econômico direto no resultado da arbitragem são, ainda, colocadas no mesmo nível das partes para os fins de checagem de conflitos, conforme o General Standard 6(b). Trata-se do caso dos third-party funders e das seguradoras, por exemplo, cujos nomes e relações também deveriam, nos termos das Diretrizes, ser revelados para fins de análise de conflitos de interesses.
(G) Dever adicional das partes de revelar situações de potencial conflito de interesses – GS (7)
13. A nova versão das Diretrizes ainda estabelece uma atribuição adicional às partes em seu sétimo e último princípio. O General Standard (7) confere às partes – e não apenas aos árbitros – o dever de informar todos os sujeitos da arbitragem acerca de quaisquer relações relevantes entre partes, árbitros, patronos e entidades terceiras interessadas. Caberia primeiramente às partes, com efeito, alertar os demais sujeitos a respeito de um sabido e potencial conflito de interesses com relação a um ou mais árbitros.
14. Mais que isso, as notas explicativas do sétimo princípio esclarecem que tanto as partes quanto os árbitros possuem o dever contínuo de investigar e buscar informações relevantes que estejam razoavelmente acessíveis com o propósito de identificar conflitos de interesse. Trata-se de deveres paralelos e cooperativos entre partes e árbitros, portanto, e não um ônus atribuível apenas às primeiras, como poderiam acreditar alguns.
(H) As listas vermelha, laranja e verde
15. A Parte II das Diretrizes passa a abordar a aplicação prática dos princípios gerais, trazendo listas descritivas que visam ao enquadramento dos deveres dos árbitros a situações concretas. São quatro listas descritivas: a Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis, a Lista Vermelha dos Eventos Renunciáveis, a Lista Laranja e a Lista Verde, que trazem, gradativamente, hipóteses e exemplos de situações que podem ou não (i) ocasionar dúvida justificável, e/ou (ii) exigir a sua revelação.
16. Apesar de não esgotarem as possibilidades que potencialmente levariam à desqualificação de um árbitro ou demais sujeitos envolvidos no procedimento, as listas descritivas harmonizam as particularidades do caso concreto com os princípios gerais, e buscam evitar que árbitros sejam impugnados ou afastados por motivos fúteis ou frívolos. Por meio de hipóteses exemplificativas – que, evidentemente, não excluem a análise particular das situações de cada caso –, as Diretrizes buscam trazer alguma concretude a um tema que é, por sua natureza, abstrato, e que pode dar margem a iniquidades no procedimento.
17. Nesse passo, a partir de evoluções verificadas nos últimos 10 (dez) anos, as adições de hipóteses às Listas estão em plena consonância com os observados (a) crescimento de escritórios de advocacia e (b) desenvolvimento do interesse econômico de grupos empresariais na arbitragem internacional.
18. A titulo exemplificativo, as hipóteses adicionadas à Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis contaram com a adição de situações em que o árbitro (a) é empregado de uma das partes (item 1.1), e (b) o escritório de advocacia em que atua o árbitro aconselha regularmente uma das partes ou subsidiárias (item 1.4). Já as adições à Lista Laranja trazem a atenção, como exemplo, para situações em que o escritório de advocacia em que atua o árbitro tenha representado a parte contrária a alguma das partes do procedimento nos últimos três anos anteriores (item 3.1.4).
(I) Comentários finais: contribuições das diretrizes da IBA
19. Como se pode observar, as principais circunstâncias consideradas na elaboração versão 2014 das Diretrizes da IBA trazem em sua atualização, em especial, o visível crescimento de escritórios de advocacia e de grupos empresariais internacionais – fenômenos que têm tornado as hipóteses de conflitos de interesses e do dever de revelação ainda mais abrangentes e frequentes. Buscou o Comitê de Arbitragem, em poucas palavras, ajustar o texto das Diretrizes às mudanças dos últimos dez anos, com atenção especial à ascendente ocorrência de impugnações a árbitros nos últimos anos.
20. Na linha do que diversos colaboradores enfatizaram durante todo o trabalho de revisão, o propósito maior das Diretrizes deve ser sempre (i) proteger as sentenças arbitrais contra impugnações frívolas baseadas em violações inexistentes aos deveres de imparcialidade, independência e revelação (sem prejudicar o legítimo direito à impugnação, quando ela se mostrar devida), e (ii) promover condições equânimes para a atuação de advogados e partes em arbitragens internacionais.
21. As Diretrizes de 2014, nesse sentido, contribuem para que sejam atingidos três importantes objetivos no âmbito da arbitragem nacional e internacional de hoje: (a) que se reprimam as impugnações fúteis e frívolas; (b) que se uniformizem os padrões e critérios para revelações, objeções e impugnações mundo afora; e (c) que se evite que profissionais não capazes de cumprir deveres inerentes à função de árbitro ou secretário assumam tamanho encargo.
*Ricardo Dalmaso Marques é advogado associado da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Marília Muchiuti é estagiária da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
© 2015. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS
Fonte: Migalhas 02 de Janeiro de 2015.

Ano foi marcado pela democratização da arbitragem e 2015 promete boa safra

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Em 2014, a Lei de Arbitragem de 1996, tendo chegado à sua maturidade, atingiu também sua maioridade, com sucesso reconhecido nacional e internacionalmente. Tivemos um crescente aumento da arbitragem interna. Assistimos à sua internacionalização e aumento de seu uso pelas empresas multinacionais, que, muitas vezes, passaram a escolher o Brasil como um dos lugares mais adequados para a sua realização. As instituições brasileiras estão se equipando para essa fase, enquanto surge uma nova geração de árbitros e de advogados especializados na matéria.
De um ano para o outro, as estatísticas revelam a adoção progressiva da solução dos litígios pela arbitragem e pela mediação, que entrou nos usos e costumes comerciais nos últimos anos. Passamos a ter o reconhecimento da eficiência da arbitragem brasileira, no plano internacional, pelos magistrados, advogados e juristas dos outros países.
As estatísticas obtidas em 2014 evidenciam que tivemos e teremos boas safras. De acordo com dados fornecidos pelas principais instituições arbitrais em casos brasileiros, foram iniciados mais de 310 novos casos em 2014, em contraposição aos cerca de 170 iniciados em 2008 — o que corresponde a um aumento que supera 80% no número de arbitragens nesse período. O Brasil também teve desempenho expressivo na CCI, nos últimos anos, ficando em 4° lugar em 2012 e 2013, no ranking dos países com maior número de partes em arbitragens administradas por aquela instituição. Essa tendência certamente é contínua.
Cada vez mais, a arbitragem passa a ser não só um meio de solução de disputas, mas também uma ferramenta comercial para alcançar acordo entre as partes. Houve também uma maior democratização do instituto da arbitragem, que passou a abranger numerosas questões médias e até de valor relativamente reduzido, que estão sendo submetidas aos árbitros.
Uma nova geração de jovens árbitros está ingressando no mercado e assistimos a uma lenta, mas progressiva especialização na matéria e à gradual profissionalização da arbitragem. Assim, escritórios que se dedicavam exclusivamente à advocacia dos negócios comerciais e que, no passado, não cuidavam do contencioso, passaram a desenvolver departamentos especializados na conciliação, mediação e arbitragem, que deixou de ser uma atividade pontual.
No pronunciamento que fez em 14 de agosto de 2014, no evento promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros, um dia depois de ser eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu a necessidade de recorrer à arbitragem, à mediação e à conciliação para resolver os litígios menores, que não devem, necessariamente, serem levados ao Judiciário, podendo ser resolvidos pela própria sociedade. O site do CNJ publicou, na ocasião, notícia com o seguinte título: “O século XXI marca a era dos direitos e do Poder Judiciário, afirma Ricardo Lewandowski”. O ministro reiterou o posicionamento em almoço que lhe foi oferecido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo.
Do lado da advocacia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, afirmou, em artigo publicado em 14 de agosto de 2014, na Folha de S.Paulo, que urge reduzir o tempo da tramitação processual e buscar novas formas alternativas para reduzir a litigância pela via da conciliação, utilizando inclusive programas nos quais o advogado pode funcionar como catalisador dos acordos.
Por sua vez, o projeto de lei de reforma da arbitragem foi aprovado pela Câmara dos Deputados e já remetido ao Senado (Projeto de Lei do Senado 406/2013), com uma única emenda cuja utilidade e oportunidade estão sendo contestadas pelo presidente da comissão de juristas que o elaborou e pela doutrina em geral1.
A emenda proposta pelo relator da Comissão Especial propõe a exigência de previsão da arbitragem em edital ou ainda em contratos da administração, desde que nos termos de regulamento a ser implementado. Todavia, a referida emenda é inoportuna porque é mais restritiva do que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
No caso Compagás versus Passarelli, o STJ reafirmou a arbitrabilidade subjetiva de entes da Administração Pública indireta, a exemplo das sociedades de economia mista, que, assim como a Compagás, podem estar sujeitas à arbitragem. Em especial, afirmou não ser necessário que a convenção de arbitragem conste de edital, podendo as partes, a posteriori, celebrar compromisso arbitral, uma vez que, na sua visão, a convenção arbitral não constitui cláusula essencial. O REsp 904.813-PR, analisado pela 3ª Turma do STJ, foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 20 de outubro de 2011.
A posição pró-arbitragem em relação a disputas envolvendo a Administração Pública é ilustrada em recente arbitragem, que teria sido instituída pela Petrobras contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP), conforme noticiou o Valor Econômico, com o título “Petrobras e ANP vão à arbitragem”, em 28 de abril de 2014. No passado, fui árbitro nomeado pela ANP2, numa arbitragem CCI que ensejou um dos primeiros pronunciamentos da AGU em favor da legalidade da cláusula compromissória nos contratos administrativos. Agora, o fato de ser requerida a arbitragem, pela Petrobras, contra a Agência, revela uma nova mentalidade da Administração Pública, que muito deve ao esforço feito neste sentido sucessivamente pelos ministros José Antonio Dias Toffoli e Luís Inácio Adams, para mitigar os efeitos do que o primeiro chamou “a cultura do litígio”.
Além de dispositivo reconhecendo a arbitrabilidade de disputas envolvendo a Administração Pública direta e indireta, o Projeto de Lei do Senado 406/2013 trata também da competência dos árbitros para decidir sobre medidas cautelares, faz a distinção entre contratos de adesão e consumo, regula a arbitragem societária, dentre outros assuntos relevantes. Pode-se esperar que o projeto se transforme em lei ainda no primeiro semestre de 2015.
Quanto à evolução da jurisprudência, houve várias decisões do STJ e dos demais tribunais, examinando os conceitos de ordem pública, o pedido de homologação de sentença não fundamentada, a independência dos árbitros e outras questões. O número de impugnações de árbitros e de ações anulatórias de sentença também aumenta, mas a maioria das decisões arbitrais está sendo confirmada pelo Poder Judiciário.
No STJ, dentre as 61 decisões sobre pedidos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras entre 2005 e 2014, 45 sentenças arbitrais foram homologadas, 3 foram parcialmente homologadas, 7 não foram homologadas e em 6 casos houve extinção do processo por acordo ou em virtude de ilegitimidade da parte.
Em 2014, o STJ discutiu o conceito de ordem pública, como causa de não homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. No caso Ferrocarriles versus. Supervia3, a corte homologou parcialmente sentença arbitral da CCI, no sentido de excluir condenações em dólar sujeitas à conversão em reais na data do envio, cumuladas com correção monetária. A matéria mereceu comentários do professor Roberto Rosas na Revista de Arbitragem e Mediação4.
Por um lado, a decisão em Ferrocarriles poderia parecer um tanto prejudicial à parte, que teria de iniciar uma nova arbitragem para se valer das condenações em dólar em relação às quais se aplicasse correção. Por outro, a decisão do STJ parece alinhar-se à decisão anterior no caso Thales Geosolutions versus Farco5, em que, ao homologar sentença arbitral, salientou que questões envolvendo direito constitucional, administrativo, processual, criminal, tributário, família, recuperação judicial, polícia, condições de forma de certos atos, salário, moeda e fraude poderiam suscitar indeferimento, com fulcro no conceito de ordem pública.
Uma decisão importante do STJ em 2014 foi proferida em medida cautelar relacionada ao processo de homologação de sentença arbitral estrangeira (SEC 5692/EX) no caso Newedge versus Garcia. Nesse caso, a autora6 buscou garantir, mediante pedido de tutela de urgência, a execução de sentença arbitral estrangeira proferida em seu favor, com condenação solidária dos requeridos Garcia e a empresa Fluxo-Cane. A arbitragem teve por fundamento um contrato de financiamento relativo à compra e venda de commodities, em que a Newedge atuou como corretora da Fluxo-Cane.
Paralelamente ao pedido de homologação, a Newedge requereu medida de urgência, alegando a existência de processo de liquidação da empresa Fluxo-Cane, em cortes estatais caribenhas, como também a dissipação de bens por Garcia, cidadão brasileiro, mediante a alienação de imóveis de propriedade da empresa S/A Fluxo em que participava como sócio majoritário no Brasil. Nesse sentido, requereu o arresto das ações da referida empresa de propriedade de Garcia, dos imóveis transferidos pela S/A Fluxo a uma segunda empresa cujos acionistas eram seus filhos, e o de imóveis transferidos por Garcia a seus filhos. Além do arresto, a Newedge requereu a expedição de edital de protesto judicial, a ser publicado nas praças de Recife e São Paulo, a fim de dar ciência a terceiros quanto à litigiosidade dos bens que integravam o patrimônio dos devedores.
A cautelar foi concedida pelo ministro Ari Pargendler, relator do caso. No agravo regimental contra a mesma, a Corte manteve a decisão monocrática, concedendo a tutela de urgência. Entendeu que a alienação de bens colocava em risco a solvência do devedor, a qual, associada ao processo de liquidação judicial da Fluxo-Cane no exterior, comprovava periculum in mora. Outrossim, justificava-se no caso a desconsideração da personalidade jurídica da S/A Fluxo, identificando-a com seu sócio Garcia, constatada fraude à execução. O fumus boni iuris restava comprovado mediante a sentença arbitral, que se buscava homologar e que é equiparada a título executivo judicial. Já no processo de homologação da sentença arbitral estrangeira no mesmo caso, o STJ salientou que a concisão da fundamentação da sentença arbitral não era impeditiva da sua homologação.
A decisão vem na linha do voto vencido do ministro Massami Uyeda, no caso Kanematsu, segundo o qual a ausência de motivação era autorizada expressamente pelas regras de arbitragem AAA, o que não obstava, no caso, a homologação. Em seu voto, o ministro acrescentou que o contrato do qual constava cláusula compromissória havia sido assinado pela ATS, e que a requerida ATS havia participado ativamente da arbitragem AAA. Saliente-se, todavia, que, no caso Kanematsu, o STJ não precisou decidir sobre o tema de sentenças arbitrais não fundamentadas, pois justificou o indeferimento da homologação sob a alegada ausência de assinatura da ATS no contrato que dispunha sobre arbitragem. O caso Kanematsu versus ATC, analisado na Corte Especial, foi relatado pelo ministro Francisco Falcão em 18 de abril de 2012. (STJ, SEC 885/EX)
De qualquer forma, nos dois casos citados, Newedge e Kanematsu, há uma sinalização de que, se as partes aderirem a regras de arbitragem que expressamente prevejam a não fundamentação, ou ainda dispensarem a fundamentação de forma explícita no termo de arbitragem, o deferimento da homologação se justificaria. Essa posição seria ainda mais defensável quando houver concisão da decisão, o que se distingue da ausência de fundamentação.
Ainda, no caso Newedge, a Corte ressaltou que processo instituído no exterior não induz litispendência, não tendo o condão de impedir a homologação. Nesse caso, a Newedge, requerente vitoriosa na arbitragem contra Fluxo-Cane Overseas Ltd (Ilhas Virgens Britânicas) e Garcia (cidadão brasileiro), teria desistido do feito em relação à Fluxo-Cane nos autos da liquidação judicial dessa empresa perante a Suprema Corte do Caribe Oriental.
Tal posição se alinha com outros precedentes nos quais o STJ não reconheceu a litispendência. O caso mais emblemático já decidido pela Corte é GE Medical versus Paramedics7, em que o STJ não hesitou em homologar decisões estrangeiras norte-americanas afirmando a validade da cláusula compromissória8, a despeito da existência de feito pendente perante a justiça brasileira atinente à alegação de nulidade da convenção arbitral.
Por fim, podemos também citar a decisão no caso First Brand versus Petroplus, na Apelação 0014578-23.2004.8.26.0100. O caso, analisado na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista, foi relatado pelo desembargador Francisco Loureiro em 3 de abril de 2014. O TJ-SP reiterou jurisprudência do STJ, conforme o REsp 1.231.554/RJ. O caso Nuovo Pignone versus Petromec foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 24 de maio de 2011.
Segundo o TJ-SP, a ação anulatória não poderia ser proposta perante cortes brasileiras, por não se tratar de uma sentença doméstica, devendo-se recorrer às cortes norte-americanas, nos termos do artigo 38, VI, da Lei de Arbitragem e da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Essa decisão reiterou a jurisprudência do caso Renault versus CAOA, também do TJ-SP, que publicamos9.
Paralelamente, as instituições arbitrais se reorganizam e multiplicam os eventos destinados à discussão e divulgação da matéria. Em 2014, tivemos debates acerca da arbitragem em diversos eventos realizados nas principais capitais brasileiras. Também os livros e artigos nacionais sobre arbitragem se multiplicam, versando alguns sobre a teoria geral como o tratado do professor Dinamarco, e outros sobre assuntos específicos, como as recentes obras dos professores Pedro Batista Martins e Raquel Stein. Publiquei, pela Revista dos Tribunais, em 2014, uma antologia de artigos sobre arbitragem em sete volumes, abrangendo cerca de 500 artigos, que é a obra mais extensa existente no direito brasileiro sobre a matéria. Finalmente, o livro do professor Gaillard10 sobre aspectos filosóficos da arbitragem, que foi, inicialmente, escrito em francês e, depois, traduzido para o espanhol, acaba de merecer uma tradução brasileira, o que demonstra que também há o interesse dos meios universitários e profissionais pela visão teórica da matéria.
Sem dúvida, a tendência é a valorização da arbitragem, como também de outros métodos a exemplo dos dispute boards em grandes contratos de infraestrutura, da mediação e conciliação, tanto em virtude do trabalho dos tribunais liderados pelo Conselho Nacional de Justiça, como pelos meios empresariais. Cada vez mais, hoje e no futuro próximo, os advogados e os árbitros desempenharão papel crucial na aproximação das partes, atuando como catalisadores de acordos.
1 Luis Felipe Salomão, “A atualização da lei de arbitragem”, Migalhas, 19.11.2014, disponível em http://www.adambrasil.com/arquivos/4950/
Projeto de Lei do Senado nº 406/2013:
”Art. 1º …………………………………………………………….. §
1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados desde que previsto no edital ou nos contratos da administração, nos termos do regulamento.
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
“Art. 2º ……………………………………………………………..
§ 3º As arbitragens que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade”.
2 O Professor Arnoldo Wald atuou como co-árbitro na disputa Newfield vs. ANP. A sentença arbitral nesse caso foi publicada na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 39, out.-dez./2013, p. 311 e sgts.
3 STJ, SEC 2410/EX, Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. vs. Supervia Concessionária de Transporte Ferroviário S.A., Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, DJe 19.02.2014.
4 Vide Roberto Rosas, “Sentença arbitral estrangeira. Homologação no STJ. Ofensa à ordem pública. Limites EDcl na SEC 2410”, Revista de Arbitragem e Mediação, nº 43, out.-dez./2014 [no prelo].
5 STJ, SEC 802/US, Thales Geosolutions Inc vs. Fonseca Almeida Representações e Comércio (“Farco”), Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 17.08.2005, DJ 19.09.2005. Nesse caso, a Corte entendeu que o princípio exceptio non adimpleti contractus não estava contido no conceito de ordem pública.
6 STJ, AgRg MC 17.411 S/A Fluxo Comércio e Assessoria Internacional vs. Newedge USA LLC, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 20.08.2014.
7 STJ, SEC 854/EX, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Corte Especial, Rel. Min. Uyeda (Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti), j. 16.10.2013. Vide também a decisão em AgRg SEC 853, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Decisão monocrática Min. Castro Meira, j. 30.06.2011, em que se decidiu não suspender a homologação da sentença arbitral, a despeito de tramitar processo perante justiça brasileira discutindo validade da convenção de arbitragem.
8 Note-se que a homologação na SEC 854 foi parcial, não se aplicando à parte das sentenças judiciais norte-americanas que impunham pena criminal e imposição multa mediante anti-suit injunction pelas cortes estrangeiras.
9 Vide comentários da Professora Selma Ferreira Lemes, na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 11, out.-dez./2006, p. 222 e sgts..
10 Emmanuel Gaillard. Teoria jurídica da arbitragem internacional. Tradução de Natália Mizrahi Lamas. São Paulo: Atlas, 2014.
Arnoldo Wald é advogado e professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e sócio de Wald e Associados Advogados.
Ana Gerdau de Borja é advogada associada (Wald, São Paulo), PhD e LLM pela University of Cambridge, Reino Unido.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2015, 7h09

Contrato com cláusula compromissória não pode ser revisto pelo Judiciário

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A partir do momento em que as partes celebram cláusula compromissória, o Poder Judiciário fica impedido de processar e julgar o mérito da questão, exceto se houver renúncia bilateral à jurisdição privada. Com esse entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul extinguiu ação que tentava considerar nulo um contrato de permissão onerosa envolvendo o uso de faixa de domínio numa rodovia gaúcha, selado entre duas concessionárias sob as regras da arbitragem.
Uma delas, prestadora de serviços de telecomunicações em cidades gaúchas, tem cabos passando às margens da rodovia BR-290. A companhia firmou contrato com a Concepa, concessionária da via, para remunerar seu uso, mas foi à Justiça alegando vício contratual.
O pedido foi aceito em primeira instância, fazendo com que o documento fosse declarado nulo e a autora pudesse usar as faixas sem pagar qualquer valor. Para a juíza Elisabete Maria Kirschke, o caso versa sobre bem de uso comum do povo — serviços de telecomunicações — e, portanto, de interesse difuso, não se restringindo a duas partes com interesses privados. Além disso, avaliou que o árbitro só poderia solucionar eventual litígio nos termos do contrato entre particulares.
A sentença diz ainda que o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento, em repercussão geral (Recurso Extraordinário 581.947), de que é proibida a cobrança de taxa ou qualquer contrapartida, pelo uso e ocupação do solo e do espaço aéreo em faixas de domínio de vias públicas, de equipamentos necessários à prestação de serviço público.
A Concepa recorreu ao TJ-RS, mas teve o pedido negado pelo relator do processo, desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro em decisão monocrática. Ele avaliou que, para a instalação de equipamentos no subsolo, o pagamento de indenização a particular só seria admitido em caso de efetivo prejuízo ao seu proprietário — o que não ocorreu no caso concreto, a seu ver.
Reviravolta
A 22ª Câmara Cível seguiu entendimento diferente, por maioria de votos. A desembargadora Marilene Bonzanini, que puxou a tese vencedora, disse que a discussão baseava-se em obrigação unicamente contratual, firmada entre duas concessionárias de serviço público, que assinaram a cláusula compromissória de livre vontade. Assim, entender de forma diversa anularia completamente a eficácia do contrato e do próprio instituto da arbitragem, que já foi declarado constitucional pelo STF.
‘‘Não bastasse isso, registro que não se está diante de cláusula compromissória ‘vazia’ ou ‘em branco’ — assim entendida aquela que se limita a afirmar que qualquer desavença decorrente do negócio jurídico será solucionada por meio de arbitragem, sem especificar o tribunal arbitral —, mas sim cláusula compromissória completa ou cheia; ou seja, aquela que contém, como elemento mínimo indispensável, a eleição do órgão convencional de solução de conflitos, no caso, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo’’, escreveu a desembargadora.
Clique aqui para ler a sentença.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2014, 9h14

Projeto de Lei pode impulsionar arbitragem no Direito do Consumidor

AdamNews – Divulgação exclusiva de notícias para clientes e parceiros!
O Projeto de Lei 7.108/2014 que altera a Lei de Arbitragem e a Lei das Sociedades por Ações, atualmente em fase avançada de tramitação, oferece um grande potencial para que mais controvérsias de direito do consumidor sejam solucionadas por meio de arbitragem.
As alterações propostas para a Lei de Arbitragem na área consumerista, com a nova redação do parágrafo 2º do artigo 4º e o acréscimo de um parágrafo 3º neste artigo, mantêm o enfoque sobre contratos de adesão. Além disso, certamente reconhecem a premissa de que a vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca da figura do consumidor.
Se, quando a Lei de Arbitragem foi inicialmente promulgada, era improvável conceber a utilização deste método de solução de controvérsias no âmbito do direito do consumidor, este não é mais o caso hoje em dia. Com o passar dos anos, a arbitragem se consolidou e se popularizou no Brasil, tornando-se acessível não só para as grandes transações, mas também para negócios que envolvem valores bem mais modestos. Multiplicaram-se as câmaras arbitrais focadas na solução de controvérsias de menor valor e já vemos o surgimento de uma câmara de mediação e arbitragem pioneira que oferece arbitragem online, realizada em ambiente virtual.
Com custos fixos e mais acessíveis, procedimentos efetivamente rápidos e decisões proferidas por especialistas, a solução de controvérsias de natureza consumerista por meio de arbitragem traz consideráveis vantagens, tanto para o consumidor, quanto para o país. Exemplificativamente, permite desafogar o Poder Judiciário, atualmente sobrecarregado em todas as instâncias, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal, com ações que versam sobre direito do consumidor.
É importante notar que, no caso da solução de controvérsias de natureza consumerista por arbitragem, as vantagens não se limitam àquelas tipicamente vislumbradas nas grandes transações internacionais, traduzidas resumidamente na expectativa de celeridade, sigilo, expertise e neutralidade do foro. Pelo contrário, os méritos da utilização da arbitragem no âmbito do direito do consumidor vão muito além. Para elucida-los, algumas considerações devem ser feitas.
Primeiramente, cumpre lembrar que o fornecedor de produtos ou serviços possui mais informações sobre os seus produtos ou serviços e aqueles do seu concorrente do que o consumidor. De fato, o fornecedor conhece os pontos fortes e os pontos fracos dos produtos e serviços que ele e a concorrência oferecem.
Em segundo lugar, é necessário ter em mente que a decisão de prever a solução de controvérsias por arbitragem é essencialmente estratégica e de certa forma intuitiva, uma vez que, quando as partes inserem uma cláusula compromissória no seu contrato, elas ainda não conhecem detalhadamente a natureza específica do eventual conflito que poderá surgir futuramente.
Em terceiro lugar, não se pode esquecer que, em princípio, a parte que sofre qualquer espécie de lesão realiza um cálculo da relação custo-benefício antes de propor uma ação. Sendo assim, a parte lesada somente processa a outra parte se a possibilidade e a probabilidade de vitória forem superiores aos custos envolvidos, incluindo honorários advocatícios, custas processuais e tempo.
Por fim, há que se ter em mente que, ao optar por fornecer um serviço ou um produto defeituoso ou de má qualidade, o fornecedor leva em conta o custo jurídico deste modo de agir. Em razão da morosidade do Poder Judiciário, é possível diluir este custo no tempo, diminuindo o seu impacto. Basta ver os rankings de reclamações de consumidores para se notar que, entra ano e sai ano, a lista e o perfil de maus fornecedores renitentes não mudam substancialmente. Isto, porque quem paga à vista a conta do descaso do mau fornecedor é, em última análise, o consumidor prejudicado.
Feitas estas considerações, é possível concluir que a utilização da arbitragem para solucionar controvérsias consumeristas fomentará vantagens adicionais.
Como o procedimento arbitral é muito mais célere do que a justiça comum e não está sujeito a uma infinidade de recursos, a condenação do mau fornecedor ocorrerá muito mais rapidamente. O mau fornecedor que optar pela arbitragem não poderá operar com a mentalidade de atuar de forma defeituosa hoje e somente pagar o preço da sua má atuação daqui a muitos anos. Por conseguinte, a escolha da arbitragem promoverá, a título de precaução e prevenção, um verdadeiro incentivo para o aprimoramento dos fornecedores de serviços e produtos e para o aperfeiçoamento das boas práticas comerciais.
Com este aprimoramento, naturalmente haverá uma segunda vantagem: diminuirão as controvérsias entre consumidores insatisfeitos e fornecedores.
Some-se também mais um benefício que parece ter passado despercebido, embora constitua uma efetiva vantagem a ser usufruída tanto pelo consumidor, quanto pelo fornecedor: a inclusão de uma cláusula compromissória adequada para a solução de controvérsias por arbitragem funcionará como um diferencial do produto ou serviço oferecido, representando um verdadeiro indicador de empreendedorismo virtuoso.
Com efeito, tanto na arbitragem, quanto na justiça estatal, o fornecedor pode ser compelido a indenizar o consumidor, pagar multas e cumprir a obrigação contratada por força de tutela específica ou de outra providência que assegure o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Porém, a cláusula compromissória indica de antemão um inequívoco desejo do fornecedor de cumprir as suas obrigações e mesmo de indenizar o consumidor na hipótese de defeito.
Em outras palavras, ao adotar a arbitragem para a solução de controvérsias, o fornecedor de boa qualidade demonstra para o consumidor que está vendendo um produto ou serviço de qualidade superior ao do seu concorrente que opta pela justiça estatal. Afinal, a condenação célere em um processo arbitral seria mais custosa se fosse um mau fornecedor, já que teria de desembolsar no presente o preço de uma atuação temerária. Por este motivo, o mau fornecedor de produtos ou serviços terá diante de si uma efetiva penalidade. A alternativa para a sua subsistência no livre mercado será necessariamente aperfeiçoar-se, abraçando uma cultura de virtude mercantil e empreendedorismo saudável.
Desta forma, o consumidor que se deparar com dois produtos ou serviços aparentemente similares terá um elemento a mais para compará-los e tomar uma decisão informada. A inclusão de uma cláusula compromissória apropriada no contrato entre o fornecedor e o consumidor terá o efeito prático de funcionar, por assim dizer, como um termo de garantia adicional, um atestado de boa fé para o consumidor, que se verá sujeito a menos contratempos em caso de defeito no produto ou serviço.
Evidentemente, a possibilidade de escolher os termos da arbitragem constitui uma das vantagens fundamentais da cláusula compromissória. É precisamente esta capacidade que diferencia a arbitragem do contencioso estatal, em que as partes ficam adstritas às normas de processo civil e a um sistema judiciário que, pelo menos neste momento, não dispõe de meios para simplificar e agilizar a resolução de conflitos.
Por este motivo, para que o consumidor e o bom fornecedor possam usufruir o benefício decorrente do uso da arbitragem, é imprescindível que a cláusula compromissória reflita este caráter de termo de garantia adicional. Ao invés de meramente reciclar alguma cláusula antiga, o redator do contrato de adesão deverá dedicar especial atenção à cláusula compromissória.
Alguns elementos que indicariam na cláusula compromissória que a escolha da arbitragem representa um benefício para o consumidor são bastante simples. Por exemplo, a previsão de que o não cumprimento voluntário da sentença arbitral acarreta uma penalidade para a parte condenada. Também, a possibilidade de, em determinadas hipóteses, os custos de instauração do processo arbitral serem inicialmente adiantados pelo fornecedor. Ainda, um ato de efetiva demonstração de autoconfiança do bom fornecedor seria permitir, em casos extraordinários ou de patente má fé, a condenação em danos punitivos ou exemplares que levem em conta a necessidade de produzir o efeito pedagógico de evitar reincidência e sejam razoáveis para tanto, o que pode ser estruturado de várias maneiras, inclusive prevendo que a arbitragem seja de direito, evidentemente com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mas que os árbitros possam julgar por equidade determinados aspectos da conduta do fornecedor. Por fim, a cláusula compromissória não deve prever a obrigatoriedade de condução do processo em sigilo, a menos que assim seja escolhido pelo consumidor na solicitação de início do processo arbitral para se proteger de exposição indevida.
Em resumo, a arbitragem de casos de direito do consumidor, se bem utilizada, representa uma oportunidade adicional de empreendedorismo e lucratividade para os bons fornecedores. Estes poderão agregar aos seus produtos e serviços maior credibilidade e um diferencial de peso com relação aos seus concorrentes, promovendo o aperfeiçoamento do mercado e um aprimoramento significativo da qualidade do que é ofertado aos consumidores e dos meios para que estes possam fazer valer os seus direitos com um mínimo de transtornos.
Por Geraldo Luiz dos Santos Lima Filho – advogado e arbitro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em direito comercial e societário pela London School of Economics.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2014, 7h08